DUAS HISTÓRIAS

Em sua última saída do palácio do Catete, Getúlio Vargas vê através do vidro do carro oficial um menino segurando o livro “Caçadas de Pedrinho” de Monteiro Lobato. Naquele instante pensa: “Se tivesse sido um escritor de histórias infantis, talvez pudesse ter sido feliz...em um outro mundo... mais perfumado...menos corrido. Getúlio Vargas lembra de uma cena de sua infância... o carro passa o cruzamento.

Na última vez que entra pela porta do palácio do Catete. Getúlio Vargas ainda pensa no desfecho para a carta. Um desfecho escrito somente à noite, quando lembra do menino e do livro de Monteiro Lobato:

“Dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história”.

Getúlio acha o final exagerado, mas saíra assim e pronto. Talvez as crianças entendessem.

Sessenta e dois anos, depois André, oito anos, morador da cidade de São Paulo, caminha pela rua Catete em sua viagem ao Rio de Janeiro. O pai mostra ao filho o Palácio do Catete e comenta sobre o suicídio de Getúlio Vargas.

- Era o presidente do Brasil e neste palácio ele se matou com um tiro de revólver no coração! Foi em agosto de 1954. O quarto onde ele dormia ficou manchado de sangue.

André até entende o sangue; não entende o suicídio; quando retorna a São Paulo, antes de voltar à escola, vê uma árvore, na casa da sua avó, repleta de amoras. As amoras caem no chão deixando-o todo vermelho como se manchado de sangue. O menino admirado chega a comentar:

- Há mais de um milhão de amoras na sua árvore, vovó!

André então lembra da viagem e pensa que a professora irá perguntar algo sobre o Rio de Janeiro. Se perguntar, ele deverá contar uma história bem exagerada, igual aquela árvore da avó...e neste momento, André pensa no presidente Getúlio Vargas. Ele pode ser a história exagerada, outra árvore com amoras pelo chão, como esta da casa da sua avó.

André prepara a história e imagina como todos ficarão impressionados.

A professora durante a aula realmente pede que André conte sobre a viagem ao Rio de Janeiro. André conta a viagem e a professora vai aos poucos desenhando na lousa as partes da narração do menino:

- ... e no fim, dentro do palácio, meu pai disse que o presidente do Brasil, Getúlio Vargas, que morava no palácio do Catete, se matou com um tiro de revólver no coração... o quarto dele ficou tão vermelho de sangue quanto um milhão de amoras pisadas!

- Que desfecho mais horrível, André! – comenta a professora. Esta história é matéria do colegial e estamos na quinta série. Vamos apagar logo a lousa para começar a história da viagem da Suzana.

O menino engole o descaso da professora, a mulher não entende nada de histórias. André fica chateado e depois se acalma quando percebe que todas as boas histórias são exageradas... e isso porque existem poucas árvores de amoras vermelhas ou poucos presidentes ensanguentados”.

Paulo Fontenelle de Araujo
Enviado por Paulo Fontenelle de Araujo em 06/11/2016
Reeditado em 16/10/2023
Código do texto: T5814692
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