Nunca mexa com Talamaur

"Monstro, monstro

Eu não agüento mais esse inferno

Fera se foi

Alguma coisa tem que ser dada

Monstro, monstro

Vai te atirar pela porta

Eu morrerei e outro deve sobreviver"

 

Monster monster - Lordi

 

 

1

Cabo Montgomery

 

-Alfa dois, QAP?

-QAP. Prossiga.

-QTH por favor.

-Estou no interior do bando de sangue da clinica. Até agora nenhum sinal do elemento.

-Positivo. Qualquer novidade, estamos aqui na cobertura.

Isso não podia estar acontecendo. Há duas semanas, estava sendo condecorado diretamente pelo príncipe Andrew como cabo e responsável pela adaptação de novos agentes da Monarquia. Sempre fui eficaz em todas as missões que me foram designadas. Pra ser sincero, minha intuição dizia que havia alguma coisa errada com esta missão. Em nosso mundo vampírico, você encontra sanguessugas de todos os tipos, mas predadores dessa raça me davam medo. Nunca gostei de brincar com vampiros Talamaur, principalmente esse. Um Talamaur que entra em um banco de sangue e faz esse estrago só poderia estar perto do seu frenesi. Eu só queria que tudo isso fosse um alarme falso e ele já tivesse ido embora. A mistura dos cheiros fortes de sangue humano e o odor Talamaur me causavam uma confusão sensorial.

-Você está bem, senhor?

Olhei para trás e vi os outros três agentes que me acompanhavam.

-O senhor não parece bem. Está transformado.

-Estou bem. Não se preocupem comigo.

Palmeei a besta com estacas prontas e preparadas para ele em várias direções, vendo o estrago que foi feito. Paredes com buracos em várias partes que pareciam ter sido feitos com enormes punhos, cadeiras quebradas e jogadas pelos cantos. Alguns passos mais a frente, o que sobrou do vigilante humano que cuidava do lugar. Aquilo não se tratava apenas de alimentação. Mesmo para um Talamaur, era bagunça demais. Aquilo era fúria, com certeza. E isso tornava a missão muito mais perigosa. Me distraí por alguns momentos, mas me recompus com o breve som de espanto de um dos meus agentes. Olhei para frente. Do outro lado de uma enorme janela de vidro, estava ele. Realmente aquilo me deu um frio por dentro. Ele não era um simples vampiro. Era mais do que isso. Aqueles enormes olhos ermelhos reluziam como brasas na escuridão. Era um homem alto, com uma estrutura muscular espantosa. Seus cabelos loiros em um corte moicano era o que o fazia parecer um pouco humano.

-Brian Hamilton Yvon, o senhor está preso pelas leis da monarquia de Abalônia. Sob acusação da quebra do disfarce, que assegura a convivência entre homens e vampiros.

 

Nessa hora, ele abriu a boca para gritar, exibindo suas presas. Mais uma surpresa; era como se nós fossemos predadores normais e ele fosse uma versão dente de sabre primitiva de nós. Com fúria, ele socou os vidros, fazendo os cacos se espalharem pelo ar. Seu grito nos ensurdecia. Fechei os olhos e cai sentado ao chão, atirando estacas feito um louco. Mas, quando abri os olhos, ele não estava mais lá. Peguei o rádio e tentei me comunicar várias vezes sem sucesso. Os outros deviam estar mortos.

-Homens, vamos bater em retirada!

Retornamos, então, em direção a porta em que entramos. Era impossível sairmos. Ele já estava lá em pé e nos encarando. Seu semblante era rude e fechado. Não perdemos tempo em atirar contra ele com todas as estacas que tínhamos. Elas nem sequer o perfuravam. Batiam contra seu corpo e caiam ao chão. Pela primeira vez em minha não-vida sentia ódio da Monarquia. Por que não me enviaram para essa missão com as armas certas? Ele se apressava em nossa direção e nós recuávamos.

-Senhor, senhor! O elevador, senhor!

Olhei para trás e um dos meus homens fazia sinal para que escapássemos pelo elevador. Era nossa única fuga no momento.

-Rápido, homens. Vamos rápido.

Corremos para dentro do elevador. Eu estava nervoso, agoniado com a lentidão com que as portas se fechavam enquanto Brian se aproximava de nós cada vez mais rápido. Pude ver seu punho se erguer quando começou a correr. As portas se fecharam completamente e logo depois um enorme estrondo e as portas se amassaram com a força do seu punho. O elevador começou a subir. Isso nos dava um pouco de tranqüilidade. Mas, depois de alguns instantes, voltou a parar bruscamente.

-O que está acontecendo?!

-Não sei. Talvez os cabos estejam comprometidos.

