O caso do afogado misterioso

Um chamado urgente levou o detetive John ao porto da cidade. Ele praguejava contra o vento frio e a fina garoa que molhava seus óculos, embaçando-os. Fazer o quê? Se os tirasse, acabaria caindo num buraco. Ao menos com os óculos embaçados, evitava os mais “visíveis”. Um carro passou por ele em alta velocidade, espirrando lama em seu casaco. “Diabos me levem! Deveria ter ficado em casa!”

Há poucos metros de onde haviam desonrado sua dignidade e elegância, avistava-se dois carros da policia, uma viatura do resgate e o carro do legista, ao lado do qual agora estacionava o filho da mãe que o havia sujado e ao vê-lo, sentiu inflar os pulmões de pura indignação. Mas, ao se aproximar do burburinho de policiais, sentiu estremecer violentamente ao ver quem dirigia o tal veiculo e cumprimentava nesse instante o legista. “Sim! Eu deveria ter ficado em casa!” – Pensou, desconsolado.

– Olá John! Mas o que houve com a sua roupa? – Perguntou Mike, ao ver seu estado.

– Nada demais... – Respondeu olhando ameaçadoramente para a motorista que o sujara.

– Chuvinha chata não acha? – Devolveu Melissa sorrindo, divertida.

– O que faz aqui, Harven? Não é um pouco cedo para estar aqui?

– Com medo que eu desvende o caso antes de você?

– Vamos, vocês dois! Nada de discussões! Dessa vez não vai ser fácil descobrir alguma coisa! – Interveio Mike.

– Então diga por que me chamou em plena madrugada chuvosa de domingo? – Protestou John, ainda com vontade de esganar Melissa.

– Um homem cometeu suicídio por afogamento...

– Suicídio? Você me chamou para investigar um caso de suicídio? Então deixe-me pensar... Ah! Já sei! Foi ele mesmo quem se matou, oras! – Explodiu o detetive, interrompendo o legista.

Melissa, que havia se afastado até onde estava o corpo, já estava em ação com suas luvas de pelica, pinças, tubos de ensaios e frascos de soluções reveladoras.

– Acho melhor você ver isto de perto... – Insistiu Mike, apontando para Melissa.

– Sendo assim, também acho. – Resmungou, encaminhando-se para onde estava o cadáver, seguido de Mike.

Ao sentir a aproximação dos dois, Melissa começou a narrar o que ia encontrando:

– Havia sangue coagulado no rosto dele, mas foi limpo antes de jogarem na água. Sem hematomas visíveis pelo corpo... Humm... Este cachecol está muito apertado... Existe apenas um corte feito com um objeto perfurocortante no antebraço direito. A julgar pelo sentido do corte, foi feito quando ele o erguia para se defender do golpe. Isso deve dizer que houve uma briga antes... e, provavelmente, estava morto quando o jogaram e...

– Mais um caso de envenenamento, presumo? – Ironizou o detetive.

– Talvez, detetive, mas o que se vê aqui é o que quer que se pareça: um suicídio. – Respondeu, enigmática. E virando-se para o legista:

– Por acaso não encontraram alguma carta?

– Encontramos sim... como...?

– Mostre-me! – Ordenou Melissa, enérgica como sempre.

Mike obedeceu-lhe entregando-lhe um envelope branco envolto em um plástico. Com muito cuidado e com a ajuda de uma de suas pinças, Melissa abriu o envelope e de dentro tirou uma folha de papel muito bem escrita, letra firme e clara.

– Não há rasuras e a folha está em perfeitas condições. Também não há digitais. Tiveram o cuidado de manter esta carta intacta, para que a encontrássemos... – Concluiu, usando uma lupa. Passou os olhos rapidamente e entregou-a a John que instantaneamente pegou o papel. E nela leu em voz alta:

A quem encontrar isto,

Não posso mais continuar vivendo. Perdi minha razão de viver e esta dor é maior que todas as dores...

Diga a policia que não culpe ninguém! O culpado sou eu mesmo...

Sou indigno de viver!

F.A.

– Isto é ridículo! Que tipo de imbecil acreditaria nessa carta? – Exasperou-se John ao terminar a leitura e contemplar as expressões dos que ouviam. Melissa sorria, divertindo-se; Mike oscilava entre preocupado e assustado; os policiais, apreensivos.

– Detetive, o que acha da assinatura? – Perguntou Melissa.

– Oras! Se este camarada queria chamar atenção da opinião pública e da imprensa, por que assinar com as iniciais apenas? Qualquer um teria escrito mais detalhes. Isso é o que todo suicida quer! Parecer a vitima de alguém cruel e insensível capaz de levá-lo a morte...

– E quem disse que eram as iniciais dele? – Provocou Melissa.

– !?

– ...

– O nome dele era Archibaldie Fuster. – Revela a moça.

– Como sabe? Não há nenhum documento com ele! – Espantou-se Mike.

John, abaixando-se, observa o cadáver com mais atenção, revistando-lhe o casaco e responde:

– Mike, o casaco que ele está usando foi feito em uma loja fina que só trabalha por encomendas. Se olhar a barra do casaco, descobrirá o nome gravado!

E com um tapa na testa, Mike sofreu um estalo de memória:

– O ricaço dos automóveis! Também, afogado desse jeito quem reconheceria?

Melissa deixou escapar um suspiro de impaciência.

– Fez bem em ter me chamado. Não foi suicídio. Foi assassinato! – Disse John, perdoando-lhe todas as desventuras daquela noite.

– “Fui Assassinado” – Sussurrou Melissa.

– Parece que já descobriu! E quando vai nos revelar? – perguntou John, subitamente, para Melissa, em tom de provocação.

– Só preciso terminar as investigações no cadáver, “detetive”.

– Então vamos lá! – Animou-se Mike.

– Mike, não se esqueça que o legista aqui é você! – Disse Melissa.

– Está bem! Então vamos remover o corpo... – Desanimou-se ele.

– Só mais algumas questões. – Interrompeu John.

– Faça-as, detetive. – Pediu Melissa.

John, andando pelo cais, olhava o chão atentamente. Sem sucesso, dirigiu-se a um dos policiais perguntando quem havia achado o corpo. O policial respondeu que estava fazendo sua ronda, quando o vigia do porto o interceptou na rua para informar que havia um homem na água, preso entre as pedras que controlavam a vazão das marés em caso de cheias. O policial também acrescentou que não havia visto ou ouvido nada durante sua ronda, informação corroborada pelo vigia do porto que ali também estava para prestar esclarecimentos. As anotações de John eram rápidas, um pouco prejudicadas pela garoa que insistia em cair. Aproximando-se dos colegas, disse:

– Bem, parece que todos estamos loucos por um café forte...

– Já ordenei a remoção do corpo... – Anunciou Mike.

Melissa, sem dizer nada e bastante pensativa, saiu em seu carro, seguida de Mike e John. Assim, o comboio da polícia dirigia-se ao Centro de Perícias, onde poderiam desvendar o caso com mais recursos. Mas, como pensava Melissa, estava mais interessada em descobrir quem teria feito aquilo e não em como aconteceu...

Continua...