O caso do advogado suicida (parte1)

– Olá, John! Posso entrar?

– Você já entrou Mike, o que quer? – Respondeu John, secamente, levantando os olhos dos papéis à sua frente.

– Na verdade, não sei ainda o que quero, entende? – Disse Mike, desconcertado com o mau humor do colega.

– Diga de uma vez que estou muito ocupado! – Resmungou John, voltando a ler o inquérito que tinha nas mãos.

Mike fechou a porta da sala de John um tanto indeciso, mas sentou-se à frente do amigo e pôs as mãos em cima da mesa unidas. Ainda desconcertado, começou a falar escolhendo as melhores palavras:

– Você deve saber que as pessoas, às vezes, sem querer dizem coisas que nos fazem pensar e aí falamos outras que não queríamos dizer e então...

– Droga, Mike! Vá direto ao assunto! – Gritou John, de repente.

O legista, visivelmente perturbado com a explosão do amigo, gaguejou:

– Desculpe, John! Eu só estava... – e interrompendo-se bruscamente exclamou: – Olhem

só! É aquele caso da Harven que você está estudando, não é? Não sabia que ela havia emprestado a você! Fizeram as pazes?

Mike, ao observar a expressão do amigo, arrependeu-se do comentário e engoliu em seco. Assim, decidiu não mais tocar no assunto e continuou:

– Bem, é sobre uma moça que conheci outro dia num bar aqui perto da delegacia...

– E? – Perguntou John, recobrando a calma.

– Ela era secretária daquele advogado que morreu há dois meses atrás com um tiro na cabeça.

– Sei, sei! Um caso de suicídio que recebeu o maior estardalhaço dos jornais. O cara estava cheio de dívidas e ia falir, aí ele entra no escritório, escreve uma carta melosa dá um tiro na cabeça, a secretária encontra o corpo, mas é tarde demais. Dois meses depois encontra com o homem que resolverá sua vida e este homem agora está aqui na minha sala tentando me contar mais uma de suas desventuras amorosas...

– Não, John, ele não resolverá a vida dela e nem veio aqui para contar mais uma desventura amorosa... Antes fosse... – Concluiu em tom enigmático.

John baixou os papéis e olhou para Mike, preocupado com seu tom de voz.

– Então...?

– Não foi suicídio, agora eu sei...

– Como?

– Ela foi assassinada ontem e hoje fiz sua autópsia. – Declarou ele solenemente.

John piscou várias vezes e levantou-se. Estava preocupado, muito preocupado. Foi até a janela e ali ficou olhando para fora, através da vidraça.

– O que ela lhe contou? – Perguntou de repente, retirando Mike de seus pensamentos.

– Que ela achava que não havia sido suicídio. Todos diziam que ela estava louca, pois ela mesma estava lá quando aconteceu. Não havia mais ninguém no andar que estava alugado para o escritório a não ser eles dois.

– Conte-me com detalhes. – Pediu John, sentando-se novamente.

– Eu saí do Centro de Perícias ontem e não estava com vontade de ir para casa. Eram oito horas da noite e decidi ir aquele bar jantar alguma coisa. Quando cheguei, todas as mesas estavam ocupadas e ela estava sozinha em uma mesa para quatro pessoas, aí me aproximei e perguntei se podia dividir a mesa com ela e prometi não incomodá-la. Mas, ela começou a falar pelos cotovelos sobre o tempo, o trânsito e sobre os motoristas de hoje e como dirigir aqui podia ser difícil às vezes.

– “Você tem carro?” – Perguntei.

– “Não, não tenho. Costumo andar de metrô, mas ultimamente só tenho me locomovido de táxi. Sinto-me mais segura. A propósito você é policial, não é?”

– “Por que a pergunta?” – Perguntei desconfiado. Ela me olhou e parecia estar muito certa de que eu era. Foi aí que prestei atenção nela. Era uma mulher baixa, gorda, rosto redondo, usava óculos, não era bonita e muito menos parecia inteligente, parecia amedrontada, encolhia-se toda quando alguém entrava no bar. Achei estranho o fato de ela ter permitido que eu me sentasse ali. Eu estava de costas para a entrada, mas pelo reflexo das lentes dela, podia perceber a aproximação de alguém da nossa mesa e como ela ficava tensa quando isto acontecia. Achei que ela fosse paranóica, mas quando ela respondeu, parecia estar pedindo ajuda.

– “Se você for policial, posso lhe contar uma estória não muito agradável, mas que pode lhe interessar...”

– A esta altura, eu já estava bastante curioso e respondi que ela podia contar, que eu era policial e... ué? Você não vai me recriminar por ter mentido? – Perguntou ao fim de um momento.

– Você está contando e eu estou ouvindo, continue! – Respondeu John.