Nesse instante, nos afastamos ao mesmo tempo do centro do elevador, olhando para o chão. O metal começava a se amassar e duas mãos surgiram afastando os pedaços. Ele queria nos alcançar. Desviando dos seus braços que começavam a se erguer abrindo mais espaço, nos esforçamos para abrir as portas amassadas. Logo que conseguimos, pulamos para fora, pois o elevador estava desnivelado, acima do chão. Olhei para trás vendo o agente Clayton descer ao mesmo tempo que os braços de Brian desapareciam. Com um puxão forte, o agente foi agarrado pela perna. Tentamos segurá-lo para livrá-lo daquela mão forte. de repente, um enorme estalo. A perna do agente Clayton foi quebrada. Depois disso, Brian desapareceu e o elevador despencou como se os cabos de sustentação tivessem arrebentado. Éramos quatro e um estava ferido. Precisávamos parar. Pelo menos até a regeneração da perna do agente Clayton, coisa que não ia ser rápido.

-Senhor, aqui perto só temos a sala de raios-X à disposição. É o mais seguro que possuímos no momento. –a agente Eileen nos indicava apontando para a sala ao final do corredor.

Pus o braço deClayton sobre meus ombros e o carreguei até a sala indicada. Do lado de dentro, o pus sentado com as costas na parede. Nós estávamos abaixados aguardando que aquele louco se entretece com outra coisa e nos deixasse em paz. Permanecemos em silencio. A essa altura, todos os homens estavam transformados mesmo contra a vontade. Os olhos atentos na porta. Os olhos azuis da transformação que eu tanto me orgulhava de ter naquele momento não serviam de nada. Se eu pudesse, arrancaria as presas da minha boca e voltava à vida mortal. Tudo para não estar sentindo o que estava sentindo. Momentos de apreensão se passaram, até que passos pesados começaram a se aproximar. O vidro da sala era denso o suficiente para dificultar a visão de um vampiro e estava na mais completa escuridão. Mas, nós podíamos vê-lo. Sob a luz do corredor que não parava de piscar, nos mostrava uma silhueta em perfil. Nós acreditávamos que ele não estava nos vendo. Mas, parou bem ali e ficou sem se mover por alguns segundos. Então, ergueu o rosto e pareceu cheirar o ar como um predador querendo farejar sua caça. Pensamos que o cheiro de vampiro por toda parte desviava nosso rastro. E, pelo visto, estávamos certos. Ele voltou a caminhar e desapareceu do nosso campo de visão.

Ficamos aliviados, mas não durou muito. Fomos surpreendidos por um estrondo que nos fez olhar para trás. Vimos a parede quebrada e uma mão que envolvia o pescoço do agente Clayton. Os Talamaur não possuíam garras como nós, mas o que faziam com as mãos era pior do que qualquer tipo de garra. Ele poderia ter puxado o agente para ele com facilidade, mas preferiu chocar várias vezes as costas dele contra a parede só para que escutássemos seus gritos e víssemos seu sangue jorrar. Depois daquela tormenta, ele foi puxado para o outro lado da parede. Mais um doloroso grito surgiu. Sabíamos que não veríamos mais o agente Clayton.

Saímos da sala correndo e nos apressamos pelo corredor. Eu era o primeiro e, quando olhei para trás, tentei avisar o agente Garneth, mas era tarde. Brian o alcançou e o suspendeu pelo pescoço, arrastando suas costas na parede. Eileen se pôs em posição de ataque mostrando as garras e presas. ela ia pular sobre ele. Pus a mão em seu peito para evitá-la. Ela me olhou enfurecida. Com certeza não entendia o porquê não a deixei enfrentá-lo. Ao olhar novamente para frente, a sua expressão de espanto com certeza deu a resposta. O agente Garneth se debatia e Brian retirava a mão de dentro de seu abdômen. Trazia um órgão em suas mãos. Não era possível. Aquilo era... Era o coração dele. Olhei para o lado. Lá havia uma maca. Ele olhou para mim; já sabia o que estava pensando. Esboçou um sorriso em seu rosto, jogou o agente e seu coração no chão. Me apressei e empurrei a maca contra ele. Eu sabia que ele estava brincando, sabia que estava deixando acontecer. Ele se chocou contra a vidraça da janela e caiu lá em baixo do lado de fora da clinica. Quando olhei para baixo para ver seu corpo, mais uma surpresa. Não havia nada lá.

Voltando até onde o agente Garneth estava, vi a agente Eileen aproximando-se dele com o coração nas mãos. Ele estava em letargia, mas eu sabia que era temporário. A ajudei, abrindo a blusa dele. Ela pôs o coração sobre o ferimento, que foi atraído para dentro do corpo logo em seguida. Ele acordou da letargia com um susto, pondo a mão sobre as costelas. Ainda estava muito fraco e ferido.

