Contradições e a gripe

Eu estava morrendo e não sabia. Esses bichos - malditos bichos- estavam me comendo por dentro. Mas eu sabia de uma coisa. Sabia que tossia, e essa malévola tosse tinha cheiro de podridão, cheiro de morte. Talvez no fundo eu soubesse que ia morrer. E por virusinhos tão minúsculos!

Como adoeci? Não lembro. Já não lembro de muita coisa agora. De quem é a culpa? Não sei. Talvez minha, talvez de ninguém. Ou, talvez, de todos. Por deixarem o bicho circular. Que morram as pessoas! Assim esses vírus morrem também. Que morram os políticos! Foram eles que deixaram o vírus entrar. Que se explodam e caiam os aviões! Foram eles que trouxeram o vírus para cá. Que morram os mexicanos! Foi lá que tudo começou. Que morram os porcos! Isso veio deles. Que morram os gays! Odeio concorrência.

Agora que morri, posso analisar a minha vida. Vejo que fiz, fiz e acabei por não fazer nada. As vezes, por indecisão. As vezes, por medo. As vezes, por preguiça. Mas o pior foi não fazer por temer o que as pessoas iam dizer. Temer a minha imagem! Agora vejo que isso não tem importância. Que isso passa. Eu teria sido mais feliz se tivesse sido eu mesma.

Talvez eu devesse ter feito valer a pena. Fazer por merecer o ar que respirava. Ter feito algo importante. E uma coisa importante não precisa ser uma coisa grande. As vezes pequenas ações . Ações humanitárias. Isso, as vezes, pode fazer toda a diferença. Até abrir uma janela. Quem garante que eu não adoeci por culpa de um ônibus lotado e fechado? Quem garante que não há ceguinhos e velhinhos morrendo atropelados?

Eu me arrependo mais pelo que deixei de fazer do que pelo que fiz. Não fui santa, eu sei. Mas se eu tivesse feito tudo o que realmente queria fazer, além de ter sido mais feliz, eu poderia ter mudado toda a história. Talvez não só a minha história, mas a de muitas pessoas, também. Principalmente a dele...

Majoare
Enviado por Majoare em 12/04/2010
Código do texto: T2191806
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