MORANGOS VERMELHOS

A cor da paixão. Vivo. Intenso. A personificação dos desejos. A vivacidade do pecado. Vermelho como os lábios de Alice. Doce como seus beijos. Uma tentação em vermelho. Sim, ele tinha certeza que os morangos que presenteava suas incautas possuíam o poder da sedução, da malícia, do sexo. Não raro foram as vezes que antes das madrugadas orgásticas, tudo se iniciava com o simples partilhar da fruta.

Não há como não se seduzir pelos morangos. Nossa! Tão vermelhos! Tão belos! Uma lembrança viva da paixão. Do tesão. Do pecado! Mesmos inertes em uma bandeja, sobre a mesa, numa taça com chantili, eles tiram a atenção, chamam os olhares para si. O desejo de consumir, de tê-los na boca, frágeis, doces, suculentos. Morangos, vermelhos, cheirosos, traduziam naquele homem a exemplificação do pecado, da tentação, tão qual aos lábios carnudos de suas amantes, dos beijos úmidos, do desejo de possuí-las.

Quem poderia convencê-lo ao contrário. Mostrar-lhe que talvez, morangos não possuíssem tais poderes. Para ele tudo estava claro, tão alvo quanto aspirina. Foram os morangos, os responsáveis pela perdição da humanidade. Quem em sã consciência se seduziria por uma maçã. Uma fruta áspera, sem sabor, sem aroma. Totalmente insípida e inodora. Os morangos, pelo contrário, vermelhos, quentes, sedutores. Saía do quarto e lá jazia um corpo inerte, asfixiado, nu, somente com um morango para ornamentá-lo.

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A Inspetora Letícia estava assumindo um risco muito alto ao aceitar tal proposta. Recém chegada á Delegacia da mulher queria mostrar trabalho. E para isso se jogava ás ruas atrás do assassino dos morangos.

O sujeito era um cara metódico, dava um fim a suas vítimas de maneira clônica. Sem diferença alguma. Simplesmente deixava-as jogadas sobre camas de motéis. Nuas, asfixiadas. A soma chegava a quatro mulheres vitimadas pelo “homem dos morangos”. Todas eram jovens, regulando entre vinte e dois e trinta anos. Universitárias, que durante o dia trabalhavam no centro. Normalmente morriam em meio de semana, quase sempre quinta-feira.

Letícia naquela tarde visitara três faculdades, locais onde estudavam as vítimas. Todas com um círculo de amizade variado e amplo, o que dificultava a investigação. Qualquer um daquele local poderia ser suspeito, e isto a deixava muito nervosa. Quatro mulheres totalmente desconhecidas, mortas da mesma maneira, a linha de raciocínio a se tomar a investigação eram obscuras. Era a terceira vez que ela visitava a Faculdade, inclusive, foi onde ela se formou em Direito antes de se tornar Inspetora. Também tinha amigos que continuavam estudando por lá. Uma destas, era Ana Claudia, que lhe fez um convite – Lê. Vamos a um novo barzinho que abriu na Goethe. O pessoal está indo pra lá.

Havia sido mais um dia cansativo, e Letícia achou que a idéia de espairecer seria uma boa, já que seus neurônios ainda não haviam conseguido juntar as peças do quebra-cabeça. Papo vai, papo vem e Ana comentava que o dono do bar era um gato. Havia se mudado para Porto Alegre há uns dois meses. Segundo ela tinha muita menina que ia ao bar apenas para ver o Evandro, Barman de um e setenta de altura, corpo malhado e estonteantes olhos azuis. A descrição feita por Ana Claudia estava deixando Letícia bem interessada.

O bar não era muito grande, mas estava lotado. No balcão o tal rapaz que Ana havia Falado. Letícia fitou-o, uma, duas, vezes para se certificar da beleza do jovem. Sua amiga não havia exagerado. E realmente muitas universitárias passavam por ali. Não tinha como não ligar seu pensamento ao trabalho. Quem sabe? Pensou a Inspetora.

A bebida ainda não havia acabado no copo, e o celular de Ana Claudia resolveu tocar. Com um sorriso no rosto ela atendeu, buscando falar baixo para não chamar a atenção. – Amiga, vou ter que sair. Tenho um encontro. Disse a Jovem a sua convidada, a Inspetora Letícia. Porém a policial decidiu ficar mais um pouco no bar, seu faro policial dizia que ali podia estar alguma ligação com o “homem dos morangos”.

