DOIS CONTOS (BEIJO HORTELÃ e NO AEROPORTO)
BEIJO HORTELÃ
Três horas da manhã, estavam sentados no bar, um inglês, um francês, um japonês e um árabe de bigodinho, trocando idéias sem compromisso.
Na mesa ao lado, sozinha, uma mulher sinistra, linda, uma loura de fato, indefinida de uma maneira geral, de olhar contemplativo, porém firme, prestava atenção na conversa.
- Vamos ver quem tem maior conhecimento de línguas? - disse o inglês querendo se exibir para os três e para ela.
Os outros concordaram com o jogo, também pretendiam mostrar cultura. Cada um diria uma frase ou palavra em uma língua
qualquer, de preferência de difícil identificação. Os outros deviam adivinhar o país.
- "Mao".
- É gato, em chinês.
- "Kwakwha".
- Obrigado, na língua hopi.
- "Tá grá agan ort".
- Eu te amo, em gaélico.
- "Ben sevi seviyorum".
- Também é "eu te amo", só que, em turco.
A turma era culta, ninguém conseguia fazer ponto algum.
Já estavam nisso há algum tempo e nada, jogo empatado. Até que a loura sinistra levanta-se da sua mesa e vai até eles:
- Estou prestando atenção no jogo de vocês. É interessante. Posso participar também? Tenho uma frase boa para falar.
- Claro, claro - responderam todos entre sorrisos e gentilezas,
principalmente o japonês.
- Você bebe o quê? - Ela apenas fez um gesto de recusa com a mão.
- "York airguly djtikahm nurr mi in on".
- Desculpe, podia repetir a terceira e a quarta palavras da frase?
- "Djtikahm nurr", soa como quase um pequeno orgasmo, porém abafado.
Os quatro se entreolharam surpresos. Nunca haviam escutado nada igual, nem parecido, bem como nunca tinham encontrado mulher tão elegante, segura e ousada.
- Você ganhou. Que língua estranhíssima é essa?
Seus olhos tomaram uma coloraçãodifusa, e suas mãos começaram a emitir emanações de luzes azuladas. Ela sorriu e falou:
- Vocês humanos são muito ingênuos e pretenciosos. Ainda têm muito o que aprender e evoluir. Tchau.
Levantou-se e foi se encaminhando em direção à porta do bar, como que flutuando lentamente.
Eu, que a tudo assistia de outra mesa, dei-lhe uma piscadela marota. Ela sorriu em retribuição e partimos juntos, de mãos dadas, para o espanto, surpresa e admiração dos demais.
Passamos o resto da noite no seu "objeto não identificado", que estava pousado lá pelos lados de Sernambetiba. A cabine tinha até ar condicionado e seu beijo, um sabor de espaço sideral, levemente puxado para hortelã.
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No Aeroporto
Quatro horas da manhã, aeroporto vazio. De repente, ela surgiu, linda, vestido rosado, tecido fino, algo transparente, parecia que flutuava. Chegou junto a mim, sorriu e falou:
- Como vai?
- Como é que sabia que eu queria falar com você?
- Foi fácil. Apenas percebi, você atingiu diretamente o meu campo com a sua vibração. Meu nome é Christal.
- Você fala coisas que eu não entendo, sua voz... você também toca a minha sensibilidade.
- Estamos em profunda consonância, mas eu estou de partida.
- Quero te encontrar de novo, como...
- Não sou daqui. Estou voltando para o meu povo, para Disna. Não tente ir até lá, você não vai encontrar o caminho com vida. Não tenho existência própria, na realidade sou uma manifestação, um produto da sua consciência. Disna não é um local, é um estado de ser, assim como nós somos agora.
(Pegou-me as mãos e nos olhamos fixamente com ternura).
- A minha vibração vai chegar até você em uma forma viva. Basta olhar nos olhos dela que me reconhecerá ali. Você vai compreender o sinal.
Com essas palavras, ela soltou minhas mãos e se afastou, desaparecendo em uma nuvem de fumaça azulada.
Quatro horas da manhã, quatro e pouco..., bem que podia ter acontecido, aeroporto vazio...