Publicidade Ruim - Contos do detetive Furtado

Célia está sentada à mesa do restaurante quando Furtado chega. Ela está vestindo um vestido vermelho que brilha como um lustre de cristal. O detetive também está em trajes dignos da ocasião. Ele se assenta esbaforido e se desculpando:

- Eu tive um contratempo na central. Mais um assassinato sem solução. O terceiro só esse mês.

- Tudo bem, Furtado. Mas não vamos falar de trabalho à mesa, está bem? Hoje vamos apenas nos divertir.

- Sim, sim. Me desculpe. Você está linda.

- Obrigada.

Assim que o garçom chega com o menu, o celular de Furtado toca. É da central. Aparentemente, acharam a possível arma do crime da última vítima em um parque não muito longe do local do assassinato. Se trata de uma lança da época das cruzadas, roubada da casa de um colecionador há alguns dias. Os testes preliminares foram feitos e o armamento bate com o ferimento. É o terceiro assassinato utilizando uma arma antiga e sem conclusão que o detetive Furtado pegara. Será que este também se tratava da mesma pessoa misteriosa do DVD?

- Mil perdões, Célia. Mas eu vou precisar ir. Encontraram a arma do crime do meu último caso, e...

- Não precisa dizer mais nada. Apenas vá. Não se preocupe comigo.

- Você está chateada?

- Um pouco sim. Mas seu trabalho é importante. E não é também que sejamos namorados ou algo assim para eu me irritar. Vá. Até depois, detetive.

Ele foi, mas não sem antes dar um beijo na bochecha de Célia. Ela era uma verdadeira amiga.

Na central, o detetive Furtado foi direto ao legista acompanhar o restante dos testes com a lança.

- Quase que com toda certeza, a perfuração coincide com a ponta da lança. Como pode ver, a seta entrou pelo externo, atingindo o coração e atravessando o corpo. A vítima estava pregada no muro de um beco qualquer como se fosse uma borboleta perfurada em um livro de coleções. Logo poderemos saber se devidamente se trata da mesma lança.

- Espero que demos mais sorte que no caso de Angelique. Não adiantou muito sabermos de onde vinha a arma do crime, já que não tínhamos filmagens ou sinais deixados no local pelo assaltante.

- Está vendo. Positivo. A lança é a nossa arma do crime.

- Ótimo. Vou buscar o relatório do assalto à casa do colecionador.

Entretanto, como já era de se esperar, não haviam câmeras no local e o assaltante não deixara nenhuma marca. Análises mais profundas na lança não revelaram nada também. A pessoa do DVD não queria mesmo ser pega.

Não demorou muito para o terceiro envelope chegar.

Furtado deu play no DVD e o que se seguiu foi o assassinato da jovem garota. Outra vez, uma câmera escondida à pessoa que trazia a lança, filmou o momento que ela é fincada à parede pelo armamento. Depois aparece, ou quase aparece, a pessoa dizendo que mais um ato de revolução foi concluído com êxito. E nada mais.

Não restava dúvidas. Detetive Furtado estava lidando com um serial killer que gostava de filmar suas vítimas sendo mortas por armamentos antigos. E por algum motivo, queria que o detetive soubesse que o estava fazendo, mesmo que parcialmente.

Foi então que Furtado teve um estalo. Tinha que procurar uma relação entre as quatro vítimas da pessoa misteriosa. Pegou os arquivos dos assassinatos e começou a esmiuçar a vida dos quatro. Angelique estudara e se formara em história e logo após se tornara curadora do MAHAM, nada de muito interessante até aí. Ficha criminal: Um atentado ao pudor quando estava na universidade. Os irmãos Tibúrcio estavam ambos estudando ainda. Ele cursava direito e ela, medicina. Ficha criminal impecável para ambos. Letícia Aparício, a mais recente vítima, também era estudante, no caso fazia turismo. Também sem ficha criminal. Mas algo chamou a atenção de Furtado. Todos os quatro estudavam ou, no caso de Angelique, se formara na mesma universidade. A Van Guarde. E todos os quatro cursos eram no mesmo polo, no centro da cidade. Angelique se formou há dois anos, Amanda Tibúrcio estava em seu último semestre, Alberto em seu último ano e Letícia era caloura.

