Queixa-crime

“Eu sempre tive verdadeiro pavor dessa violência que tem aqui no Rio de Janeiro. Acho um absurdo as pessoas terem de deixar jóias, relógio em casa quando vão andar de ônibus. Eu então que venho lá de Duarte Magalhães, mais de uma hora dentro de um ônibus cheio, com um monte de gente grossa, mal educada... Ah, eu procuro me vestir da maneira mais discreta possível. Não só por causa dos assaltos, mas também por causa de que lá onde eu moro, do ponto de ônibus até a minha casa, é uma rua inteira toda descampada, tudo deserto. E já aconteceu várias vezes de aparecer garotas de treze, quatorze anos estupradas e mortas no meio lá daqueles matos. E tem também as que não morrem, né?... Não sei nem o que é pior (...)

“Tem. Então não tem? Tem sim. Tem um monte de mulher lá que já foi currada. Teve até uma vez que o pessoal pegou um estuprador. Deram de pau nele até matar. Deus que me perdoe, mas que foi bem feito, foi. Tem tanta garota fácil por aí, pra que pegar as outras à força? (...)

“Eu? Sempre. Sempre morri de medo. Sempre achei que isso era a pior coisa que podia acontecer a uma mulher, seja ela mulher direita ou piranha de zona. Quando eu ficava sozinha na loja, eu sempre morria de medo. (...)

“Não, eu não sou desse tipo de garota, não. Namorar pra passar o tempo nunca me interessou. Eu sempre quis casar com um homem sério, honesto, trabalhador. E eu acho que um homem assim não ia gostar de uma garota fácil e vulgar. Por isso que quando ele apareceu lá pela loja, olhando pra mim sem arriscar logo uma aproximação, eu fiquei até bem empolgada. Ele era diferente da maioria dos caras, desses que chegam de qualquer maneira, dizendo coisas inconvenientes e querendo logo botar a mão em cima, como se todas as garotas gostassem disso (...)

“Como ele era? De aparência? Ah... Moreno de praia, forte, braços musculosos e com uns olhos muito expressivos (...)

“Ah, um olhar assim... penetrante. Pode ser até que isso seja um pouco de fantasia minha, porque na verdade eu fiquei mesmo muito interessada nele. Confesso que fiquei (...)

“Todo dia ele passava pelo menos duas vezes pela porta da loja. No fim, eu já até ficava esperando a hora dele chegar. Ele vinha, parava e ficava como se estivesse vendo a vitrine. Mas, lógico, eu sabia que ele estava olhando era pra mim (...)

“Gostava. Confesso que gostava, sim. Era uma paquerinha sem maiores conseqüências. Como já falei, eu até esperava ele passar. A Regina, a menina que trabalha comigo, falava até assim: Lá vem o teu admirador. Toda vez era a mesma coisa, ele ficava olhando pra dentro da loja até eu olhar pra ele (...)

“É, depois ele ia embora (...)

“Não, nunca falou nada. Nem nunca entrou na loja (...)

“Não, nunca tentou falar (...)

“Bom, com o tempo essa demora dele em se decidir começou a me parecer meio estranha. Porque um pouco de respeito, um pouco de recato, disso eu sempre gostei, mas aquilo estava exagerado. Ele ficava só olhando, todo dia... E ele tinha um modo de olhar também que começou a me dar nervoso (...)

“Não sei. Era como se ele estivesse me despindo com os olhos. Como se ele tivesse o poder de descobrir os meus segredos. Eu sentia assim como se de repente ele soubesse que eu estava gostando dele e fizesse de propósito eu ficar esperando. Aquilo foi me desesperando, sabe? (...)

“Eu cheguei a falar com o patrão pra tomar alguma providência. Sei lá, contratar um segurança pra loja (...)

“Estava, claro que estava. Estava me sentindo ameaçada, sim (...)

“Não falei nada porque fiquei com pena. Sei lá, pensei que ele fosse tímido e realmente não soubesse como se aproximar de uma garota (...)

“Não, claro que não! Nunca imaginei que ele fosse capaz de uma coisa dessas (...)

“Não sei, não sei. Vai ver eu que não quis acreditar. O que eu queria na verdade era que ele se apresentasse como qualquer cara (...)

“Bom... Finalmente então um dia ele entrou na loja. No começo eu fiquei um pouco assustada, não estava mais esperando... Eu estava sozinha... E os olhos dele vistos assim de perto eram estranhos, não sei... Parecia que ele tinha uma outra pessoa por dentro, como se aquela cara dele fosse uma máscara... E ele tinha uma cicatriz enorme no rosto, que de longe não dava pra notar direito... Isso tudo me deixou muito nervosa (...)

