~*SENHOR DAS DESCONFIANÇAS*~ cap. LIV

Ainda no escritório de Ruan, ele e Thalia conversavam, de pé, um frente ao outro; mas enquanto Ruan prestava atenção no rosto de Thalia, ela tinha os olhos fitos na mala aberta encima da cadeira.

- Então você vai ter que ir? - perguntou Thalia, mas não pareceu bem uma pergunta, senão uma afirmação.

- Sim - Ruan confirmou, sem tirar as mãos dos bolsos da calça.

- Hhm... Vou sentir sua falta - ela olhou nos olhos de Ruan, muito nervosa por dentro.

- Também sentirei sua falta - ele sorriu.

- E quando você vai?

- Amanhã cedo - respondeu e notou a surpresa nos olhos de Thalia.

- Bom... Então acho que ainda temos tempo para uma última partida de xadrez - disse Thalia, risonha.

- Sério? Você quer? - perguntou Ruan, animando-se.

- Acho que mereço uma segunda chance. Quero uma revanche!

- Tem certeza? Depois de tantas jogadas que você perdeu... - Ruan virou o rosto e deixou o olhar cair ao chão.

- Mas só foi uma jogada! - Thalia exclamou, a rir junto de Ruan.

- Que valeu por muitas.

- Então vamos jogar, ou não?

- Será um prazer, mas... Antes eu preciso terminar de guardar algumas coisas na mala - ele girou o corpo para fitar a escrivaninha.

- Se quiser, eu posso te ajudar - o tom da voz de Thalia foi mais frio dessa vez -, embora isso me deixe um pouco triste.

- Nossa, estou começando a ficar preocupado - virou-se Ruan para ela ao escutar aquilo - Você fala como se nunca mais pudéssemos nos encontrar.

- É porque muitas vezes é isso o que acontece... As pessoas acabam perdendo para sempre quem tanto gosta.

Thalia baixou o rosto ao falar e houve silêncio de ambas as partes. Mas ao erguer o rosto e reparar que Ruan a observava detalhadamente, Thalia dissimulou e caminhou até a escrivaninha, tocando em alguns objetos sobre ela.

- O que você vai guardar?

~*~

Agora, sem os cadernos, livros e objetos do detetive e só o tabuleiro de xadrez sobre a escrivaninha, Ruan e Thalia terminavam o jogo.

- Xeque-Mate! - Thalia exclamou, movendo sua "dama" uma casa a frente, deixando o "rei" de Ruan sem saída e vencendo a partida.

- Estou impressionado! - disse Ruan, fazendo movimentos com os braços, sorrindo e relaxando as costas na cadeira do convidado, sim, pois atrevidamente Thalia ocupou sua cadeira e ele teve que se sentar na outra - Como conseguiu?

- Quando um guerreiro perde uma batalha, se prepara rigorosamente para acertar na próxima.

- Sei...

Depois de observar por alguns segundos Thalia, Ruan se fez de pé, segurou nos ombros da cadeira e levou ela para perto de Thalia; então se sentou bem ao seu lado, o que a impressionou, ficando com o corpo tenso e o coração apressado. Sentado, Ruan inclinou a coluna, de modo que seus cotovelos ficaram sobre as pernas e as mãos sob o queixo; virou o rosto para o lado, para apreciar Thalia e isso só a deixava tímida.

- Confesso que vou sentir saudades da mansão - falava Ruan, desviando a visão de Thalia e observando as paredes -, desse escritório... Das pessoas daqui e até das noites mal dormidas que passei desvendando segredos.

- Mas veja pelo lado bom: agora você poderá tomar um descanso - Thalia disse com doçura - E também rever sua amada! Deve estar com muita sauda...

- Nós terminamos - ele contou, em um tom gélido e carregado.

- Ah... - ela o fitou no rosto, enquanto ele olhava para frente; e ficou observando-o com um semblante de lamento e consideração - Então foi isso que te deixou tão desfalecido naquela tarde?