- Droga! – Exclamou Furtado. – Quase que poderia dizer que eles eram contemporâneos. Mas Letícia não se encaixa neste perfil que tracei. Mas pelo menos tenho algo para investigar: a Universidade Van Guarde.

Em seu computador no escritório tratou de navegar pelo site da universidade a procura de provas. Se deparou com a aba destinada aos clubes que os alunos poderiam participar. Clicou no link e após uma extensa investigação acabou por descobrir que as quatro vítimas haviam participado de um clube em comum: o de leitura e debate de livros. Bingo! Agora deveria ir até a universidade para investigar mais a fundo. Mas isto teria de esperar, pois acabara de receber um chamado da chefia pelo interfone interno.

Na sala de Tarso Junqueira, delegado e chefe de Furtado, sentia-se o cheiro forte dos charutos baratos que ele fumava sem parar. A expressão do homem era séria e nada agradável. Ele estava sentado, com os dois pés em cima de sua escrivaninha e brincava com uma bola de papel amassada.

- Pois não, senhor? – Cumprimentou Furtado.

- Estou esperando seus relatórios. Até agora só recebi o de Marquise Munhoz, que não ficou bem esclarecido como você elucidou o caso.

- Acho que foi um golpe de sorte.

- Não achei que intuição fosse a base de suas investigações, Furtado.

- E não é. Mas nesse caso, tive de me orientar como pude.

- Certo. Você tem até amanhã para entregar estes relatórios.

- Pode deixar comigo.

Furtado não tinha ideia do que fazer. Mas ele sabia que não tinha tempo a perder, então seguiu direto para a universidade Van Guarde.

Na secretaria do enorme centro educacional, se informou sobre o clube de leitura. Acabou que por descobrir que, desde que fora aberto, o mesmo professor o liderara: Almir Pedroso, professor no curso de letra e literatura portuguesa. Já era um suspeito a mais. Fora ter com o professor.

- Senhor Almir, eu presumo. – Disse Furtado.

- Sim, sou eu. Em que posso ajudá-lo?

- Não erro em dizer que é professor de letras aqui da instituição e que também comanda um clube de leitura de livros, certo?

- Certamente.

- Me chamo Furtado. Detetive Furtado. Estou investigando o assassinato de quatro alunos aqui da Van Guarde e creio que haja alguma ligação, mais precisamente, todos frequentaram ou estavam frequentando o clube de leitura.

- Eu ficaria mais que satisfeito em colaborar, detetive.

- Ótimo. Quero uma relação de todos os alunos desde que o clube iniciou.

- Para isso temos que ir até o arquivo da universidade.

- Podemos?

No arquivo, após esmiuçar os grupos de dois anos atrás até os mais recentes, vira todas as participações das quatro vítimas no clube. Ele estava certo, mas ainda não via uma ligação concreta entre os quatro para motivar os assassinatos. Podia ser apenas uma grande coincidência sem implicações para o caso que todos estivessem no clube e na mesma universidade. Até que um tópico, bastante recorrente nos debates chamou sua atenção: Revolução.

Tinha sido a única turma que Letícia participara antes de ser morta e um grupo que os outros três participaram bastante. “Atos de revolução”. Poderia ser essa a ligação. O detetive estava chegando perto de elucidar todos os três crimes.

O que o detetive Furtado não contava era com a imprensa descobrindo tudo sobre os crimes. Ele fizera questão de esconder bem os DVD’s e não contar a ninguém sobre a pessoa desconhecida nas gravações. Agora, o serial killer possuía até um nome, atribuído pela imprensa: O Antiquário. Não era de se esperar que os jornais poupassem de criatividade para nomear o sujeito, que gostava de matar com armas antigas, daí o nome.

Tarso Junqueira estava em frente a central tentando dar explicações aos repórteres que se amontoavam pela calçada e ocupavam até a rua em frente ao prédio quando Furtado chegou. Ele fez um gesto para que o detetive se aproximasse e todos os flashes, câmeras e holofotes se viraram para ele. Era hora de dar explicações.

