ADVENTÍCIOS EM SEU HABITAT

Era uma descomunal chuva de verão e o céu hibernava dentro de um vapor quente, ora de ar, ora de gente, agonizando a vida latente nas gotas d’água, sobre o chão sedento do âmago humano. Lágrimas caiam inteiras no meio da tarde, vindas de toda parte dos corpos adventícios em seu próprio habitat.

Abriam-se leitos na aridez dos cérebros, que mais pareciam máquinas programadas para não receber os comandos da inteligência que submergia no vasto campo da intelectualidade. Milhares de quilômetros eram abarcados em segundos por canais improlíficos espalhado no estreito mundo da ganância imódica.

Paulatinamente, os corpos iam perdendo a forma natural, os olhos enxergavam, mas não viam e os membros eram movidos pela mente que desconectara dos sentidos. Um deserto começava a se instalar na floresta dos saberes e o único oásis estava no pedacinho de consciência que restara num canto esquecido.

A chuva continuava e não se sabia qual era a estação. Era tudo sombrio e frio naquela tarde de verão. Os sentimentos prodigalizaram na egocêntrica azinhaga da cobiça e o vento levara a memória do que um dia fora a vida.

Eram fétidos os resquícios das árvores na falta de ar e, no que restara do solo, não brotava nem a semente da esperança, depois de ser a última morrer.

Começara, então, a demolir o império da arrogância, os sentimentos pugnavam entre si e os sentidos se asfixiavam nos esgotos dos olhos conspurcados. Não fazia sentido apontar a arrogância como ré absoluta, nem deixar o amor incólume de culpa. Não houvera quem passasse pela chuva sem se molhar.

Em nome do amor próprio, os corpos recorriam à coberta da indiferença e se abrigavam na frieza. Eram vazios, mas vomitavam lamas, dejetos da consciência submergida na enchente provocada pela chuva que a humanidade seca provocara.

Ivone Alves SOL