Dia Mórbido

Manhã quente, dia de domingo muitos vão as ruas para fazer a feira. Churrascos, almoços elaborados. Essa é uma parcela apenas do dia. Uma faceta da sociedade.

Onde estão as pessoas que não têm o que comer não apenas no domingo? Que passam os dias a batalhar e lamentar a sua sorte, a má sorte? Domingo dia dos pais. Penso que este dia foi criado, como tantos outros pra comercializar. Pra aumentar o fluxo de dinheiro dos comércios. Não que seja dispensável ter um dia dedicado a quem tanto se ama, não apenas aos pais, como também aos namorados, as mães, etc, etc.

Hoje acordei com a sensação de todos os domingos. Alma gélida. Um tédio. Dia perfeitamente dispensável no meu calendário semanal. Odeio os domingos. Pode ser porque não tenha o que fazer no domingo, não tenha mais família não tenha com quem dividir almoços de domingo.

Pela manhã liguei a TV, passava um programa em homenagem aos pais. Mudei de canal, passava uma noticia ‘quente’. Não entendo como as pessoas conseguem fazer sensacionalismo com as tragédias alheias. Uma Van atropela e mata uma senhora grávida e a filha de seis anos que ia à garupa de sua bicicleta. Fico horrorizada. Incrível é que logo após a notícia a TV passa a mostrar uma receita de chouriço, que é feito de sangue. Começo a analisar a fragilidade do ser humano e a pouca importância que dão as coisas que acontecem na vida. Perco a fome. Imagino aquele sangue todo que havia na rua, no acidente, e imagino o chouriço. Sangue humano. Tenho náuseas.

Resolvo sair. Infelizmente fiz a escolha errada da rua e acabo por passar pela mesma rua do acidente. Realmente há sangue para todos os lados, víceras e pedaços, pedaços de gente espalhados pela avenida, mesmo tudo tento sido devidamente bloqueado para que o povo não chegasse perto, ainda assim uma multidão atravancava o caminho pelas calçadas e passeios.

Ouvi um menino dizendo para a mãe ‘mãe quanta carne jogada e nós passando fome, será que eles num dão um pouco pra gente?’ Que inocência, ou seria talvez um sentimento querendo acordar dentro do menino, sentimento canibal que se desenvolve aos poucos?

Não somos todos canibais quando queremos engolir uns aos outros na sociedade capitalista e sem misericórdia? Que ao invés de solidarizar-se com os outros vê acidentes e continua a churrasquear tranquilamente, sem ao menos pensar nas famílias ou fazer um minuto de silêncio?

Acidentes, churrasco e capitalismo... Três coisas distintas, mas com algo em comum: sangue.

Volto pra casa, quem sabe faço um chouriço? Minha náusea passou. A gente acaba se acostumando com as tragédias mesmo, pra que se preocupar? Ligo o PC e procuro uma receita que leve sangue...

Milena Campello
Enviado por Milena Campello em 09/02/2009
Código do texto: T1430092
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