Dois dias para o fim

A lua não era cheia, mas a cabeça sim. Gonzalez não parava de pensar no duelo a ser realizado em menos de 48 horas. Seria mesmo capaz de encerrar a guerra? Possuía essa habilidade dentro de si? Quanto mais pensava menos resposta encontrava, afinal nunca havia pensado em ser um espadachim pra vida. Vivia de investigação, uma espécie de “caça ao tesouro”. Mas, há tempos que não via um tesouro tão difícil...

A confusão aumentava ainda mais quando pensava em Jairo. Os únicos “duelos” (se é que podem assim ser chamados) entre eles foram realizados na infância! Desde então muito se passou. O sumiço de Jairo e o extermínio de sua família e a ascensão de González à polícia pareciam dois fatos separados por séculos. Mal podia acreditar que agora estava em face de um rival que remetia a sua própria história. Teria condições de derrota-lo? Se assim o fizesse, o que diria perante tão improvável acontecimento? Riria? Choraria? De fato, não sabia. Era tudo um grande mistério envolvendo mocinhos e bandidos, heróis e vilões (colocando em termos “simples”, claro).

Nessas horas não havia muito o que fazer. Nessas horas, Gonzalez só pensava em uma coisa: treinar. Era um pensamento coerente, afinal todo o destino de uma cidade e de várias vidas dependiam do quão forte poderia ser ao manejar uma espada. Se fosse bem sucedido, escreveria o seu nome na história como “aquele que parou o lendário assassino da chuva”. Se perdesse, seria só mais um entre as inúmeras vítimas do assassino da chuva. Diante de tantas indecisões decidiu deixar-se guiar pela leveza cortante da espada. Como se fosse mágica deixava de escutar, falar e ver. Aos poucos ia se tornando um com a espada. Passos rápidos e golpes certeiros nas árvores. Um, dois, três, quatro vezes em menos de três minutos. Saldo? Duas árvores derrubadas entre cinco. Parece muito? Não para Gonzalez. Pelo que imagina do assassino da chuva teria que ser melhor do que isso. Para vencer. Teria que “tornar-se um com a espada e o mundo”, pois para vencer alguém que prima pela morte teria que buscar amparo em toda a vida ao redor. Uma tarefa nada fácil para quem tinha menos de dois dias...

Treinou até cansar. Só parou quando as pernas deixaram de responder. Cansado. Não sabia dizer se tinha evoluído ou não, mas estava satisfeito com o resultado. Dirigiu-se para o banho pra tomar uma ducha e aliviar as dores. Quando a água tocava o seu corpo nu poderia sentir todos os pingos. Nunca havia tido tal sensação antes. De algum modo sentiu-se relaxado. Inspirando e expirando. Seria esse o momento em que começava a ficar “pronto”? As dúvidas finalmente iriam embora?

Esvaziava a mente em busca de equilíbrio. Aquela e a próxima noite teriam que ser muito boas. O corpo precisaria estar descansado para encarar aquele que poderia ser o último dia de sua vida. Com a cabeça mais leve e os pensamentos menos embaralhados decidiu dormir. E assim o fez.

Acordou no outro dia com batidas na porta. Olhou para o relógio e não eram nem 8 horas da manhã. Achou curioso alguém chegar tão cedo em sua residência. Qual seria a urgência dessa vez? Com tanto foco em Jairo nem se lembrou de que “ainda” era capitão da polícia...

- Capitão. Bom dia?

- Bo... (um longo bocejo)... Bom dia Estevez. O que a minha humilde residência?

- Tenho notícias senhor. Sobre o assassino da chuva.

- Jairo? O que me informa sobre ele?

- Ele nos deixou esse bilhete ontem a noite. Creio que seja importante.

- Deixe-me ver aqui.

O bilhete trazia uma mensagem interessante. Como se o espadachim o estivesse observando de seu esconderijo trazia a seguinte fala: “Olá, meu caro capitão. Como vai? Treinando muito? Fico feliz de saber que aceitou o nosso duelo e está levando a sério. Belo treinamento ontem a tarde. Quero ver esse brilho no olhar no nosso encontro de amanhã. Contudo, gostaria de tornar o nosso duelo mais interessante. Que tal fazermos uma aposta? Se você vencer o duelo, todos os meus homens irão se entregar ou abdicar de suas vilanias, deixando a sua bela cidade em ‘paz’. Entretanto, caso você perca, nós colocaremos fogo em todas as cidades próximas, deixando somente a sua cidade de pé? Que tal? Topa esse pequeno desafio? Se sim, atire mais uma flecha em chamas no céu. Se não, irei até a sua casa hoje a noite para ‘acertamos as contas’. Você decide capitão. Hasta”!

Ao terminar a leitura, toda a calma que acumulara ao longo de um proveitoso dia de treinamento parecia ter ido embora. Incrédulo com a notícia, Gonzalez disferiu três socos na porta como uma forma de externar a sua raiva. Apesar de ser uma madeira dura, era possível ver a marca de sua explosão. Estevez olhava tudo aquilo boquiaberto. Deveria dizer alguma coisa?

- Er... capitão? Está tudo bem?

- Maldito! Aaaaaaaaaaaaah

- Então capitão, eu acho que vou indo está bem?

- Não... não, espere Estevez.

- ?

- Você poderia me emprestar um arco e flecha?

- Capitão, você vai aceitar a proposta? Sério capitão?

- E eu tenho outra saída? Se eu ficar, eu luto. Se fugir, certamente morro.

- Bem, eu temia que você fosse dizer isso...

- Então, você já trouxe o arco e flecha?

- Sim, estão bem aqui.

- Ótimo. Acredito que esse será o último ato dessa dança.

- Assim, todos esperam capitão. Assim, todos esperam...

- Tenha um pouco de otimismo Estevez! Não é todo dia que eu atiro uma flecha ao céu....

- Tentarei capitão...

- Acho bom soldado. Lembre-se que um dia você poderá estar no meu lugar.

- E agir de maneira louca por causa de um assassino?

- Bem, tem pessoas que só são combatidas assim. Temos que nos acostumar...

- Sei...

Com o braço direito a frente e o braço esquerdo pressionando a corda no limite. Gonzalez atirou a flecha ao céu sem pensar muito nas consequências. De alguma maneira, toda aquela situação parecia o motivar ainda mais, mesmo sem saber o porquê. Continuaria a andar em frente. Com um sorriso no rosto e uma expressão que, em nada, demonstrava medo ou apreensão. Finalizou aquele momento:

- Bem, Tanabachi, te vejo no dojo. E espero que sem máscara.

Enquanto a flecha atravessava a escuridão da noite, do outro lado da cidade um homem de máscara que via aquele facho de luz, cortando o céu, pensava consigo mesmo: “enfim, acordou o seu espírito guerreiro González. Vai ser um bom entretenimento”. O que será que isso queria dizer?

Andarilho das Sombras

Rousseau e o Andarilho
Enviado por Rousseau e o Andarilho em 06/05/2015
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