Rocinante

Pai e mãe estavam na sala assistindo TV. A filha saiu do quarto para o banheiro, passando pela sala, toda arrumada e perfumada.

_ Por que você está toda arrumada? – perguntou a mãe.

_ Vou sair - respondeu a menina – vou sair com meu namorado.

_ Mas você e o Marquinhos não tinham terminado?

_ Meu novo namorado – disse a filha – vocês vão conhecer ele hoje, ele vem me buscar, e já deve estar chegando. O nome dele é Rocinante.

“Rocinante”? pensou o pai. Isso nem parece nome de gente, estranhou ele. Mas só pensou, não ousou dizer nada. Havia decidido evitar se intrometer na vida afetiva da filha, para afastar as brigas, que haviam se tornado rotina quando se tratava de assuntos amorosos da jovem, e até um comentário sobre o nome estranho do pretendente poderia gerar confusão. A campainha tocou e a filha foi logo correndo abrir a porta dizendo “chegou””. A filha voltou logo pra sala, e o pai escutou passos que seguiam a menina. Pelo ritmo e barulho dos passos, o pai imaginou que além do namorado havia uma terceira pessoa, eram muitas pernas a pisar o assoalho da casa. Não havia. A filha então anunciou:

_ Mãe, pai, esse é o meu namorado, Rocinante!

_ Olá, Rocinante, muito prazer. – disse a mãe.

O pai não disse nada. Nem poderia. Estava paralisado. Perplexo, ficou ali petrificado diante da figura do namorado da filha! Não conseguia acreditar, embora estivesse vendo. Muito pior que São Tomé. A filha abraçava o namorado, beijando-o afetuosamente.

_Mas...mas...mas... - balbuciava o pai tentando dizer alguma coisa. Impossível, pensou. Não conseguiu dizer nada naquele momento. Só depois de um silêncio constrangedor, e depois de juntar muita força interior, conseguiu dizer:

_ Mas, minha filha, ele é um cavalo!

_ Papai, por favor! O senhor está ofendendo o Rocinante. Trago meu namorado para conhecer a família e o senhor o trata desta forma! Porque o senhor faz isso comigo? Quer me envergonhar?

_ Mas meu Deus do Céu! – desesperou-se o pai levando as mãos á cabeça – Mas ele não é um cavalo?

_ É um puro–sangue - disse a filha!

_ Oh! – suspirou orgulhosa a mãe - Um puro-sangue!

Rocinante não disse nada. Limitou-se a emitir um relincho enigmático.