A presa

Enxerguei uma saída pela fresta. A parede trincada me mostrava que já era dia. Tudo escuro. Apenas uma tentativa... Apurei meus ouvidos para ver se havia mais alguém do outro lado. Nada. Sim eu poderia tentar. Fui cavoucando lentamente, sem muita esperança... boca seca e uma vontade imensa de beber alguma coisa. Mas não tinha nada. Me agarrei àquela pequena claridade como se fosse minha última chance.Meus dedos foram ganhando força e mesmo quebrando unha a unha fui tirando um pouco daquela parede que me tirava a liberdade.Passaram-se horas e eu naquele exercício de cavoucar.Levei um susto ao escutar um barulho do lado de fora.Eram eles.Ou seria um deles?Às vezes aparecia só um. Tornei a tentar escutar mais do que me era permitido naquele momento. Mas meu coração batia loucamente e parecia que eu iria morrer de tanto medo. Escutei barulhos, mas ninguém abriu a porta. Tornei a cavoucar a terra desta vez com mais cuidado pra não ter barulho. Minha boca seca, minha vontade de urinar...

... Tive a ideia de fazer xixi naquela parede pra terra ficar mais mole. Cheguei até o tijolo. Deu pra sentir. Então comecei a empurrar o tijolo com os pés. Fiquei remexendo freneticamente até que um pedaço se rompeu e apareceu boa parte do lado de fora. Sim era dia. Então pude ver o lado de fora. Coloquei meu braço pra fora e dei com uma pedra do tamanho de um punho fechado. Tornei a tentar escutar barulhos do lado de dentro - se tinha alguém, estava dormindo. Vi que eu estava em um lote cheio de mato e que era grande. Dali também percebi que tinham casas de frente... Com a pedra nas mãos comecei a quebrar o tijolo, as pontinhas... Aos poucos. Se alguém abrisse a porta eu estaria perdida. Então apressei o ofício até que o espaço fosse suficiente para minha fuga. Mal pude acreditar quando finalmente decidi que o buraco era bom o bastante. Enfiei primeiro a cabeça pra fora, depois fui arrastando o corpo. Estava entalada e no desespero impulsionei meu corpo pra fora de qualquer jeito ralando as costas, os seios e os joelhos. Enfim, corri me embreando no mato com medo de olhar para trás e ver um deles. O terreno tinha parte do muro quebrado então passei por ele. Dei de cara com crianças que brincavam de bola. Eles se assustaram com minha aparição súbita, estava muito suja e ferida. Eu só disse a eles "Corram que eu estava presa naquela casa, lá só tem bandido". Correram todos menos um de uns sete anos que me afirmou ser aquela casa de seu pai. Enquanto o menino corria rumo ao meu cativeiro eu corri no meio da rua chorando e gritando pra não deixar eles me pegarem. Dei de cara com um senhor de idade que me disse "Calma... eu vou te levar pra casa". Ele me levou pra uma mercearia e ligou. A polícia chegou em uns 15 minutos nem sei. Tinha muita gente ao meu redor e uma mulher me dando água, outra tentando me limpar. De onde estava, já nas mãos da polícia, ouvi tiros e soube depois que morreu o pai daquele menino.

Marcela Cristiane
Enviado por Marcela Cristiane em 13/02/2013
Reeditado em 20/07/2013
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