~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. VI

O clima da conversa voltava a esfriar depois das tristes lembranças e o detetive Ruan tinha consciência de que o assunto que dizia respeito à morte da mãe do Sr. Arantes poderia o abater! No entanto, não esteve muito seguro desse sentimento pela expressão no cenho do homem, no mesmo tempo em que percebeu uma rápida mudança em sua face ao decorrer da conversa.

- Quanto tempo faz que isso aconteceu? - perguntou o detetive, segurando o caderno e a caneta, mas com a vista fixa no Sr. Arantes.

- Já faz uns nove anos - contou o Sr. Arantes.

- E seu pai?

- Ah, meu pai... Como eu o amava. Ele descobriu um tumor malígno no cérebro, quando eu ainda tinha oito anos. Lutou meses e mais meses na cama do hospital contra a doença, mas ela estava o vencendo - respondeu com uma mistura de sentimentos no olhar que Ruan analisava prestativamente para identificá-los, não parava de fitá-los, como se fossem dois espelhos que refletiam inúmeras cenas daquele passado - Eu, pequeno, sem nada entender, perguntava à minha mãe para onde ele tinha ido e quando iria voltar para casa e ela dizia que ele estava fazendo uma viagem e logo voltaria. Acho que não queria me assustar dizendo o que para ela já era óbvio.

- Que ele estava nos braços da morte? - aquelas palavras suaram tão árduas que atingiram o Sr. Arantes como uma faca no peito, embora parecesse a mais certa verdade, era distinto ouvir de outra pessoa, ainda mais com aquela clareza e naturalidade. Apesar disso, Ruan não pensou em se desculpar e tampouco mostrou-se perturbado com o que lhe saiu dos lábios.

- Sim - somente assentiu. Não soube o que mais fazer senão isso.

- E depois disso?

- Ela se casou novamente - disse com um ar desdenhoso, ao passo que estava sob a indiscreta observação do detetive -, com um músico.

- E onde ele está?

- Com certeza no exterior - disse num tom mais irônico -, sempre viajava para outros países.

- Você não gosta dele, não é? - perguntou Ruan.

- Não - respondeu o Sr. Arantes, um tanto surpreso pela adivinhação do detetive.

- pude ver nos seus olhos - disse, relaxando as costas no sofá e recebendo só o silêncio do outro lado - e por quê?

- Não sei - sacudiu os ombros duas vezes -, só não gostava dele. E também, viajava para o exterior para se apresentar em grandes musicais mais do que ficava com a gente. E o pior é que minha mãe gostou demais dele, o amou.

- E quando aconteceu o acidente , onde ele estava?

- Adivinha? - bateu as mãos nos braços do sofá e cruzou os seus braços - viajando.

- Hhm - manteve o olhar vidrado no homem, sem distrair-se por nenhum segundo.

- Você não vai anotar tudo isso aí? - o Sr. Arantes perguntou, porquanto notava que o detetive não tirava os olhos de cima dele.

- Eu estou anotando! - disse, mostrando o caderno com a página toda escrita em letras caprichadas e o Sr. Arantes arregalou os olhos, de modo que estava estupefato, sem entender como o detetive conseguia escrever tão perfeitamente sem nem ao menos olhar para a folha.

~*~

Thalia estava em seu quarto, de frente ao espelho, fazendo os retoques finais no coque em seus cabelos ruivos, quando foi surpreendida pela pequenina irmã Celina, que empurrou a porta com descuido e foi logo puxando a irmã pelo braço.

- Lia, Lia! - a menina não poupava a voz e pulava de empolgação. Celina era uma menina sapeca, tinha apenas sete anos e era muito rápida em se aproximar das pessoas. Ao contrário de Thalia, ela tinha cabelos castanhos como os de seu pai, ou pelo menos os que a calvice pouparam dele, e uma pele tão auva que mais parecia uma boneca de porcelana.

- Celina, você não deveria estar na escola? - perguntou Thalia, tentando conter a emoção da irmã. Celina desviou o olhar para a parede um fez silêncio por um curto período de tempo antes de continuar.

- Sim, mas... Lia, você tem que descer! - voltou a puxar a irmã em direção à porta do quarto.

- Por quê? O que houve? - indagava, ao passo que era arrastada pela menina.

- O papai está lá embaixo com o detetive! - ela exclamou num tom medonho, como se se tratasse de um monstro ou um ser de outro mundo.

- O detetive está aí? - parou um momento para refletir sob aquela informação.

- Sim - Celina consentiu e tirou a irmã do quarto -, vem, vem longo!

As duas chegaram próximas da escada e Celina pretendia descê-las com sua irmã, mas Thalia a segurou e a impediu de descer.

- Melhor ficarmos aqui - disse Thalia, se abaixando com Celina e mirando seu pai e o novo hospedeiro da mansão lá embaixo a conversarem de trás das grades da escada. Ela não podia ver o rosto do detetive, porquanto ele estava de costas para elas, somente seu pai no outro sofá.

- Lia, o que é um detetive? - perguntou Celina, levantando a vista para a irmã do seu lado direito.

- É um tipo de gente que vive a meter-se em tudo - explicava num tom malicioso, segurando as grades da escada e lançando um rápido olhar para a irmã de joelhos no chão, para depois retroceder a mira ao salão, terminando a frase - e adora bisbilhotar a vida das pessoas.

- Ah - Celina manteve o olhar no rosto de Thalia por mais alguns segundos, estava tentando compreender essas palavras e imaginando esse "tipo de gente" a que a irmã se referia, e chegou à conclusão de que o detetive era na verdade alguém bem distinto do homem que durante a luz do dia era um ser comum, mas que à noite se transformava em algo sobrenatural; ou que escondia debaixo daquele traje elegante uma corcunda amedrontadora, como ela imaginou. Enfim ela tirou o olhar de Thalia e pressionou o rosto contra as grades afim de assistir à conversa lá embaixo.

- Vem - disse Thalia, pondo-se de pé e esticando o braço para a menina -, vamos parar de espioná-los ou seremos nós como os detetives.

- Mas, Lia...

- Nada de "mas" - puxou a mão da irmã e juntas elas voltaram para o quarto.

~*Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 21/08/2016
Reeditado em 18/10/2016
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