EDGAR SOLENE | O caso Amanda Rosa | capítulo 5

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Clemente saiu da cozinha equilibrando uma caneca grande de chá de erva cidreira com leite. A bebida estava quente, pelando, do jeito que o ancião gosta. Na TV o noticiário local informa sobre as condições do tempo para o dia e o restante da semana. O ex escrivão sorveu um belo gole do chá e o sabor o fez voltar na época em que exercia sua tarefa sempre com primazia. Clemente era o melhor, o mais safo e também o mais inteligente. Quantas foram as vezes em que, investigadores recorreram a ele buscando auxílio.

- Já pensou em mudar de função? – perguntou um policial na época.

- Claro que já, mas penso eu que, se eu for para as ruas, vocês irão perder um bom escrivão que sou. Deixe-me agindo no bastidores, será melhor.

Ele tinha razão. Mesmo sentado diante de uma máquina de escrever dentro de um departamento policial Clemente ajudou a solucionar crimes a níveis de complexidade absurdas. O bicho era fera.

Agora o âncora do noticiário passou a relatar sobre o caso Amanda Rosa tirando o velho escrivão de seu passado glorioso.

- O caso que chocou o pais segue sem culpado. A polícia ainda não conseguiu localizar o paradeiro do assassino de Amanda Rosa. Nós conversamos com o policial responsável pelo caso, vamos ver um trecho.

Ao ver o amigo totalmente sem graça na frente das câmeras, Clemente não conseguiu conter a risada.

- Essa não vou deixar passar. – tomou mais chá.

- Investigador Edgar o que podemos esperar da polícia nas próximas horas?

- Trabalho! É o que temos feito desde quando tudo começou. É um caso difícil, não é fácil pegar um criminoso numa cidade gigante como está, mas asseguro que dentro de muito em breve teremos esse caso finalizado.

- Muito bom, meu garoto. Se saiu muito bem. – Clemente aplaudiu.

Ao terminar de falar ouviu-se uma buzina conhecida.

- Falando no diabo...

*

Falar com Clemente era quase que uma necessidade básica. Vou além disso. Conversar com ele me deixava desperto, em alerta, o velho recarregava minhas baterias e me fazia crer que eu poderia me doar sempre um pouco mais.

- Acabei de assistir sua entrevista na TV. Ficou uma merda. – disse abrindo o portão.

- Ah, não diga. – eu não estava acreditando muito, por isso precisei parar e olhar nos olhos dele. – está falando sério?

- Claro que estou. Vamos entrando.

A desordem. O mal cheiro e a pouca luminosidade dentro daquela casa era algo marcante, porém nunca me incomodaram. Talvez porque o que eu sentia por ele me fazia passar por cima de coisas tipo essas. Mais do que falta de organização e limpeza é o que sentimos pelo nosso semelhante. Pensei ao me jogar na cadeira.

- Pretende ir ao sepultamento?- pegou a leiteira.

- Sim!

- Fique em constante vigilância. O assassino sempre volta para ver com os próprios olhos os momentos finais de sua obra.

- Você acha que ele vai estar lá hoje? Eu acho que não.

Clemente era do tipo de pessoa que usava o silêncio a seu favor, era uma forma de se poupar ou talvez fazer com que a pessoa pense um pouco mais no que falou. Foi o que fiz. Meditei por um estante e em seguida ele completou.

- Um lema bastante antigo no meio policial, mas que funciona perfeitamente é “ver é melhor do que não ver" entendeu?

Eu tive que acatar.

- Sim!

- Quem matou essa garota tem sua autoconfiança nas alturas e também tem a certeza da impunidade. Normalmente os mais providos pensam assim, por terem mais condições que os outros se acham os bambambãs.

Ele estava mais do que certo.

- Por isso, meu filho, faça o que tem que fazer.

O clima estava começando a nos deixar pra baixo, por isso resolvi brincar com meu amigo.

- Estou precisando de um parceiro.

- Ah, não mesmo. Se você ainda fosse uma morena linda com um traseiro grande...

Rimos juntos. Rir faz muito bem. É um remédio que não se encontra facilmente por ai. Depois de tomar o café fraco de meu ancião preferido fui pra casa me preparar para o que viria a seguir.

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Júlio Finegan
Enviado por Júlio Finegan em 25/09/2022
Código do texto: T7613864
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