Máquina do tempo

Renan despertou com o barulho forte e intermitente que penetrara seus ouvidos, obrigando-o a abrir os olhos.

Bip....bib....bip.

O som incômodo não o permitia relaxar. Bip....bip....bip. - Que diabos está havendo? – Resmungou empurrando a coberta para o lado. Caminhou pelo quarto, com os bips aborrecendo.

Entrou na sala e o som irritante não o deixava, procurou algum aparelho que pudesse estar produzindo aquilo e nada. Bip....bip.....bip

O raciocínio lento de um recém desperto demorou a enxergar a luz que piscava alertando-o de que havia uma mensagem urgente na secretária eletrônica. Bip....bip....bip. O som amolava no mesmo ritmo da luz ascendendo e apagando. Apertou os botões do aparelho, apenas a mensagem de sua mãe de que ele deveria ir vê-la, mas não era aquilo, o som persistia.

- Que diabos? – Repetiu coçando a cabeça. O ritmo do som constante podia ser computado por ele. Um dois três, bip, um dois três, bip, um dois três...

Na cozinha nada faria aquele som, decidiu sair para o quintal. Os bips aumentaram o volume, sentiu que estava perto. Lembrou do seu invento mais importante, a máquina do tempo que desenvolveu para reproduzi-lo e multiplicá-lo indefinidamente, correu até o objeto metálico que nunca funcionara e as luzes, todas acesas, tremeluziam diante dos olhos nervosos do cientista, o bip persistia, mas agora não era mais incômodo, era o sinal de que algo havia mudado, de que alguma novidade viria daquilo que ele desenvolvera e deixara esquecido na garagem.

- Será possível? - Abriu a porta do equipamento, sentiu-se temeroso pelo desconhecido, não quis abusar, digitou no painel a data correspondente àquele dia mesmo, apenas algumas horas antes, não queria abusar e viajar para algum futuro muito distante ou para o passado remoto.

Fechou a porta, acionou as engrenagens e entregou-se à espiral de sua vida que passava diante de seus olhos. Viu-se criança, brincando solitário na casa da mãe, depois mais velho, estudando sozinho na biblioteca da faculdade, depois desenvolvendo aquele aparelho e, por fim, brigando com a família por causa do afastamento. Estranhou as visões, mas como era sua primeira vez, decidiu não implicar.

Mais alguns instantes até despertar do entorpecimento da viagem insólita. Estava inteiro, consciente e feliz. Correu para o interior de sua casa, queria visitar seu eu adormecido, antes do despertar confuso pelo acionamento espontâneo da máquina.

Entusiasmado com a descoberta, conferiu o relógio da sala constatando que voltara, pelo menos, duas horas no tempo.

Imaginou-se diante de cientistas renomados contando como inventara a primeira máquina do tempo que realmente funcionara, dando palestras em universidades do mundo todo ou então comemorando com a família o invento extraordinário, aproximando-se dos pais para contar-lhes como sua vida tinha valido à pena.

Correu para o quarto e se viu dormindo calmamente. – Você nem imagina o que te espera. – Brincou consigo mesmo, encostando em seu próprio rosto inerte, inexpressivo e ... frio.

- O que é isso? – Encostou a mão em seu rosto novamente, tentando entender porque sentira a pele tão gelada. Esticou dois dedos e pressionou o pescoço daquele corpo repousando e não sentiu nada, nenhum batimento, nenhuma pulsação.

- Como isso é possível? – Não havia nada ali, nenhum sinal de vida, apenas um corpo jazendo frio.

- E a máquina, o que ela fez comigo? – Correu novamente para a garagem e não havia nenhum sinal de que aquele trambolho funcionara algum dia, nenhuma luz acesa, nenhum bip.

Voltou para perto de seu corpo entregando-se ao próprio luto. Lamentou jamais ter experimentado seu invento, mais do que isso, lamentou jamais ter tido tempo para ter experimentado a própria vida.

Elayne Sampaio
Enviado por Elayne Sampaio em 11/04/2011
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