A menina do contrário

Certa vez conheci uma menina, que de passagem aparentava ser absolutamente normal.A menina tinha olhos claros,cabelo de leão, e lábios rosados.

Mas confesso, que era imperceptível alguma diferença bizarra na menina.Que não era tímida,mas que sempre sorria.

Que doçura sem igual,que voz aveludada,que criança maravilhosa!

Mas nem sempre foi assim.Conheci esta menina,num beco escuro,

úmido, e vazio,no horário da escola, sentada com o rosto sobre os joelhos, e com os braços enrolados.E quando tentei me aproximar,ela correu o mais rápido que pode.

Mas era inevitável, não me comover, não desejar acolher, proteger, aqueles olhos afogados em lágrimas, via-se a necessidade de falar.

Então certo dia caminhando descuidado, olho uma casa singela, que me chamou atenção.Olhando para o alto vejo uma pipa, rosa e azul,saindo do sótão.Impulsionado pela beleza da cauda, vou caminhando na direção da casa.E logo que me aproximo da porta, vem a menina, que me faz sinal de entre.

Quando entro vejo um homem de certa idade, desmanchar-se em roncos,na velha poltrona,e vejo pela fresta da porta da cozinha,

uma mulher que prepara uma mistura, com movimentos repetidos,

feito máquina que trabalha sozinha.

Subindo as escadas a menina me faz sinal de silêncio,com a pequena mão sobre a boca.Então sinto calafrios, e um vento cortante, desprezo o medo, e sigo encorajado pela pequenina.

Ela levanta uma tampa de madeira, e sobe mais uma escada.Então segura a minha mão direita, com tanta força, que sinto um aperto no peito,e ela abre bem os olhos,e se estremece.. diante do que vejo.

Oh céus!Cerro meus lábios,penso estar num sonho.

Era uma prisão,maravilhosa!Nunca pude imaginar, num lugar feito aquele, livros nas paredes, muitas invenções, objetos flutuam no ar, é tudo colorido e apeluciado.

Foi nesta hora, de tamanho estupefato, minha cabeça girava, eu havia me desligado do mundo.. do mundo "real", que olho um animal um tanto estranho.

Agora que percebo, não poderia ser tão perfeito.Aquela era a maldição escondida.

O animal repousava adormecido um sono de anos.Resolvi então perguntar:o que é tudo isto?

E pela primeira vez ouço a voz da menina que diz: Fale baixo, se não vais acordar o dengoso, e ele só dorme se eu cantar, a canção da liberdade.Há muito ele pretende voltar para o seu mundo, mas eu não o deixo.

Espere um minuto vou preparar-lhe um café- diz a pequena.

E de maneira estranha, sobe um banquinho e põe o bule de ponta-cabeça, e não esquenta a água, e põe o pó do café numa peneira, e logo vem com o melhor café de minha vida!Mas como fez?E que delícia!

Mas que estranho, agora que vi.. aquele era um dia de sol, e ela estava com roupas até o pescoço, e com touca de lã.

Então ela diz: vamos depressa é hora de ir embora!

Descendo as escadas, chego na sala novamente, e a senhora da menina, diz: fique.Sente-se. Puxe uma cadeira, ou sente-se nos garrões. Já trago o bolo de fubá.

E diz: Esta menina, não leva jeito!Esta menina é do contrário!

Roupa curta, nos dias de frio, e roupas quentes, nos dias de verão,

ela desce as escadas de costas e num só pé, ela fala outra língua,

ela anda de bicicleta de ré, ela primeiro toma banho e depois se suja,

e esconde vários diários, que não encontro, mas a vejo neles escrever, e conversar sozinha.

Então pergunto, e que mal existe nisso?

Ela responde: eu não quero mais esta menina, ela me envergonha!

Eu digo: então me darás ela?Terei enorme satisfação, em cria-lá, feito filha, já que minha senhora, não é fértil.

E sonha em ser mãe, e temos uma casa grande, e um coelho, e um cachorro e um gato!( a menina sorri. )

A mulher diz: então a leves, estou velha de mais,para ter uma filha maluca!

Eu seguro então a mão trêmula e gelada, do anjo, que agora eu diria: filha.E saímos pelo umbral, com ar de vitória,após olharmos pela última vez a casa, vemos a casa desmanchar-se, como bolha de sabão, e no final vejo um pássaro raro, azul de rapina, sair voando e cantando alegremente pelo céu azul florido.

Daquele dia em diante, nos tornamos uma família verdadeira,e a vida nos contemplou com novos pequeninos, e procriaram os animais,e havia lugar para todos, e sobejava amor,carinho, atenção, saúde e respeito,

e a história teve final feliz.

Nina Blessed be
Enviado por Nina Blessed be em 21/07/2010
Código do texto: T2391873
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