-O que estão fazendo aqui...? Vocês precisam ir. Alguém precisa chegar à monarquia e trazer reforço.

-Não vamos sem você.

-Eu posso me virar, senhor. Mas, se nós três ficarmos aqui, vamos morrer juntos. Eu me regenero e alcanço vocês daqui a pouco.

Nos despedimos e corremos para as escadas.

 

2

Agente Garneth

 

A dor ainda estava forte. Mal tive forças para me sentar. Os ferimentos se regeneraram, mas a perda de sangue me enfraqueceu muito e estava me esforçando para não entrar em letargia novamente. Tudo estava silencioso demais, era estranho. Será que aquele sádico foi embora? Talvez tenha se cansado de nos usar como marionetes. Meus olhos estavam se fechando quando ouvi vidros se estalando no chão. Olhei. Brian havia pulado de volta pela janela e me encarava com um meio sorriso. Em suas mãos, um pedaço de madeira com a ponta em brasa. Cuspi o sangue que escorria em meus lábios e perguntei:

-por que você não vai à merda?

3

Cabo Montgomery

Descíamos as escadas apressados. Eu lamentava por ter deixado o agente Garneth para trás, mas ele estava certo. Se chegássemos pelo menos em um telefone publico, eu poderia ligar para o coronel e pedir reforço dos agentes de elite. Essa seria a única forma de acabar com o Brian. Em minha frente a agente Eileen chorava enquanto corria. Era sua primeira missão e eu não poderia deixar que fosse a única. Ainda no meio do caminho, ouvimos um grito. Eu tinha certeza que jamais tornaria a ver o agente Garneth. Ela parou e olhou para mim.

-Não podemos voltar. –falei- É tarde demais.

Sem responder, ela continuou. Descemos até o estacionamento e corremos até um carro próximo. Logo que entramos, fiz uma ligação direta e dei a partida. Mais a frente, o portão automático se levantava. Ao invés de nos revelar a liberdade, o que vimos foi Brian parado. Acelerei. Ele não poderia ficar em nosso caminho. Mas, como um louco, ele correu em nossa direção. Chegando perto, virou e bateu o ombro com força contra a dianteira do carro, fazendo-o girar no ar por cima dele e cair do outro lado, um pouco mais próximo do portão. Minha visão estava turva devido as pancadas que meu corpo recebeu. Saí rastejando e, do lado de fora, me lembrei da agente Eileen. Ela estava chorando, totalmente ensangüentada e presa nas ferragens. E esse não era todo perigo. O combustível começava a vazar. Estiquei a mão para ela e disse:

-Vamos! Vamos embora! Vem comigo!

-Droga! Não dá! –ela chorava tentando arrancar um pedaço de ferro preso em seu ombro- Não dá! Vai embora! Sai daqui!

Só deu tempo de pegar uma distância do carro para vê-lo explodir. Brian já não estava mais lá. Deveria ter retornado para dentro da clinica. O impacto da explosão havia me lançado alguns metros à frente, do outro lado da rua. Não tinha mais força. Meus olhos se fecharam.

“Sinto meu corpo sendo arrastado. Alguma coisa segurando minha perna. Abro os olhos assustado. Brian me puxa por uma das pernas. Posso ver a enorme tatuagem com o símbolo de anarquia em suas costas. Eu tento gritar algumas vezes, mas a fraqueza persiste. O que será que aquele desgraçado vai fazer? Olho para frente e gelo. Vejo uma fogueira e sei que está preparada para mim. parando em frente às chamas, ele me ergue, olha no fundo dos meus olhos. Já não está mais transformado e seu semblante é tranqüilo. E, dessa forma, ele me lança em meio as chamas. Fica de cócoras olhando fixamente para mim, enquanto as chamas se erguem sobre meu corpo, começando a consumir minha carne. Eu já não posso abrir meus olhos, pois estão colados e sinto-os como se fritassem lentamente. Minha pele se solta com estalos secos, os músculos se contraem. Sei que é o fim, mas os segundos se arrastam. Meus cabelos estão colados à pele, aumentando ainda mais a dor. Agora, o fogo alcança meus órgãos, pois a carne já é quase pó. Minhas narinas também são invadidas e começo a ser consumido por dentro. Eu não agüento mais. Não sabia que poderia sobreviver a tanto. Com um ultimo espasmo, sinto-me esvaindo.”

 

Fim

Aureus Mortem
Enviado por Aureus Mortem em 15/05/2014
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