- Sim.

- Eu sinto muito...

- Eu também sentia muito, mas parece que não foi o suficiente - Ruan enconstou as costas na cadeira, mantendo a vista fixa na parede frontal.

- Você vai ficar bem? - perguntou Thalia, ainda o fitando.

- Tomara que sim. Com um tempo, talvez... O tempo é sempre um bom remédio não é? - ele retrocedeu o olhar para ela e embora aquele assunto não o fisse feliz, mostrou um sorriso singelo nos lábios - E também, às vezes precisamos nos envolver com a pessoa errado para entendermos qual é realmente a pessoa certa para nós.

Thalia não soube como reagir ou o que dizer acerca daquela última frase de Ruan, no que só sorriu, um sorriso que quase não se notava de tão tímido que foi! Mas Ruan ficou a olhando por longos segundos e ela não sabia se devia fugir daquele olhar ou enfrentá-lo; escolheu a segunda opção, isso mexeu com Ruan.

- Sinto vontade de te beijar - foi o que Ruan disse; as palavras suficientes para mover Thalia para distante do chão e de todos os pensamentos que sobravam.

- Nossa... Eu achei que tinha ouvido você dizer que... - ela gaguejava, olhando para ele - Não, eu devo ter ouvido mal, eu...

- Não ouviu mal, eu disse que sinto vontade de beijá-la.

Algo demasiado frio, como um sopro de neve, gelou todo o interior de Thalia; suas mãos congelaram, seus olhos congelaram, contudo sem perderem o brilho, que nesse momento foi maior que o de qualquer estrela. E como batia forte seu coração! Tão forte que doía no peito de Thalia.

- Mas você acabou de sair de um relacionamento e disse que precisaria de um tempo para superar isso! - falou Thalia, com palavras trêmulas - E eu não creio que já tenha se passado tempo suficiente...

- Não vejo que mal um único beijo pode causar - disse, com estabilidade na voz, Ruan.

- Não está brincando comigo, está? Porque o último que tentou brincar comigo, até tentou fugir - dizia ela, com um olhar ameaçador para Ruan -, mas eu afundei a cabeça dele num formigueiro!

- Nossa! - Ruan riu e ao mesmo tempo hesitou, mordendo a mão - Isso é sério?

- Não. Eu nem alcancei ele - ela desmentiu, dando risadas com Ruan.

Os risos foram se calando, o silêncio abraçando a sala... Ruan se levantou só um pouco para mover a cadeira, de modo que ficasse de frente para Thalia; ele a olhou, sem nada dizer; encurvou-se para frente, foi inclinando o rosto, seu rosto estava muito próximo ao de Thalia; ela não fazia nenhum movimento, mas ele inclinava o rosto e aproximava sua boca à dela e não parava de fitar seus lábios. Era o beijo, era agora...

- Lia! - Celina apareceu na porta, chamando a irmã e desmanchando o clima.

Thalia rapidamente virou o rosto e Ruan saltou da cadeira para pegar qualquer livro na estante e disfarçar. Thalia levantou-se, ainda com a emoção à flor da pele e o coração desesperado; caminhou até Celina, perto da porta, e baixou o rosto para lhe falar.

- O que houve? - Thalia perguntou-a, esforçando-se para dissimular sua respiração ofegante.

- É que, já que a mamãe não está aqui, eu pedi para o papai fazer uma trança em meus cabelos... Mas não ficou muito legal - a menina disse, fazendo uma cara de choro.

Thalia reparou no cabelo de Celina, realmente seu pai não sabia fazer tranças, fizera um enrolamento só nos cabelos dela! Thalia olhou para trás, Ruan estava mirando o olhar nela, perto da estante, e os dois riram.

- Venha, eu faço uma trança para você - Thalia falou, voltando o rosto para a irmã e fazendo ela ficar de costas para mexer em seus cabelos.

~*Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 03/11/2016
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