Os desejos do cafajeste

Henrique se pôs em um ângulo onde melhor pudesse visualizar o relicário de seus anseios. Ajeitou-se na poltrona macia de pele de cabra da sala com paredes bege; ajeitou, puxando a armação dos seus óculos para baixo quando avistou, em sua frente, o belo par de pernas que inquietos, afastavam-se e uniam-se, balançavam sem parar.

“Oh! Quanto esplendor e formosura sem igual.” – ele pensava enquanto tentava organizar seus pensamentos e os olhos já faziam todo o percurso que suas mãos, dedos, tronco e boca desejavam fazer no quarto azul da casa dos sonhos coloridos.

Entre 18 e 22 anos, não mais do que isso, a menina-mulher vestia uma indumentária extremamente feminina, algo surreal, deveras inacreditável.

Hoje em dia, lamentavelmente, em nome da malignidade social, malversação dos recursos familiares e utópica igualdade masculina as mulheres fazem questão de masculinizarem suas formas (com vestimentas toscas e próprias para os homens), graciosamente feminis por natureza e dádiva da providência divina.

“Que monumento, sandice em forma de mulher...”! Os pensamentos de Henrique estavam embriagados pela luxúria reprimida. Uma comichão como um sentimento de aflição, impaciência, ansiedade e sensação cutânea incômoda fizeram o homem sério e poeta das ilusões esfregarem os joelhos um no outro com vistas a amenizar a impudicícia que se exteriorizava crescente.

Nessa ocasião ele só pensava na sua primeira professora do primário, a adolescente Rute, na tia Cristina irmã de seu falecido papai Muniz e na Santa que aos 19 anos ensinara-lhe as delícias do sexo sem lindes! Foram essas mulheres que fortaleceram suas convicções e se responsabilizaram por sua opção sexual edificante.

Ela não era uma mulher comum. Há mulheres que provocam piedade, riso; são frouxas, feias, relaxadas, vivem com dó de si mesmas; tem dentes malcuidados, pescoço taurino, gordura em excesso no abdômen, nas coxas, nas costas, no rosto.

Aquela diva que se encontrava na mesma sala era diferente. De entre as pernas aspergia essência de jasmim. De seus cabelos uma luz tênue reluzia delicada sobre o esplendor do rosto bem proporcionado.

As mãos delicadas e pequenas, com unhas bem-feitas, sintetizavam a feminilidade, modos feminis que o vestido florido acentuava marcando a cintura de retrós fazendo ressaltarem as curvas e formas do busto e dos quadris divinos.

Sua boca carmim, suas nádegas provocantes, apoiadas por coxas que acompanhavam o torneado das pernas bem proporcionadas faziam a festa dos homens gulosos, mas Henrique também era um ser incomum. Ele exteriorizava os desejos do cafajeste e, às vezes, canalha com o sorriso convincente dessa virtude incompreendida.

Henrique tinha uma musa. Hellen Roche! Ele não sabia escrever o nome dessa semideusa, ela não sabia que ele existia, mesmo assim ele a idolatrava não apenas pela cintura de 57 centímetros ou olhos e boca que ensejavam pecados mil.

Henrique gostava de comparar as mulheres que via nas diversas ocasiões com esse monumento e perfeição de fêmea. Helen Ganzarolli também fazia suas madrugadas mais quentes. Essas eram fontes de inspiração poética e por isso mesmo inacessível aos reles mortais.

Henrique tinha desejos de um homem comum e saudável cujos hormônios masculinos explodiam nos sonhos tresloucados. Possuía, também, um sorriso e os desejos do canalha que algumas mulheres adoravam. As pessoas não sabem, mas há diferenças entre o canalha e o cafajeste. Henrique tinha o sorriso de canalha, mas era e gostava de ser um autêntico cafajeste.

Eis as diferenças entre o canalha e o cafajeste:

1-) O canalha transa com uma garota e sai contando pra todos os seus amigos pra tirar vantagem e descarta ela da sua lista. O cafajeste transa, conta só pra seus amigos mais chegados (Henrique não tinha amizades masculinas a quem pudesse contar seus segredos. Ele é demasiado discreto nesses assuntos e outros correlatos), mas mantém contato com a garota. Afinal ele pode precisar dos seus favores quando tiver a perigo, na seca.

2-) O canalha sai beijando todas que vê pela frente na balada. É muito legal ficar disputando com os amigos quem beija mais (afinal seu cérebro parou de se desenvolver aos 14 anos de idade). O cafajeste escolhe uma só, a mais interessante. Fica com ela a noite toda, troca até contatos, por que se não sair do lugar pra transar com ela, vai transar num outro dia.

3-) O canalha não sabe tratar bem uma mulher. É grosso, mal-educado, destrata pessoas humildes ou empregadas como prova de superioridade. O cafajeste sabe quando e com que intensidade agradar. Compra chocolate, bichinhos-bonitinhos-de-pelúcia e leva a restaurantes finos (quando elas podem), com o único objetivo de fazer a mulher se sentir valorizada e assim alcançar seu objetivo, sexo.

