a borboleta azul

O relógio bateu três horas e os olhos de Dora piscaram, enquanto sua boca teve um leve tremor. No mais, permaneceu sentada em sua velha poltrona, totalmente imóvel. De vez em quando estremecia levemente, como se uma aragem fria lhe perpassasse o corpo esguio de pele muito branca destacada pelo tom escuro do seu sóbrio vestido.

Subitmente um ruído de vidros estilhaçados ecoou na enorme sala de paredes altas com muitas janelas que traziam da rua uma vaga luminosidade naquele dia cinzento de julho. Dora estremeceu e ficou muito agitada, como se presumisse um perigo. A casa começou a tremer como se um terremoto a atingisse, os quadros caíam das paredes, as louças quebravam-se nos armários envidraçados e ela jogou -se ao chão tapando os ouvidos e soluçando sem parar. Pelas escadas descia uma luminosidade em forma de nevoeiro e borboletas coloridas surgiram ao bandos, doidamente, tomando todo o espaço. Subitamente o corpo de Dora foi se transformando em um inseto enorme, uma borboleta azul magnífica cujas asas começaram a mover-se lentamente até alçar um vôo muito suave saindo por uma das janelas . As outras, aos milhares, seguiram-na como um rastro de aquarelas em movimento e constante transformação.

A sala ficou num silêncio de sepulcro. As coisas voltaram a seus lugares intactas. Um perfume intenso inundou tudo.

Alta madrugada, ouve-se o ruflar de asas aproximando-se. Maria, a governanta, faz o pelo sinal e some por uma pequena porta que dá acesso às dependências dos criados.

O gigantesco inseto de asas azul-escuras pousa no muro da sacada equilibrando-se nas patas aveludadas. Fica assim por alguns instantes,enquanto seu séquito colorido vai desaparecendo no ar como gotas de chuva. Nuvens escondem uma lua começando a crescer, enquanto uma aragem fria faz tremer levemente as folhagens do jardim. Pouco a pouco, o estranho ser vai diminuindo de tamanho até que seu corpo comece a sofrer uma mutação lenta em que surge primeiro uma cabeça humana, em seguida as asas viram braços, até que finalmente a moça recupere totalmente sua humana forma. Então apóia as mãos no muro e escorrega devagar até os pés tocarem o piso. Vira-se e com os braços dobrados sobre a cabeça, fica ali debruçada, respirando devagar diante do magnífico cenário de altas montanhas e seu jardim repleto de rosas brancas , cuja alvura brilha na escuridão como lantejoulas prateadas.

Umas duas horas depois, sai andando e sobe lentamente a escadaria, chegando ao seu quarto. Através da janela, no final do corredor, dois olhos enormes e negros a observam para, em seguida, bater asas rumo aos bosques do outro lado do rio.

......................................................................................... Dora está adormecida com o livro no seu regaço e acorda-se sobressaltada. Corre a abrir a porta e olha direto para a janela ao fundo do corredor. Somente os raios de sol preenchem a sacada vazia. Um leve tremor lhe percorre o corpo. E, sem que ela perceba, uma minúscula borboleta azul-escuro paira sobre a mureta. Seus olhos negros estão muito brilhantes....

tania orsi vargas
Enviado por tania orsi vargas em 02/10/2009
Reeditado em 03/10/2009
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