Decidida, levantou seu corpo coberto por uma justa saia preta, e se dirigiu até o balcão do bar. A inspetora era uma mulher de fazer os homens perder o sentido. Cabelos loiros, escorridos até os ombros, num corpo de quase um e oitenta, cintura delineada, seios, que embora não fossem fartos chamavam a atenção de qualquer macho. Sentou-se na banqueta e pediu mais uma batida ao barman. Ele logo se interessou pela Inspetora, percebeu nela algo mais que simples estudantes. – Boa tarde. Pois não, já vou preparar. Uma mulher como você não é comum por aqui? Perguntou ele se dirigindo à Policial. – Porque não? Retrucou, ela. – Oras! Olhe em sua volta, só tem “dondocas” das faculdades. Um monte de cabeça vazia. E você não se parece em nada com elas. Foi o início para uma bela conversa que se estendeu até a entrada da noite.

Letícia descobriu que o nome do rapaz era Evandro, um carioca de vinte e três anos que há dois meses se mudará com os pais para Porto Alegre. Eram um casal de professores disse ele. O jovem trabalhava para sustentar o resto de seus estudos, que fazia pela manhã, em uma Faculdade onde fora morta uma das universitárias atacadas pelo homem do morango. Ao saber disso um sinal vermelho piscou na cabeça da inspetora.

Eram umas oito horas da noite quando saiu do bar. Seguiu direto para a Delegacia. Obstinada por trabalho acreditava ter um fator novo, e entraria a madrugada pesquisando se fosse necessário. E foi o que realmente aconteceu, saiu da frente do computador quase três horas da madrugada. Tinha que corre até o Fórum para obter um mandado de prisão.

As olheiras indicavam a difícil noite que passará. Sem dormir, Letícia se mantinha acordada graças ao café com coca-cola. Saiu do Fórum quase oito da manhã. Quando descia a escadaria seu celular tocou. Era o chefe de polícia com mais uma notícia de ataque do assassino dos morangos. Entrou em seu carro e seguiu direto ao Motel Bella Noche. Chegando ao quarto 13 encontrou um corpo conhecido.

Como em todos os outros casos uma mulher, de ventre para cima. Nua, com sinais de ter praticado sexo, porém sem ser abusada, nem com esperma, sinal de que as meninas passavam a noite com o assassino por opção, e que ele usava preservativo, o que tornava o caso mais interessante. E como pista somente um morango, sobre o corpo morto por asfixia, cometida pelas próprias mãos do assassino. Porém daquela vez era diferente, quem jazia sobre a cama era Ana Claudia, amiga de Letícia, que no dia anterior haviam ido juntas ao bar. – Droga! Disse a policial, que logo se recompôs da perda e reuniu um grupo para ir até a faculdade pegar o assassino. Muitos não entenderam, mas a seguiram.

Chegando á Faculdade a Inspetora Letícia acompanhada de mais dois policiais, seguiram até a sala 514 da aula de história. Ela tinha em mãos um Mandado de Prisão contra Professor Ernesto Oliveira. Professor Oliveira, como todos lhe conheciam.

Quando chegou ao bar junto com Ana Claudia, Letícia sentiu seu faro dizendo que podia estar ali a ligação dos crimes, afinal, era um ponto muito freqüentado pelas universitárias. Além disto, o barman Evandro era um jovem charmoso, que talvez... Bem ela não queria se precipitar. Mas quando Ana acabou saindo para seu encontro, e ela se sentou no balcão e começou a conversar com o rapaz, descobriu que ele não era de Porto Alegre, um recém chegado, e que por coincidência as mortes passaram a ocorrer depois de sua chegada na cidade. Outro fator interessante foi sua repulsa por universitárias. “Meninas vazias”, dizia ele. Ela saiu do local pela primeira vez com um suspeito.

