Mistério na Rua da Escola. - Cap 1 – Um baile a moda antiga

Num delicioso baile amarelado, as folhas do cajazeiro voam diante mim que estou a observar a paisagem da janela da cozinha. Sinto que aqui começa um novo dia e uma nova era. Sei que tudo o que aconteceu para alguns pode ter sido uma aventura, para outros foi desespero e sufoco. Mas para mim foi um final de semana de férias longo e cansativo que eu espero sinceramente que não se repita. Ufa!!! Acho que meu coração não aguenta viver isto tudo de novo.

Lembro-me que tudo começou no grande baile da escola de Ensino Fundamental e Médio “Candida Oliveira Gomes” aqui de Vila Florida. A garotada estava animada e queria participar de todas as atividades do dia. Havia dança do chapéu. Dança da vassoura e até a dança do Gelo. Os mais velhos organizaram o baile a moda antiga e a gente não queria que eles se sentissem desprezados. Mas até foi divertido. Paulo tirou Luíza, Eu tirei o Jairo, Alex tirou Elisa e a Diana tirou o Éverton. Nós éramos os mais animados da escola e os Nerds da escola também. Agora, diante dos mais velhos não queríamos fazer feio. Eu topei fazer tudo como manda o figurino e a galera toda topou também. A regra inicial era que as coisas fossem feitas de maneira a provar pra nós, que dava pra se divertir sem sair da linha com bebidas, drogas, sexo ou cigarros. Ninguém podia fazer nada disso. Seria um terror para os viciados, mas diante da promessa de ajudá-los nos estudos, toparam também. Incentivamos a galera a formar os pares. As roupas seriam a moda antiga, estilo anos 50 e bebidas também. O refrigerante mais tomado foi um refrigerante chamado Beijinho que fez o maior sucesso. Nem sei de onde saiu mas eles conseguiram reproduzir. Mas o melhor era que o HIFI era sem álcool. Mas mesmo assim todo mundo tomou suco de laranja a vontade. Os namoros não poderiam passar de beijos e amassos eram controlados. Foi muito engraçado!

Os mais tarados ficaram a dever no quesito comportamento e foram castigados com o tal Cantinho do Pensamente. Mico!!! A risada era geral. Por isso a festa foi até muito boa. O Pessoal dançou muito ao som de Celi Campelo, Elvis Presley e muitos outros sons legais que eles nem conheciam. Dançar de rosto colado foi a sensação da noite.

Quem começou foi a professora de Educação Física, a Bianca. Ela dançou com um servente da escola que era um tipão. A diretora e a patota dela não sabiam mais dançar com a música de hoje em dia e por isso todos nós nunca os tínhamos visto dançarem até aquele dia. Quico ficou abismado com a destreza da mãe dançando Twist a moda Chubby Checker . E o famoso rock'n'roll, amamos ver todos eles dançando. E dançamos com eles e até melhor do que eles. Nunca nos divertimos tanto. O baile terminou altas horas da madrugada e fomos os últimos a sair da escola pois os mais velhos se cansaram logo e não tinham tanto pique pra arrumação. A escola teria aula normal na 2ª feira e por isso queríamos descansar bem depois e arrumamos tudo pra não ter que voltar lá antes.

Quanto estávamos terminando a arrumação da escola, ouvimos um estrondo muito alto que vinha da rua. Corri primeiro e avistei um moleque que corria muito em sentido a prefeitura. Na frente da escola estavam os destroços do que fora um dia o fusquinha do professor Maurão. Ficamos muito tristes e assustados com a possibilidade dele estar dentro do carro. Mas onde estava o professor?

Em nenhum lugar o encontrávamos. A polícia foi chamada pela diretora que dormira sentada no palco e acordara assustada com o barulho da explosão. Ficamos parados a esperar pela polícia diante da cena. Logo a frente da escola estava cheia de gente. Eram cinco horas manhã e o povo que não estava acordado acordou, quem estava acordado partiu pra lá imediatamente. Ninguém tomou ciência de nada até a gente começar a procurar pelo professor entre aquele povo. As vezes o Maurão bebia demais e esquecia até o fusquinha. Quem sabe não tinha sido este o caso. Mas alguém argumentou que ninguém ficara bêbado na festa. Não havia álcool. A polícia nos interrogou porque estávamos por ali na hora mas nada sabíamos.

Eu e as meninas ficamos muito abaladas e precisamos de socorro médico. Os meninos foram nota dez. Ainda bem que não estavam bêbados.

Mandaram que fôssemos pra casa e descansássemos mas não consegui pregar o olho o resto do dia. O barulho dos carros, a sirene da polícia e o sol brilhando não contribuíram. A lembrança de Maurão vinha a minha mente o tempo todo. Quem poria uma bomba no seu companheiro de cachaça. Sim o fusquinha a álcool, o primeiro que ele mesmo adaptou. Bebia mais álcool que ele.

Estava fazendo muito frio e certamente ele teria dado muito trabalho pra pegar. Maurão não se desfazia dele. Preferia ir a pé quando o Fusquinha não pegava e ele estava atrasado. Aliás ele só andava atrasado. Era uma figura o professor Maurão. Ministrava aulas de Física e tinha sempre uma piadinha pra falar do assunto do dia. Ninguém adivinharia que além de ser professor de Física, ele era também Nutricionista. Já pensaram num Nutricionista de 1,95Cm de altura e cento e cinquenta quilos? Pois é, esse era o Maurão. Um cara que se intitulava "da pesada" e tinha muito senso de humor. Chorei ao lembrar dele...

