~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. XXVIII

Já em seu pequeno escritório, algumas horas depois de já ter feito sua refeição do meio-dia, o detetive Ruan Gaspar meditava sobre a conversa da Sra. Arantes com a empregada Tayná; o que elas podiam estar escondendo? Será que tinha a ver com o "fantasma" na janela? Mas de repente duas batidas na porta entreaberta o apartou de seus pensamentos e viu o Sr. Arantes que, pedindo licença e com seu consentimento, entrou na sala. Ruan foi gentil em mostrar um sorriso convidativo ao passo que o homem se aproximava da escrivaninha.

- O atrapalho? - perguntou o Sr. Arantes, apoiando os braços na cadeira de frente a Ruan.

- De modo algum - respondeu Ruan, sem mudar a expressão.

- Que bom - ele mostrou um sorriso corriqueiro e pôs as mãos nos bolsos; parecia inseguro do que deveria falar - E como anda a investigação?

- Bem, muito bem.

- Ah...

- Quer me dizer algo mais, senhor Arantes? - perguntou Ruan, notando o comportamento estranho do homem, como balançava o corpo e ria sem muita aptidão.

- Bem... - ele levou a mão até a nuca e esfregou-a - Na verdade venho aqui porque... É que meu amigo, Henrique, vem à mansão com mais um outro amigo meu, daqui a pouco. Então eu gostaria de te pedir que, se pudesse, permanecesse aqui em seu escritório enquanto eu converso com eles, para que não aconteça como da vez anterior em que Henrique se sentiu ferido com suas palavras.

- Bom - Ruan se mostrou um pouco estarrecido com as palavras do Sr. Arantes - Isso não dependerá de mim, e sim dele.

- Como assim? - o Sr. Arantes cruzou os braços e franziu o cenho.

- Não poderia insultar o senhor Henrique Sanches sem que ele me desse motivos para isso.

- Bom, independente de quem dependa, só peço que, por favor, não aborreça Henrique dessa vez - ele esperou algum sinal de Ruan que mostrasse que ele havia entendido e que acataria sua ordem, contudo ele nada fez; então o Sr. Arantes soprou um ar de desapontamento, deu de ombros e saiu da sala.

~*~

Ruan tinha resolvido buscar alguma fruta na cozinha e para isso precisou cruzar o salão principal, mas nesse exato momento o mordomo abriu a porta e Henrique e mais um outro homem, que Ruan ainda não conhecia, foram convidados a entrarem, pelo Sr. Arantes, que já os aguardava sentado no sofá e nesse instante se acercou da porta. Em momento algum Ruan teve interesse em opor-se ao pedido do Sr. Arantes, todavia não teve como adivinhar que eles chegariam logo quando ele passava para a cozinha.

- Quem é o cavalheiro? - indagou o outro amigo do Sr. Arantes, após os cumprimentos e tendo avistado Ruan. Ele tinha cabelos grisalhos e um cavanhaque bem feito; era um palmo mais alto que o Sr. Arantes e estava vestindo um terno marron - Nunca o vi aqui antes.

- Ah - o Sr. Arantes disse com um ar de aversão ao ver que Ruan estava ali; mas antes que pudesse responder, Ruan se aproximou com passos compridos deles e Henrique não conseguiu disfarçar seu incômodo.

- Prazer, Ruan Gaspar - Ruan se apresentou ao homem, estendendo-lhe a mão -, detetive particular do Sr. Arantes.

- Estevão Fonseca - o homem fez sua apresentação, apertando a mão de Ruan e virando o rosto para o Sr. Arantes à sua esquerda, para ressaltar o que ouvira e foi simpático no tom da voz - Detetive?

- É que eu o contratei para investigar um certo probleminha que está se passando aqui em casa - explicou o Sr. Arantes, meio sem graça e tomando cuidado para não detalhar mais o caso, em razão de que Estevão era um amigo, mas não ao qual confiava as situações de sua vida num todo - Ele é um detetive muito profissional e demasiado dedicado ao que faz. Me corrija se eu estiver errado, Ruan! Ele trabalha essencialmente com discrição e tem...

- É... O senhor está errado - Ruan cortou-o rapidamente para corrigí-lo, no que este outro calou e fitou com assombro o detetive - Eu não diria que trabalho essencialmente com a discrição, mas com a observação e paciência. Ser discreto às vezes é perda de tempo.

Os senhores ficaram mudos, com excessão de Henrique, que até aquele dado momento não mencionara uma única palavra.

- Uma resposta muito inteligente! - falou Estevão, quebrando o ar de frieza entre eles e dando uma pequena risada, a qual o Sr. Arantes tentou acompanhar, contudo Henrique não desfazia o cenho imutável.

- Bem, vamos nos sentar ali - o Sr. Arantes estendeu o braço para frente onde ficavam os sofás.

Estevão consentiu e retirou a casaca, pendurou-a no cabideiro perto da porta de entrada e acompanhou o Sr. Arantes. Logo mais Henrique fez o mesmo; ora quando pendurou sua casaca no cabideiro, deixou um papel cair no chão e não tendo ele percebido, foi se sentar junto aos outros. Mas Ruan percebeu o papel cair e se agachou para apanhá-lo, descobrindo que na verdade era uma fotografia. Veio a primeira desconfiança... Uma fotografia? O que mais tinha sumido na mansão! Mas quando ele olhou para a foto, teve uma surpresa... Não, uma grande surpresa! Estava na imagem uma mulher com roupas de aparência muito humilde, segurando um cão que parecia não ser de raça; no fundo havia uma casa pequena, sem reboque, com uma bicicleta escorada no muro e ao lado da mulher quem mais surpreendeu a Ruan, um homem que ele reconheceria em qualquer lugar...

- O jardineiro Jacó? - disse ele consigo mesmo, à medida que congelava a vista na parede e acabava seduzido pelo olhar misterioso da mulher pintada no grande quadro, sem que aquilo tivesse a ver com os pensamentos que Ruan estava alimentando.

E ainda no verso da fotografia, havia uma mensagem com uma caligrafia não muito primoroa, se não um tanto forçada. Dizia: "sentimos saudade de você, filho Henrique."

Pôs depressa a fotografia num dos bolsos da casaca do Sr. Sanches e voltou a vista para eles, estes que estavam tão discontraídos com a conversa que podiam até ter esquecido que o detetive ainda estava por ali. Ora Ruan achou propício deixá-los à vontade e atravessou o salão para fazer o que já tinha pensado em fazer antes: pegar uma saborosa fruta na cozinha.

Horas depois, quando os senhores se despediam do senhor da mansão, Ruan saiu da cozinha, caminhou até o janelão do grande salão e através dele observou a saída dos dois. O Sr. Estevão Fonseca adiantou-se em alcançar o carro, já o Sr. Henrique Sanches diminuiu a velocidade dos passos para fazer uma rápida reverência ao jardineiro que regava a grama; o sorriso que os dois trocaram e o modo como o Sr. Sanches manteve uma certa distância e controle, fez Ruan notar uma mescla de carinho e desprezo. Como podia?

~*Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 22/09/2016
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