– E aí ela contou que naquele dia ele a dispensara mais cedo com a desculpa de que teria uma reunião com uns clientes. – Continuou Mike, grato pela imparcialidade do amigo. –

É claro que ela estranhou, pois há muito tempo não havia cliente algum e todas as reuniões passavam por ela e ela sempre estava presente nelas. O fato é que ela realmente saiu mais cedo, mas esquecera as chaves do apartamento na gaveta, então ela voltou. Quando saiu do elevador, viu que a porta da sala estava aberta e ao entrar, não viu ninguém. Foi até a mesa, pegou as chaves e pensou ter ouvido um ruído na sala do chefe e foi aí que resolveu entrar lá... – Neste ponto, Mike, fez uma pausa significativa, olhando para John que, de olhos fechados, escutava tudo com atenção. Mas, com o súbito silêncio do amigo, abriu os olhos e perguntou:

– Por que parou?

– Acho que este é o ponto mais intrigante. – Respondeu o legista.

– Claro! É nesta parte que ela encontra o corpo... Já sei aonde quer chegar... Você quer ser fiel às palavras dela na hora de reconstituir a cena, não é mesmo?

– Isso! – Animou-se Mike. – Na verdade, eu gostaria que ela estivesse contando esta estória para você... Mas, já que não é assim, sigo adiante!

– Quanto tempo ela ficou fora, depois que foi dispensada? – Perguntou de repente John.

– De acordo com ela, uns cinco minutos, tempo suficiente para esperar o elevador, descer três andares, chegar ao portão do edifício e lembrar-se das chaves.

– Hummm... Então ela foi a última a vê-lo vivo...

– No que está pensando? – Inquietou-se Mike.

– Nada por enquanto... Mas, descreva-me com o máximo de detalhes o momento em que ela encontrou o corpo. – Pediu John, fechando os olhos novamente.

– Como ela mesma contou, empurrou a porta devagarinho, com medo de atrapalhar algo importante, mas viu que não havia mais ninguém na sala do chefe além dela e do homem estendido sobre o tapete no meio do recinto... Ela não ficou ali muito tempo, mas viu nitidamente um pequeno orifício na testa cor escarlate, o rosto virado para a porta, os olhos arregalados... Ela gritou de pavor e saiu correndo pedindo por socorro, foi aí que esbarrou com os pés em algo que estava ao pé da porta... era uma pistola. Enlouquecida de terror, correu para fora da sala, mas o elevador não respondeu, então desceu as escadas pedindo ajuda até que o porteiro veio ao encontro dos gritos dela... Chamaram a polícia e eles fizeram muitas perguntas que ela não soube responder, mas respondeu. Depois disso, soube que haviam encontrado uma carta deixada por ele e que bem se acreditava, tratava-se de um caso de um suicídio... os exames de balística comprovaram. Nos jornais, ela viu uma foto do ex-patrão morto no escritório e notou quase sem querer que a pistola estava perto da mão do morto... Ela não deu muita importância ao fato naquele momento, mas depois, inconscientemente, lembrou-se que a pistola estava bem longe do corpo e que havia tropeçado nela quando encontrou o cadáver... Mais tarde, à procura de mais informações, resolveu voltar ao escritório. Lá, conversou com o porteiro que sustenta até hoje a afirmação de que não havia mais ninguém no edifício a não ser ela e o advogado, além dele, é claro... E o que assusta é que as imagens do circuito interno do prédio reforçam o que ele diz...

– Ela tinha uma boa memória? – Quis saber John.

– Sim, pelo menos é o que parecia, pois ao ver o escritório de novo, lembrou-se que não havia notado a presença da tal carta que, de acordo com a polícia havia sido encontrada sobre o peito do defunto e também outra coisa chamara a atenção dela...

– O quê?

– A carta havia sido digitada e impressa!

– E o que é estranho nisso?

– Ele nunca usava o computador e só havia um, que estava na mesa dela, na sala contígua a dele e quer saber mais? O computador tinha uma senha que só ela conhecia, pois guardava ali todos os importantes casos que o patrão havia defendido...

– Sei... E a memória do computador estava intacta?

– ...?

– Alguém quebrou a senha?

– ...??

– Quero saber se houve a possibilidade da carta ter sido digitada no computador dela... –

Explicou John com um revirar de olhos.

– Ah! Não, isto não! Tudo estava no lugar no computador...

– E o teor da carta?

– Ah, isso é o melhor! Como eu sabia que perguntaria sobre isso, pesquisei nos jornais da época e ei-la aqui! Mas, não acho que sirva para alguma coisa... Aí ele diz que viver a vergonha da falência era demais para ele suportar e blá, blá, blá...

– É, estou vendo! – Disse John, ao passar os olhos pelas poucas linhas que constituíam a carta.

– Agora, como ela morreu? – Perguntou John, depois de devolver o recorte de jornal ao legista.

– Rolou uma escada, quebrou o pescoço.

– Poderia ter sido acidente...

– Mas não foi...

– Por que tanta certeza?

Continua...