Pedi encarecidamente a Deus que fizesse um milagre e nos devolvesse o Maurão.

O domingo amanheceu lindo. Todos os domingos íamos pra cascata e lá fazíamos a maior orgia. Era sexo e drogas e farra geral de bebidas e muito pouca comida. A garotada a qualquer pretexto estava lá. A cascata é uma cachoeira linda que foi recuperada há pouco tempo. Antes fazia desgosto de vê-la. A água secando e a lagoa ao pé da cachoeira não passava de um lamaçal. Naquele domingo lindo, ninguém saiu pra cachoeira. A estrada ficava em frente da minha casa e por isso notei que não passara ninguém. Nenhum carro buzinando, nenhuma pessoa a pé, nada de orgias e farras. A princípio pensei que fora por causa do fusquinha do Maurão, mas depois fiquei sabendo por alguns alunos, que resolveram mudar de vida após a festa da escola. Começaram a se comportar de maneira diferente. Diferente até demais. Paulo que era o mais bagunceiro resolveu que era a hora de se comportar para seus pais terem orgulho dele. A Luíza como era sua namorada, ficou com ele e parou de ser fácil. Decidiu que não queria mais sexo antes do casamento. Eu e Jairo sempre fomos mais comedidos e concordamos com a atitude dela. Alex decidiu ser mais discreto em suas relações e a não expor sua namorada. Ela por sua vez adorou e passou a fazer comentários sobre isso pra todas as amigas. Diana e Éverton não estavam inclusos nas orgias. Eram de uma religião que não permitiam os abusos. O Maurão também era da mesma religião que eles.

A tarde a polícia técnica já havia concluído a coleta de restos do fusquinha do Maurão. E o incrível era que ele não estava no Fusca. Se estava deveria ter sido lançado muito longe com a explosão, pois nada havia de restos humanos dentro do carro.

Mas o impasse continuava. Maurão não estava em casa e não era encontrado em lugar nenhum.

Naquele domingo mesmo, em frente a escola foi colocado um trailer de doces que vendia o tal refrigerante Beijinho que foi servido na festa. Ninguém ficava sem tomá-lo. Era delicioso e atraía a gente como abelhas no mel. Ninguém bebeu álcool antes da aula. Antes do baile isto era normal.

Eu não acreditei que essas mudanças tivessem ocorrido realmente. Achei muito suspeito a juventude toda mudar da água pro vinho, de um momento pro outro assim. Foi tudo muito rápido.

Sentia a falta do professor Maurão e até imaginava que no lugar dele seria colocado alguém que não tivesse senso de humor nenhum. Estava no final das férias e a Diretora não perderia tempo. Nunca ficamos sem professor ou sem aula. Nem que ela mesma desse as aulas substituindo o professor faltoso. Deus me livre seria muito castigo!!! Aguentar Dona Célia seria demais.

O Fim de semana até que começou bem mas agora estávamos a procura de algum sinal que nos mostrasse que fim havia levado o Maurão. Onde estava ele afinal?

O Jairo e os meninos resolveram dar uma volta pela redondeza pra ver se ele não havia sido lançado longe. Eu e as meninas fomos de casa em casa perguntando se alguém tinha visto alguma coisa. Ninguém sabia de nada. O vigia da escola de educação infantil “florzinha de mel” que ficava em frente a nossa escola disse que havia ouvido um gemido e depois não ouviu mais nada. O difícil foi acreditar que ele havia ouvido mesmo, afinal ele era o próprio "seu Felipe" da música do Balão Mágico. Dormia mais que a cadeira, e até já caíra dela muitas vezes, fazendo quem viu cair na gargalhada. Seu Felipe não era muito confiável. Ninguém sabia o seu nome pois, por ser dorminhoco, seu Jorge da pizzaria lhe colocou este apelido. E ele aceitou e assim ficou sendo desde aquele dia. Não ligava ou não sabia que era uma gozação o apelido de "Seu Felipe".

A Marta do segundo ano veio me procurar e disse que havia um menino da favelinha que sabia de alguma coisa pois ele estava em frente a escola na hora da explosão e disse ao irmão dela que estava com medo. Mas medo de quê ela não sabia.

Fomos a cata do menino mas sem saber o nome dele era muito difícil. O Mateus, irmão da Marta, não sabia o nome mas o via na feira todos os sábados. Ele ficava sempre em frente ao mercado pedindo esmolas. Mateus disse que era mal costume e a mãe dele nem sabia disso. Eram pobres mas não passavam fome. Vivia cheio de hematomas das surras que levava, mas não tomava jeito. Aprontava tanto que a estava levando a loucura. Mas só a vira um dia em que fora buscá-lo no mercado em baixo de varadas de goiaba. Ficou com pena do moleque. A mãe pedia desculpas a todo mundo enquanto batia nele. Achava que ele tinha uns 7 anos de idade.

Perguntariam a cidade inteira, alguém certamente saberia onde morava aquele moleque.

Desceram o “Largo do macaco”, a Rua da Esquina e o ponto da escadaria do “Beco do Moleque.”

A loja de móveis na subida da escadaria era um bom ponto de informações. E talvez em último caso iriam mais além e perguntariam a Deth do salão de beleza. Vila Florida era grande e levaria alguns dias mas encontrariam o menino e uma pista do Maurão.

Continua...

Nilma Rosa Lima
Enviado por Nilma Rosa Lima em 13/10/2014
Reeditado em 17/10/2014
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