NINGUÉM SABE DE NADA

NINGUÉM SABE DE NADA

Padre João estava de plantão naquele dia, quando avistou ao longe os passinhos agitados de Larissa, rosto coberto pelo véu e um chapéu sobre a cabeça para proteger-se do sol escaldante. Era meio dia mais ou menos. Padre João não usava relógio, mas sabia guiar seus horários pela posição do sol. Era um homem de meia idade, pároco há alguns anos naquela região sertaneja, onde havia muitas mulheres bonitas, um perigo, havia também muitos homens valentes, outro perigo para quem passasse dos limites. Resolveu ficar esperando para ver aonde iria a Larissa com seus passos céleres. Larissa se aproximava cada vez mais da capelinha. Vendo-a assim em passos largos, Padre João sentiu pulsar mais forte seu coração, parecia um menino, um ar de alegria aflorou-lhe à face. Correu para o seu confessionário e espanou o pó acumulado, sentou-se e esperou. O tempo não passava. Finalmente ouviu passos que, para ele pareciam suaves. Sentiu-se feliz.

Três dias antes alguns foragidos da cadeia da capital foram avistados na região, eram cinco, diziam alguns, não, eram quatro homens diziam outros, a polícia foi avisada, nada foi feito e não havia mais notícias, mas naquele dia pela manhã, disseram ter ocorrido um violento confronto entre os bandidos e a polícia. A contenda terminou com policiais feridos e bandidos mortos, tendo logrado a fuga apenas tal de Atanásio, conhecido na região, pois residira ali quando mais jovem e antes de adentrar a seara do crime. Ele até tinha um primo que era agricultor, tinha alguns hectares de terra na encosta do Morro Seco, logo ali da cidade. Mas Atanásio transformara-se num homem violento e já havia matado muitas pessoas. Matou até crianças e mulheres, diziam.

A jovem Larissa estava noiva de um jovem lavrador, estavam prontos para o casamento dali a alguns meses. Rafael, também conhecido por Cavalão, era um cara aparentemente pacato, no entanto, tinha sérios desentendimentos com Larissa por causa das suas saías curtas, batons ousados, decotes salientes,etc. Certo dia Larissa falava com um homem quando, isso todo mundo viu, Cavalão aproximou-se e sem explicações desferiu uma saraivada de socos no pobre homem. Nada fez a Larissa e a explicação dela foi esclarecedora, estava indicando ao homem como chegar a uma residência mais distante, pois se tratava de uma pessoa vinda de outro local. Cavalão tinha ciúmes, afastava qualquer homem que dela se aproximasse, com violência, mas deixava margem para que a noiva desse suas escapadas.

Entrando na igrejinha, Larissa dirigiu-se ao confessionário, abriu a cortina e entrou. Padre João a recebeu em seus braços e aos beijos e abraços foram avançando com as carícias cada vez mais quentes. A amante sentou-se no colo do amado e continuaram. Cheios de amor e sedentos por sexo, os dois se despiram e entregaram-se ao desejo carnal. Entre murmúrios e sussurros de amor, não ouviram outros passos no interior da igrejinha.

O relógio de pulso de Larissa marcava quase duas horas quando ela entrou em casa dirigindo-se de imediato para seu quarto. Desnudou-se e tomou um banho demorado, vestiu roupas limpas e colocou as roupas usadas na lareira queimando-as. Deitou-se e dormiu até ser acordada por sua mãe, depois das seis da tarde.

No dia seguinte a professora do catecismo chegou à igrejinha com seis de seus alunos. Mandou-os sentarem e foi procurar o Padre João. Chamou por duas, três vezes, depois foi ao quarto dele, retornou e foi ao confessionário. Um grito medonho ecoou pela igrejinha. As crianças correram a tempo de amparar a professora desfalecida. Uma enorme mancha de sangue saía do interior do confessionário. A notícia se espalhou, vieram muitos curiosos,logo chegou o Comissário, inspecionou bem o local, conversou com muitos moradores até que um deles, um velho bêbado chamado Chicuta, aproximou-se do Comissário e disse-lhe algumas palavras ao ouvido:

-Foi o Cavalão, por causa da Larissa, eu o vi ontem perto do meio dia atrás do canavial e espiando para a igreja, foi quando ela chegou. Depois não vi mais nada.

-Ora seu bêbado, não me venha arrumar encrenca, vá embora tomar tuas canhas! Respondeu o policial a Chicuta.

O velho policial pensou muito enquanto fotografavam a cena do crime e concluiu: esse padreco não respeitava ninguém, o que quer tenha feito com Larissa, poderia ser com qualquer esposa da comunidade, moça ou criança. Nunca descobriremos mais nada.Sentenciou.

Não foi Cavalão, foi obra do Atanásio! Ontem ele foi visto nas matas à beira do rio. Escreveu seu relatório, aguardou alguns dias para receber a necropsia e remeteu para o Judiciário. Três dias depois da morte do Padre João, Atanásio foi encontrado morto a tiros. Rafael Cavalão e Larissa casaram-se perante o Juiz de Paz,não houve festa e o casal foi embora e nunca mais retornou. O povo fala muito, ninguém sabe de nada. Ou alguém viu alguma coisa?

Luiz Carlos Costa de Moura

drmoura
Enviado por drmoura em 12/08/2015
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