Alguém para ser assassinado

Nada ali acontecia, tudo se repetia, como na Idade Média, todos se conduziam obedecendo a uma só orientação – a Igreja. Missas aos domingos, crismas uma vez ao ano, quando da visita do bispo, as quermesses em julho eram orientadas pelo padre.

Crimes eram quase uma passagem de um cometa, acontecia a cada 10 anos, festa profana, que movimentava a cidade, mas não tinha intervalos tão definidos quanto o dos cometas, e nem podia ser previamente anunciado, ou a cidade estaria em rebuliço, afinal o último ocorrera há dez anos passados.

Atônito, o proprietário da casa de calçados deparou-se com dois corpos estendidos na área interna da farmácia, aonde fora para tomar uma vacina antitetânica, ele que havia se ferido em um arame enferrujado. Chegando à farmácia ele entrou sem se anunciar, como entra toda a população daquela pequena e amiga cidade, onde todos se conheciam.

O sangue que borrava o chão deixava claro, que as mortes não haviam sido causadas por alergia, ou erro na aplicação de alguma injeção, e as armas, nas mãos de cada um dos abatidos, reforçava a teoria de um duplo assassinato; se um homicídio poderia ser entendido como um fenômeno periódico naquela cidadezinha... dois homicídios fugiam, completamente, da compreensão de todos.

Foi ele quem se deparou com as vítimas, e foi ele quem mais assistiu a tudo, estava paralisado, como se os crimes tivessem lhe tirado a capacidade de se movimentar, estava estático, até que um grito ele conseguiu emitir, ninguém saberia dizer se foi obedecendo a necessidade de gritar, ou de pavor perante a cena, mas o grito se fez ouvir, e outras pessoas adentraram ao local, onde dois corpos se encontravam abatidos...criminosamente, inclusive a polícia, conduzida por um antigo delegado, nada afeito a crimes, afinal crimes ocorriam ali a cada dez anos.

Foi preciso que o velho delegado se irritasse com a primeira testemunha, ele parecia hipnotizado pela brutalidade que acabara de presenciar, dois mortos.

Um mistério, ninguém viu qualquer suspeito, ninguém saiu correndo da farmácia; os mortos haviam se matado mutuamente? Por quê? Essa hipótese não fugia de uma certa lógica, afinal o dono da farmácia nunca aceitou o fato de sua filha se envolver com um entregador de pizza, e agora estavam os dois mortos, o dono da farmácia e o entregador de pizza, repetia-se, naquela drogaria, um novo caso entre a família dos Capuletos e dos Montecchios; Romeu e Julieta ainda provocavam mortes.Para o velho, mas ainda atento, delegado algo soava estranho, o envolvimento entre o entregador de pizza e a filha do farmacêutico fora muito superficial, não daria causa a um crime tão violento, mas o resultado apresentava dois mortos, e o único elo entre as vítimas foi aquele efêmero relacionamento, mas ambos se encontraram armados e ávidos por sangue.

Eram tão raros os assassinatos naquela cidade, que o delegado via todos os crimes ligados, como se por um laço de parentesco, crimes afins, e foi assim que iniciou sua investigação, Arrastando o último crime, para tentar elucidar o crime atual. O dono da casa de calçados, o primeiro a encontrar as vítimas, carregava uma mágoa muito forte do farmacêutico, que há dez anos atrás engravidará sua filha, quando o próprio farmacêutico cuidara do aborto, daquele que seria seu filho espúrio; um rumoroso caso numa cidade onde tão poucos escândalos acontecem.

Como um torniquete, a autoridade policial passou a apertar , de tal forma, aquele que seria apenas testemunha no crime atual, que o dono da casa de calçados se viu descalço, e teve que confessar o crime duplo. O que passou pela cabeça do verdadeiro assassino matar duas pessoas, quando o atrito seu era apenas com o dono da farmácia?

É claro que a cidade jogaria a responsabilidade do crime sobre o farmacêutico, ainda que tenha morrido, também, no acerto de contas.

O idealizador do crime encomendou uma pizza a ser entregue na farmácia e esperou que a entrega fosse feita, ele portava duas armas, e matou cada um, com uma delas, colocando as mencionadas armas nas mãos das vítimas, e foi encontrado como se fosse uma testemunha.

Ele precisava de um alvo para incriminar o seu desafeto, ele precisava de alguém para ser assassinado...e aquele que entregava lanches foi o escolhido

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 28/11/2015
Reeditado em 16/12/2015
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