4-) O canalha é burro. Seu senso crítico limita-se a análise do gol mais bonito da semana ou de qual a mais gostosa do Big Brother. O cafajeste sabe se virar em qualquer assunto, se é necessário discutir sobre a moda da estação na frente de mulheres ele vira um estilista, se a garota é fã de Chopin ele se torna um frequentador de concertos, etc. O cafajeste é um verdadeiro camaleão!

5-) O canalha adora aparecer. Estufa o peito na frente das mulheres, faz piadas prontas, é o amigão de todo mundo e só sabe contar vantagem. O cafajeste não precisa de autopromoção, o boca a boca é feito pelas próprias pessoas que estão ao seu redor. Ele se adapta ao ambiente mudando sua personalidade de acordo com a ocasião. Ou seja, um é pavão o outro camaleão.

6-) O canalha mente. O cafajeste omite. Se preciso for morre negando suas conquistas e safadezas mais marcantes. É discreto e protege seus amores errantes, principalmente as casadas, comprometidas e assemelhadas.

7-) O canalha não sabe elogiar (ou xavecar, como se diz em São Paulo). Quando o faz é tão ruim que se torna uma cantada de pião, "uau, que gata!", "que delicia", "o la em casa". O cafajeste sabe elogiar os pontos-chaves da mulher, "nossa, lindo o seu cabelo", "que sorriso", "você emagreceu?", "gosto de suas sobrancelhas", "adoro sua unhas escarlates".

8 -) O canalha não sabe cuidar de mais de uma mulher. Acaba confundindo nomes, esquece de ligar pra uma, dá mais atenção pra outra, deixa pistas, etc. O cafajeste sabe tratar todas por igual, quando não está a fim de sair com uma ele liga ou manda um sms "bonitinho" pra não perder contato. E mesmo que a mulher saiba que ele é um cafajeste, ele a faz crer que é especial e que pode rolar algo sério entre ambos.

9-) O canalha deixa pista. Seu "scrapbook" é lotado de recadinhos de mulheres, no "subtitle" do seu msn ele cita nomes de mulheres, seu celular está cheio de mensagens comprometedoras e sua esposa, com ciúme, sempre entrega o jogo ("o x saiu com uma amiga").

10-) O cafajeste possui um endereço no msn só para se comunicar com os familiares. As outras amizades, se quiserem se comunicar com ele, utilizam um endereço comum e não comprometedor. Tudo em nome da excelsa discrição.

11-) O cafajeste apaga todas as pistas e aconselha que suas amigas façam o mesmo, seu "scrapbook" é apagado diariamente, o msn, apesar de usar apenas com seus familiares (filhos e filha) tem "nicks" abrangentes que podem ser adaptados pra qualquer uma ("Que saudades de você"), o celular nunca tem mensagens, e sua esposa é a grande aliada pois ele sempre diz pra ela que foi na casa de um amigo advogado entregar uma petição corrigida.

12-) Canalha é substantivo, cafajeste adjetivo. Para o canalha todas as mulheres são um repasto, uma iguaria fina. Para o cafajeste todas as mulheres são santas especializadas em citar de joelhos o Salmo 23.

O verdadeiro Cafajeste não faz um único tipo, mas sim TODOS OS TIPOS. Ele pode ser qualquer coisa, exatamente qualquer coisa, desde que isso implique em uma transa. Pode ser machão, pode ser mais feminino, pode até fingir que é mais velho (Henrique jura ter 87 anos) ou mais novo (Henrique prova, pela aparência, não ter mais do que 50 anos). Tanto faz. O importante, mesmo, é o sexo convencional ou não.

O Cafajeste é amigo, ou inimigo (nos casos em que abriga e gera uma tensão sexual), é amante das artes, das poesias, da música erudita, ritmo "new age" (Henrique adora Enya, Yanni, Lorena McKennitt e Celine Dion) , é alternativo ou segue modinhas. Ele não liga. Para efeito de conquista e transa, ele se adapta ao meio... E, com maestria, busca o seu propósito de forma recalcitrante, mas conscienciosa.

Enquanto um amador finge que gosta de bossa nova ou funk só para agradar à moça, o Cafajeste não somente se transforma num amante do ritmo, com também aparece com violão debaixo do braço e pelo menos umas dez canções e letras de funk decoradas.

A grande falha de caráter ou desvio de conduta do cafajeste é que ele gosta de mulher ao ponto de não se contentar apenas com uma, nem com duas, nem com três ou quatro. E isso não é algo que muitas aceitam porque as mulheres são demasiado possessivas, de modo que é preciso, vez por outra, fazer as coisas de forma não exatamente explícita.

O Cafajeste adora mulheres e é realmente discreto e amigo; além de conversar e escrever muito bem. Ele é tão esperto que, quando desmascarado, não perde tempo com desculpas irrelevantes e idiotas. Simplesmente congratula a mulher pela perspicácia, assume que tudo é verdade, mas não desiste. E, em muitos casos, tal "sinceridade" acaba dando bons resultados.

Henrique nunca quis ser um substantivo. Ele é um adjetivo porque se considera um autêntico cafajeste, embora tenha o sorriso, os desejos de um notável, assumido e resolvido canalha.