A HISTÓRIA NEBULOSA DE UM COSTUME ABOMINÁVEL.

Conforme descrito no Epinofrium, um dos textos apócrifos do Tetralodium, o livro sagrado do Zuriaguismo, que como você sabe ou pelo menos deveria saber, foi a única religião de ateus convictos possivemente existente na história humana, cujos adeptos nunca acreditaram muito nas palavras e nem mesmo na existência de seu profeta...Pois segundo estas escrituras nebulosas, o profeta Zuriag saboreara uma batida de aveia com leite de camela e tâmaras na ocasião de seu último lanche em companhia de seus fiéis seguidores. Depois de ter sorvido o último gole, estalara prazeirosamente a língua no zênite do céu da boca (*1) e proferira solenemente a frase:

"SAGRADA SEJA A BATIDA DE AVEIA!"

Consta também neste relato que logo após a refeição, Zuriag tenha adentrado ao deserto à procura de um enviado e que de lá nunca mais retornara.

Desta forma, a frase culminante desta última refeição fora o derradeiro registro da longa narrativa da vida do profeta, se tornando emblemática para os Zuriaguistas e foco de capital interesse interpretativo de teólogos e semiologos ao longo da história. Afinal, Porque esta teria sido sua última fala? Nesta frase estaria anagramaticamente inserida a chave do mistério do seu desaparecimento? Ou quem sabe do seu retorno? O que realmente ele queria dizer ou não dizer com aquilo?

Sempre foi público e notório que a ênfase dada ao ingrediente aveia e a supressão do leite de camela e das tâmaras na frase, fora o estopim da "Cisão dos Ingredientalistas", que muito contribuíra no ensanguentamento da Idade Média...Milhares de Camelistas e Tâmaristas foram perseguidos e trucidados pela maioria Aveista. A existência de um suposta ordem secreta dos Açucaristas nunca foi oficialmente reconhecida, até porque o uso deste ingrediente nunca foi descrito em nenhum texto, tendo os Tâmaristas se reservado o direito de se considerarem os únicos responsáveis pelo adoçamento da bebida sagrada. - "Somos o açucar da batida!", diziam cheios de convicção e fervor, o que causou uma sub-cisão com os Camelistas que nunca tiveram o leve sabor adocicado do leite de camela reconhecido na mistura...

A frase sagrada sofreu várias tentativas de alterações ao ser reescrita ao longo dos séculos, algumas destas tentativas foram bem sucedidas. A forma oficial actual ("SAGRADA SEJA A BATIDA NA VÉIA") é devida a dois fatores principais: O Primeiro foi o fator aleatório se manifestando através de uma pulga defecando um acento agudo sobre o "e" da palavra "aveia" no manuscrito original. O Segundo foi o fator oportunismo do Rei Cososfo IV (*2), decretando lacônicamente a substituição do "de" por um "na", sem nenhuma fundamentação teológica, simplesmente editando uma versão cososforita do Tetralodium e jogando as outras edições e objeções na fogueira.

Cososfo IV, historicamente creditado como o Conciliador da Cisão dos Ingredientalistas, o Reunificador da Fé, o Liquidificador das Discórdias, etc...Considerado por muitos a própria reencarnação do profeta Zuriag...Era na verdade um hábil político, senófobo convicto (dizem ser dele a frase: "Quem gosta de velho é reumatismo!"), que, conforme ele também tenha dito: "Matara três coelhos velhos com uma cajadada e meia só!": Pousara de bomzinho para a posteridade histórica oficial, com o cessar da mortandade da Cisão dos Ingredientalistas obtera mão de obra abundante para a construção de seus palácios e reduzira sensivelmente os gastos da Previdência Social com as aposentadorias e pensões muito longas...

Esta história nebulosa explica porque para os Zuriaguistas o costume de espancar senhoras de idade avançada é considerado uma sagrada manifestação de fé.

Qualquer semelhança com outro costume abominável sendo justificado por outra história nebulosa, será mera reincidência.

*1 - Céu da boca e não "Paraíso da boca" como em algumas traduções modernas, visivelmente influenciadas por outras religiões.

*2 - Cososfo IV, terceiro rei de sua linhagem deveria usar o nome de Cososfo III. Se autodenominou Cososfo IV por se sentir mais apto, poderoso e maquiavélico que seus antecessores juntos!

Steve Johnson de Almeida
Enviado por Steve Johnson de Almeida em 17/02/2010
Reeditado em 15/06/2012
Código do texto: T2091872