“Aí ele se aproximou do balcão e apontou uma roupa que estava na vitrine. Foi tudo muito rápido. Quando eu olhei pra onde ele estava apontando, ele esticou o braço, agarrou o meu pescoço e começou a apertar. Foi horrível! Na hora eu pensei que fosse morrer... Depois que eu pensei que ele talvez fosse me violentar e cortar o meu rosto todo com uma navalha (...)

“Não sei. Talvez porque esse sempre tenha sido o meu maior medo, não sei. Não sei (...)

“Depois eu comecei a ficar sem ar. Mais um pouco e eu desmaiava. De repente ele parou, me pegou pelos cabelos e espetou um troço no meu pescoço. Não deu pra ver o que era. Pensei que fosse uma navalha ou um canivete, alguma coisa assim. Só sei que me apeguei com Deus com muita força (...)

“Não dava. Ele tinha as mãos muito fortes. Ele me levou pra uma das cabines do provador de roupas e me jogou no chão (...)

“Não, eu achava que se gritasse ele podia me matar. Eu fiquei só chorando, baixinho pra ele não ficar com raiva (...)

“Então eu vi ele abrindo o fecho da calça... Fiquei morrendo de medo. Aí ele veio e deitou em cima de mim, rasgou a minha roupa toda. Eu lembro que as minhas lágrimas estavam quentes e eu sentia elas escorrendo pelo meu rosto. Pra mim, aquilo tudo era que nem um pesadelo... mais cedo ou mais tarde ia ter que acabar. O que eu não podia era me desesperar, pra não acabar morrendo na mão daquele maníaco, daquele psicopata que, antes, eu pensava que estava querendo me namorar. Ai! Fiquei com uma raiva de mim! Eu sonhei tanta coisa com ele... Como eu pude ser tão boba (...)

“A única coisa que eu pensava era como que eu ia poder me casar depois com um homem de respeito. Porque um homem sério não ia querer uma noiva que foi furada por outro. Isso não me saía da cabeça. Então ele foi, deu um puxão e arrebentou a minha calcinha. Depois, finalmente me penetrou. Eu estava apavorada, achava que aquilo podia não caber tudo dentro de mim e que ele podia se irritar mais ainda. Mas entrou, entrou tudo. Doeu muito, mas entrou. Foi como se ele estivesse me rasgando ao meio. Eu fechei os olhos e comecei a rezar (...)

“Não sei, um minuto, cinco, dez, não sei. Nem imagino. Só sei que depois de um tempo eu senti ele me abraçando por trás dos ombros e que o meu corpo foi começando a reagir àqueles estímulos (...)

“Não, gostando, não (...)

“Não senti mais arma nenhuma no meu pescoço (...)

“Olhei. Mas também não vi nada no chão em volta (...)

“Aí quando ele acabou, eu abri os olhos e vi o rosto dele ali bem pertinho do meu. E antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, ele me deu um beijo na boca (...)

“Não. Não gostei. É claro que não gostei. Mas é que, sei lá... Eu sempre imaginei como seria receber um beijo assim depois que fosse amada pelo meu marido na minha noite de núpcias (...)

“Bom... Aí depois ele levantou, arrumou a calça, foi até a caixa registradora, pegou o dinheiro que tinha e meteu no bolso (...)

“Eu não fiz nada, fiquei só olhando. O quê que eu podia fazer? Eu estava com medo e não sabia se tinha mais raiva dele ou de mim (...)

“Antes de ir embora ele olhou pra mim. Eu estava me sentindo frágil, indefesa... Queria que aquilo não tivesse acontecido... Aí depois ele virou as costas e saiu. Sem me dizer nem uma palavra.”

MANÍACO RENDE VENDEDORA COM O DEDO, FOGE E ACABA PRESO

A polícia prendeu ontem num shopping da zona norte o desempregado Leom Oscar, de 28 anos, que assaltou e estuprou a vendedora C., de 22 anos, depois de encostar o dedo nas costas dela, fingindo estar armado.

Apavorada com a violência da cidade, a vendedora, que trabalha numa loja de roupas femininas, acabou sendo vítima do próprio excesso de zelo e só foi descobrir que havia sido enganada após o fato consumado. Um segurança do shopping prendeu o maníaco quando ele tentava fugir se misturando entre as pessoas que faziam compras.

Na delegacia, o meliante confirmou que teve relação sexual com C., mas alegou que foi com o consentimento dela. No fim da tarde, muito nervosa, e para irritação do delegado, C. pediu que fosse retirada a queixa contra Leom, que com isso acabou solto.