- Meu nome é Furtado Nogueira. Detetive Furtado, se preferirem. Sou o responsável pelo departamento de homicídios e fui eu quem recebeu os pacotes com DVD’s das execuções de quatro pessoas nos últimos dias. São todos casos meus e ainda estão sem solução, mas como vocês já sabem, são todos reivindicados pela pessoa que aparece após as gravações dos assassinatos. Abomino a posição da imprensa de dar nome ao “serial killer”, pois isso só o dá fama e prestígio. O faz querer agir mais. Por enquanto, é toda a informação que podemos dar.

Assim que parou de falar, uma enxurrada de perguntas estourou contra o detetive. Ele apenas disse sem mais comentários e entrou no edifício, seguido logo após por Tarso Junqueira. Ele tinha agora mais material para os relatórios e algo a mais para entregar para o chefe no dia seguinte.

Mas ainda havia a dúvida pairando no ar. Qual a ligação do grupo de leituras com os assassinatos? Era a última peça do quebra-cabeças que faltava para prender quem quer que fosse o serial killer. O professor fora intimado a não deixar a cidade até o fim das investigações, que ele esperava que não demorassem em demasia, pois queria prender logo esse maníaco. Foi então que o quarto pacote chegou às suas mãos. Oras, mas não há mais nenhum corpo, como pode haver mensagem? Pensou Furtado. Mesmo assim abriu o envelope que, ao invés de DVD, continha apenas uma carta digitada no computador. Era uma carta breve. Nela a pessoa misteriosa dizia que estava ciente sobre os progressos da investigação do detetive Furtado e também da investida da imprensa em querer saber quem ele era. Assim como Furtado, abominara o nome O Antiquário. Dizia que quanto mais quisessem saber sobre ele, mais atos de revolução deveriam ser feitos. E recomendava ao detetive que ele cessasse as investigações imediatamente. Caso contrário, Célia seria o próximo ato de revolução praticado por ela.

Terminando de ler aquilo, Furtado ficou estarrecido. Então o serial killer sabia de Célia, o amor platônico do detetive. Ele não podia deixar que ela se machucasse, mas também não podia encerrar as investigações. Qualquer uma das hipóteses era um risco muito grande a se tomar.

No dia seguinte, entregava os relatórios na mesa de Tarso Junqueira. Ele encarava o detetive por cima da enorme pilha de papeis, envoltos em uma pasta de papel pardo com os dizeres em vermelho: “inconclusivo”. Porém, agora com o conhecimento de que os casos estavam interligados e que eles estavam lidando com um serial killer, o delegado estava mais aprazível quanto a falta de prisões nos três últimos casos.

- Pelo visto você vem trabalhando duro nesse caso do Antiquário.

- Sim. Não tenho dormido, não tenho mais vida social. Agora é só nisso em que penso.

- Você tem feito um ótimo serviço. Estou louco para passar as próximas oito horas lendo os seus relatórios, que acabam se tornando apenas um. Está dispensado.

Furtado não mencionara nos relatórios o quarto pacote ou a carta. Ele queria investigar melhor antes de tornar o restante daquilo público. Só que ele não sabia mais se iria investigar algo mais. Só conseguia pensar no bem-estar de Célia. Ligou para ela, que atendeu com aquele tom lacônico de atendente de telemarketing.

- Você não consegue perder esse tom, não é?

Uma risada no outro lado da linha se faz soar.

- Como é que você está? – Perguntou Furtado.

- Estou bem. Cuidando de algumas coisas aqui em casa. E você, como está?

- Bem, bem. Tentando lidar com essa quantidade de assassinatos.

- Já pensou em tirar férias?

- Não posso. Tenho muito trabalho a fazer ainda.

- O seu trabalho pode acabar se tornando um problema para você.

Furtado pensou que poderia ser um problema para ela também.

- Furtado? O que houve?

- Nada. Tenho que desligar agora. Foi bom falar com você, Célia.

- Também achei. Tchau, Furtado.

Ao desligar, Furtado não sabia o que fazer. Começara a considerar largar os casos e parar de investigar.

Gustavo Alves Ribeiro
Enviado por Gustavo Alves Ribeiro em 08/09/2016
Código do texto: T5754770
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