O Manto Azul...

Paula saiu para mais um dia de trabalho duro. Dentro daquelas vestes azuis, ela nem de longe se parecia com a doce menina, saída do interior do Pantanal, que viera estudar e ganhar a vida na capital. Para ela, aquele uniforme era sagrado, era quase um manto, que a imunizava da maldade da sociedade.

A tia, dona Joana, que praticamente a criou depois da morte dos pais, vivia numa preocupação sem fim, achava que essa vida não servia para uma moça tão linda e delicada como a sua Paulinha. Os únicos momentos de paz que ela tinha, era quando a sobrinha estava em casa, onde seus olhos pudessem vê-la.

E naquele dia, dona Joana estava mais aflita do que normalmente, parecia que algo não estava bem, pela vontade dela, sua Palinha não sairia de casa para trabalhar. Mas nada impediria que a dedicada policial cumprisse com o dever de proteger o mundo, de proteger que fosse uma pessoa! E assim Paulinha saiu, apressada para pegar o ônibus que a levaria ao seu posto de trabalho diário.

Ali naquela fila, a ainda quase uma menina Paulinha, contando com seus apenas dezenove anos recém completados, sentia-se uma verdadeira guerreira dentro daquela farda. E nos seus pensamentos , quase não viu que o ônibus parou. Assustada com a própria distração, ela entrou correndo na sua condução, sem nem mesmo imaginar o que passaria mais a seguir.

Como o ônibus não estava lotado, Paulinha sentou-se num banco bem lá do fundo, pois gostava de apreciar os passageiros entrando e saindo. Assim sentia-se a verdadeira guardiã dos passageiros. E assim a viagem iniciou, Paula contente com mais um dia de trabalho, e o ônibus começando a lotar, o que a obrigou a levantar-se de onde sentava, para dar lugar a algum pagante.

Depois de mais ou menos meia hora de viagem, o ônibus foi abordado por quatro homens encapuçados e fortemente armados. E o assalto foi anunciado por aquela voz, que, ao ouvido dos passageiros, mais parecia a de um trovão! Paulinha estava vivendo a primeira grande tarefa de sua carreira de policial, já que fazia somente três meses que ela tinha saído da academia.

E lá do fundo do ônibus, Paulinha foi andando, e ganhando a frente, a té poder encarar os bandidos que apavoravam o início do dia daqueles trabalhadores. E ao ser vista por eles, Paulinha foi motivo de chacota entre os quatro, pelo rostinho de anjo, pelo porte pequeno, pela aparência frágil. Eles riam e diziam: - essa boneca a gente mata no beijo! E Paulinha, aproveitando a distração e a ausência de passageiros na parte da frente do ônibus, deu três tiros certeiros, mas quando ia disparar o quarto, percebeu que o último bandido estava com o revólver engatilhado na cabeça do motorista do ônibus.

Paulinha parou, respirou e pediu que ele abaixasse a arma para que eles pudessem conversar sobre uma possível negociação. Ele, por sua vez, exigiu que ela também abaixasse a arma dela, na mesma hora em que ele fizesse. Paulinha concordou e assim fizeram. Porém o bandido, quando viu que a policial abaixou a arma, disparou o gatilho, acertando-a no rosto. Um filme da vida inteira passou pela cabeça da menina heroína, e num impulso quase que involuntário, ela pegou sua arma de volta e atirou contra ele. Atirou bem no peito, certeiro e fatal.

Depois disso, ao ter a certeza de que havia salvado o dia, Paula fechou os olhos e esboçou um sorriso, manchado pelo seu sangue, manchado pela sua vida, que lhe escapava como a um passarinho que via a gaiola aberta. Paulinha sentiu o ar fugir de seus pulmões como a água que insiste em correr pela fresta de uma imensa rocha. Percebeu o apagar do dia, como se a noite chegasse fora de hora para cobrir-lhe os olhos...

... uma semana já passada do incidente na linha 227, uma solenidade foi organizada pelos membros do Batalhão da PM para homenagear a jovem policial que impediu que um ônibus inteiro fosse atingido pela frieza de quatro bandidos. A tão precoce promoção de um soldado da PM era algo nunca visto ali naquela capital. Paulinha seria a primeira a receber tal honra. E na hora do anúncio, dona Joana, emocionada demais para conseguir sequer andar, não conseguiu receber a medalha que sua Paulinha não teria o prazer de carregar ao peito, pois deu a vida para merecê-la!

Mi Guerra
Enviado por Mi Guerra em 15/08/2011
Reeditado em 16/08/2011
Código do texto: T3162302