Pesquisando no sistema, descobriu três crimes semelhantes no Rio de Janeiro, cidade de onde viera o rapaz. Sua conclusão estava quase pronta, mas ainda havia alguns fatores que não estavam esclarecidos. Primeiro era saber por que maldição o assassino deixava os morangos sobre os corpos das vítimas. Outro, é que apesar de ter um corpo bem definido, o jovem não demonstrava ter força suficiente para asfixiar as jovens com as mãos. E ainda, se ele estudava pela manhã, e trabalhava por boa parte da noite, em que tempo iria cometer os homicídios. Talvez em dias de folga, pensou a investigadora.

Mesmo com o jovem sob suspeita ela não estava convencida o suficiente, decidiu pesquisar no google sobre morangos, eles eram a ligação, a chave. Foi por causa deles que chegou ao Professor Oliveira. Acabou Descobrindo pequenas matérias em jornais sensacionalistas sobre suas estranhas teorias, entre elas a que os morangos foram as frutas da perdição e não a maçã. Inclusive tentou utilizar este trabalho como tese de Doutorado. Ainda haviam outras teorias mais bizarras, mas era esta a que interessava à Inspetora, que iniciou um breve pesquisa sobre o tal professor. Um homem beirando os cinqüenta anos, professor universitário, Carioca, e o mais interessante, há pouco se mudara para Porto Alegre. Logo Letícia descobriu ser ele o pai de Evandro.

Então tudo começou a fazer sentido, um professor que dava aulas de história em cinco faculdades, e que em quatro delas haviam sido mortas alunas, e que principalmente um fator que não tinha chamado a atenção da polícia, todas as vítimas faziam a cadeira de história com o Professor Oliveira, só que instituições diferentes, o que despistava as ligações entre as vítimas. Sem dúvida alguma o fato fez Letícia se munir com as provas e pedir o mandado de Prisão contra Oliveira, o que inclusive chegou tarde, não evitando mais uma morte.

O professor Oliveira sempre fora um homem atento, e sua janela dava em direção ao pátio, o que possibilitou a vista da chegada dos policiais. Prevendo ter sido descoberto, simulou uma ida até o bebedouro do corredor, para então tentar ir até seu carro. Quando viu sua Tentativa de fuga a Inspetora Letícia Gritou voz de prisão, sacando seu trinta e oito do “colt”. O homem saiu em disparada, sempre seguido pelas forças da lei. Esbaforido de cansado o assassino chegou até o seu carro, com as mãos tremendo ligou-o, e partiu cantando os pneus.

A perseguição se deu por vários minutos, o carro da polícia com a sirene ligada costurava em meio ao trânsito caótico. Por vários momentos parecia que um acidente seria inevitável. Desfilando por Avenidas Letícia ia ao volante sem perder de vista o fugitivo. Oliveira se sentia coagido, encurralado, sabia de seus atos, de seus crimes. Talvez sempre quisesse ser descoberto, provar ao mundo que estava certo, que os morangos eram de fato o fruto proibido, já que cada menina que matara fora seduzida por morangos, sim ele adorava as presentear com morangos, e elas sempre caíam em sua teia, sempre os morangos... Mesmo sabendo que um dia seria descoberto, não queria ser preso, isso não, e assim fugia, levando seu carro a mais de cem por hora pelas ruas da capital.

Porém seu destino estava traçado, no sétimo sinal vermelho que atravessou seu carro foi abalroado por outro, fazendo seu veículo capotar em plena Avenida Ipiranga. Seu corpo foi jogado para fora do veículo ainda em tempo de ser colhido por um coletivo. Uma morte trágica sem dúvida. Letícia olhava para o cenário macabro ainda em estado de choque. Carros batidos, um corpo disforme, um assassino morto, um ônibus coberto pelo vermelho do sangue, e o asfalto negro coberto pelo vermelho, de dezenas de morangos que caíram do carro do Professor Oliveira.

Em meio a toda aquela agitação, polícia, ambulâncias, e uma multidão de curiosos, Letícia dava as costas ao cenário horrendo daquela manhã, seu trabalho havia sido cumprido, o assassino não voltaria a atacar, podia ir para casa, iria tirar a tarde para descansar, talvez dormir um pouco, carregava consigo apenas uma certeza: por um bom tempo não comeria morangos.

Douglas Eralldo
Enviado por Douglas Eralldo em 16/04/2007
Código do texto: T451950
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