Bocados de felicidade

Passos silenciosos ecoam pelo chão molhado.

A lama densa respinga em minha calça jeans azul enquanto ando.

O peso em meus ombros é esmagador e afeta meu caminhar, que agora é arrastado e lento.

Haviam dois caminhos:

Um enlameado, por onde deslizo pela chuva, sentindo o frio e a água tocando meu corpo. Vou seguindo de cabeça baixa, olhando o chão, sozinha. O silêncio na noite perene é tranqüilizador. Vou quando quero, paro quando a dor aperta e sigo na minha velocidade, sem pressa alguma. Ninguém perturba minha paz, ninguém invade minha vida e eu não preciso esconder as lágrimas de nenhum abelhudo qualquer.

Logo ali do lado há outro caminho, onde muitas pessoas caminham juntas. O sol é tão brilhante que parece capaz de cegar. Mas lá ainda existe o vazio, apesar de toda companhia. Lá há ilusão, dor e mentira. Fingimento e futilidade também. Existem pequenas porções de felicidade, porém, estão misturadas ao meio dos outros. Quando se encontra um pedaço é difícil não se agarrar a ele com todas as forças. São pedaços quentes, reconfortantes, estáveis e doces. É muito além do que você espera encontrar e parece ser incapaz de viver sem ele.

Desisti de procurar bocados de felicidade, mas não nego que necessito deles.

Recolhi um pedaço passos atrás. Eu andava debaixo da luz ofuscante e me esbarrei nele. Era afável, se encaixava tão perfeitamente que parecia ser exclusivamente meu, era tão tenro, tão aveludado. Preenchia meu coração de tal maneira que doía. E era uma dor boa, que chegava a anestesiar.

Entretanto havia um problema, sempre há. Existiam cicatrizes em mim, por onde a felicidade escoava e se tornava acre.

Abri mão daquela felicidade. Não por mim, não sou tão estúpida assim. Mas era por ela própria, não havia razão de roubar a luz daquela forma, apagá-la pouco a pouco, até deixar de reluzir.

Haverá outra pessoa que acolherá esta felicidade, que vai lhe encaixar tão perfeitamente em seus braços que toda amargura retornará a ser adocicada.

O bocado caiu dentre meus dedos e voltou para a luz irradiante do sol amarelo e se perdeu entre a multidão barulhenta.

Meu corpo logo sentiu o peso extra, a solidão estava se instalando sobre minhas costas. Um buraco engoliu meu coração e meus pés tomaram o rumo da outra via, o caminho da chuva eterna.

Não dói, não ainda. A dor chegará ao momento certo. Ainda sinto algo me preenchendo, possuo ainda um pouco de conforto. Fiz o que achava certo, não me preocupo de ter perdido minha felicidade, mas sei que tornarei outra pessoa feliz. Sinceramente, pouco me importo agora. As lembranças permanecerão até algum momento. Foi especial, foi bastante especial.

Não é ruim caminhar na chuva, eu gosto. É como se as gotas grosseiras massageassem meu cérebro e me impedisse de sofrer. Eu apenas vagava e me iludia sabendo que a felicidade estava livre e que alguém logo a encontraria e essa pessoa não seria eu, novamente.

E eu vago, tentando preencher minhas cicatrizes para a próxima felicidade não escapar por elas.

E quem sabe eu compre uma capa de chuva... E tomara que eu não pegue um resfriado!

Viajante Ls
Enviado por Viajante Ls em 04/11/2009
Reeditado em 23/11/2009
Código do texto: T1903770
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