Do outro lado do espelho

Não suportando mais a curiosidade de saber o que havia do outro lado, o homem entrou no espelho. Devido às pequenas dimensões do vidro, ele primeiro passou os braços para dentro, em seguida a cabeça, depois foi projetando o corpo, e por fim, num único impulso, pulou para o outro lado.

Logo percebeu que, muito diferente das suas fantasias, o espelho por dentro não tinha nada de extraordinário. Era um imenso vazio sombrio, sem limites nem cantos. A única coisa viva nesse cenário, era a sua própria imagem invertida, que não mais o encarava frente a frente, estava agora ao seu lado, a observar-lhe todos os movimentos.

Avançou alguns passos, rumo à imensidão escura, para ver se encontrava algo interessante. Nada de diferente. Voltando-se para trás, pôde ver além do vidro, o banheiro de sua casa, muito iluminado, de onde tinha saído. Foi com um certo espanto que notou que sua imagem invertida agora estava do outro lado, o de fora, com um sorriso enigmático, espécie de Mona Lisa, esfinge renascentista, a dizer-lhe: decifra-me ou devoro-te. Sentiu-se devorado. Percebeu que fora sua própria imagem invertida que o atraíra pra dentro do espelho. Narciso pós-moderno, sucumbira à sedução de seu próprio reflexo.

Tentou sair. Mas agora suas mãos não atravessaram o vidro. Tentou quebrar o espelho, mas não conseguiu superar aquela surpreendente rigidez cristalina. Tentou gritar por socorro, mas sua voz não soou naquele vazio escuro. Sua imagem invertida do outro lado continuava a sorrir sarcasticamente.

Então, foi com grande terror que o homem compreendeu que estava prisioneiro de sua própria imagem, no espelho do banheiro.