LIVROS E TIROS (Capítulo sétimo)

O plano ia bem. Raul conseguiu convencer sua chefe e o livro chamado "Tiros e Livros" era bem divulgado nas redes sociais e até mesmo em um jornal da cidade. Todos comentavam sobre aquele que desafiava o assassino, pois, de certa forma, o livro era sobre o próprio criminoso. Contava a história de um grupo que se auto intitulava como justiceiros literários. Ameaçavam de morte os autores que achavam medíocres, caso eles não parassem de escrever. Cumpriam as ameaças. Profanavam túmulos de grandes escritores por todo mundo e ganharam grandes seguidores. Tudo ia bem até acontecer o óbvio. A bomba foi o surgimento de divergências literárias no grupo. Em suma, a história acabava com o grupo se matando numa grande cena de ação dentro de uma biblioteca pública.

Subitamente os roubos dos livros pararam, bem como os assassinatos. Aparentemente isto era bom, eles deviam ter conseguido chamar a atenção do assassino. Talvez ele estar estudando todos os passos de Notório.

No dia em que o livro foi para a gráfica, Notório saiu para buscar alguns exemplares no final da tarde, um pouco antes da gráfica fechar. No caminho para casa tomou o caminho mais longo, passou pelos becos mais escuros, pelas praças mais desertas, enquanto Pedro e Raul o vigiavam sempre de longe. Chegou em casa e deixou a porta aberta. Após meia hora, nas quais esperavam impacientes do lado de fora, desanimados, os investigadores entraram. Sentaram-se na sala e Notório largou os livros sobre a mesa.

Não havia nada em comum no silêncio dos três. Enquanto Notório jazia desanimado na poltrona, Pedro não parava de caminhar, sua aparência era a de quem já tinha perdido a razão, e, Raul, por sua vez pensava em algo que só ele sabia.

O que falar em um momento destes? Uma pessoa sensata saberia que o silêncio é a única forma de respeitar o fracasso. Mas Pedro já não era mais o mesmo desde aquela vez em que fechara a geladeira ao olhar para o relógio e constatar que era tarde. Por isso, ou talvez por outra coisa, falou:

- Ele deve ter desconfiado de algo, é claro. Ou, quem sabe apenas não pode fazer isso hoje. Pode ter tido algum imprevisto, ou um compromisso, seilá...

- Calma, Pedro. Não é momento de perder a razão. Sente-se. Aposto que o Sr. Notório pode nos servir algo pra beber. Não é mesmo?

- Sim, claro - falou ele como que voltando de um transe. Levantou, foi pegar três copos e uma garrafa - os senhores queiram me desculpar, mas estou sem gelo.

- Quem é que precisa de gelo aqui? Passe a garrafa meu caro. Vou servir uma dose dupla para o meu amigo Pedro.

Servidas as doses e acendidos os cigarros oferecidos por Raul - um filtro vermelho de marca estranha - este pegou um exemplar de cima da mesa.

- Tiros e Livros, hein? A capa não deve fazer jus à obra. Peço desculpas, mas foi difícil arranjar a verba para a contratação de um profissional para isso.

- Não é tão feia - falou Pedro, pegando um exemplar em cima da mesa.

- Na verdade, eu ficaria envergonhado com uma boa capa - interpôs Notório.

- Que isso! Eu dei uma lida na história antes da impressão. Não é ruim não. Confesso que não faz meu gênero, pois trata tudo da perspectiva dos criminosos. Eu, obviamente, prefiro a minha perspectiva, apesar de já estar um pouco de saco cheio dela. De qualquer forma, prefiro histórias com um teor mais investigativos. Meu personagem preferido é o bom e velho Maigret. Mas também leio outros. Sou bem eclético ao iniciar as leituras, não digo o mesmo quando acabo. Uma coisa que me deixa frustrado é quando descobrimos que o assassino é alguém com pouca ou nenhuma relevância na história que lemos. Um mordomo, um porteiro, um primo distante de um personagem ou um ex namorada ciumenta. Então, o autor desenrola uma situação, uma explicação mais ou menos complexa pra justificar. Isso não cola rapazes. O assassino deve ser um personagem importante na história. Por exemplo. Se isto aqui fosse uma história, o assassino estaria aqui, nesta sala, bebendo em um destes três copos - bebeu um longo gole e continuou - Na verdade, em toda história que há mortes, há um assassino, e o assassino é sempre o autor.

Pedro e Notório se olharam, ambos com medo. Porém de coisas diferentes. Um deles sabia ou pensava saber qual era o medo do outro, mas o outro, sabia que se medo era diferente do colega de sala.

Bem, talvez meu trabalho influencie demais nas minhas leituras. Ainda bem que isto aqui não é a porra de uma história, não é mesmo? A verdade é que o assassino pode chegar a qualquer momento por aquela porta, matar mais um escritor, dois policiais que estão bebendo em serviço e depois até mesmo beber esta garrafa de whisky no gargalo, ou botar fogo na casa. De qualquer forma, não é um livro ruim - quando acabou o seu discurso também acabou sua bebida. Um sorriso tomava conta do seu rosto, mas não era um sorriso comum.

- Não sabia desse seu gosto por livros - falou, surpreso, Pedro.

- Bem, todo mundo tem seus segredos.

Serviram mais uma dose e o olhar de Raul tinha algo de estranho, algo de sombrio, mas o sorriso não fugia-lhe da face.

- Mas me diga, Sr Notório. Por que você não está contente com sua obra?

- Não sei. Talvez essa seja a maldição de todo escritor.

- Isso e o assassino que está a solta - observou Raul.

- Bem, tecnicamente um serial killer não é uma maldição.

- Cadê seu senso de humor, Pedro?

- Só estou falando... - e como que se estivesse se decidindo entre falar mais ou calar, tomou um gole da bebida enquanto olhava para os dois. Obviamente sua frase ficara no ar, pois ele tinham os olhos fixos em Pedro, que continuou - ...é isso que me incomoda nessas histórias de vocês. Se diz o que quer, se toma uma coisa por outra, e no final das contas, não se diz nada. Principalmente os poetas, são tão irritantes.

- Sei. Dá até vontade de matá-los né? falou Raul ainda rindo.

- Eu não falei isso! - Retrucou Pedro, irritado.

Notório, que estava tão absorto em seus pensamentos, não percebeu o desentendimento dos dois investigadores e falou, como se fosse a continuação de algo que estava elaborando na sua cabeça.

- ..digo, que é que tem a autoridade pra julgar as palavras alheias? É tão difícil ser crítico de si mesmo no presente. No futuro é mais fácil. Sempre fui um grande fã do que eu hipoteticamente poderia ser. Talvez em outro mundo. Talvez essa vida é que seja o problema. Quem sabe não somos apenas uma paródia de algo muito melhor que isso, um outro tipo de vida. Talvez uma vida realmente inteligente. Não acham?

- Eu acho que já é tarde e precisamos ir, não é Pedro?

Pedro se levantou sem responder, apertou a mão de Notório e saiu na frente. Raul olhou Notório nos olhos e ao apertar sua mão notou que estava suando.

- Você está bem, Sr Notório?

- Sim. Só um pouco cansado. Nada demais. Preciso dormir.

- Se cuide. A propósito, já lhe contei que conhecia seu avô? Frequentei muito sua casa. É estranho voltar aqui.

Raul fingiu não perceber o terror nos olhos de Notório e saiu sem dizer mais nada.

Lucas Esteves
Enviado por Lucas Esteves em 30/09/2014
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