Prólogo metafísico
Há um homem que se perguntou: posso não ser? É o homem: que existia. Quando alguém se vai, quando outro se oculta, é o homem que existe o que se pergunta: existe a morte?
no prólogo 25 do MUSEU DO ROMANCE DA ETERNA, de Macedonio Fernández

 
 
pra que o último a sair apague a luz eminente
 
lembrar + -ança = lembrança
Segunda-feira, 6 de junho de 2011 9:08
De: “S.M.”
s.m.@terra.com
Para: “Germino da Terra” paiolvelho@yahoo.com.br
Germino, não tenho nada pessoal contra você. O problema é que tenho pouco tempo e não gosto de ler e-mails longos por mais bem escritos que sejam. Acho que você tem mais tempo livre do que nós, do que eu com certeza. Raramente entro no e-mail e quando entro é coisa ´rápida pra ver alguma resposta ou perguntar alguma coisa, mensagens com no máximo 3 linhas. Sei que o mundo tb está sempre correndo. Em resumo, é isso o que acontece.
Bj
P.
  Pô, que frio medonho que tá aqui no Paiol Velho, hein! É... você bem percebe que ainda encuco com o retorno ao meu lembrar + -ança = lembrança, que me enviaram em 6 de junho. É que ontem, mais uma vez, ontem eu assisti a Denise está chamando — todos demais apressados se relacionam ao telefone (isso bem antes do livro das faces), eles marcam variados encontros e neca de se encontrarem. Passou o tempo, a tecnologia tá bem adiante, e somos não outros. Rumino engasgando, encafifo de aquele episódio ter tamanha parecença a essa crônica fílmica. À porta-voz e aos asseclas conluiados tendi em deixá-los pra lá, reluto em treplicar. Pra quê?! No entanto, enquanto águo plantas vem você, e sei que você não engole sapos — unicamente beija flores —, indagorinha vem e me estuma.
  É que àquela época você tinha algo a lhes dizer, sim, então diz!
  É, mas ora me foge à lembrança — faz mais de mês...
  Então eu digo. Como você, tenho bastante tempo livre, com certeza. Aproveito o fraco sinal sobejo e, antes de a linha cair de vez, bailo entre o arco-íris produzido n’água jorrante de sua mão, das gotículas refratadas pela luz eminente, e telepaticamente a eles digo d’O Macaco que quis ser escritor satírico, de Augusto Monterroso:
Na Selva vivia uma vez um Macaco que quis ser escritor satírico.
  Estudou muito, mas logo se deu conta de que para ser escritor satírico lhe faltava conhecer as pessoas e se aplicou em visitar todo mundo e ir a todos os coquetéis e observá-las com o rabo do olho enquanto estavam distraídas com o copo na mão.
  Como era verdadeiramente muito gracioso e as suas piruetas ágeis divertiam os outros animais, era bem recebido em toda parte e aperfeiçoou a arte de ser ainda mais bem recebido.
  Não havia quem não se encantasse com sua conversa, e quando chegava era re-cebido com alegria tanto pelas Macacas como pelos esposos das Macacas e pelos outros habitantes da Selva, diante dos quais, por mais contrários que fossem a ele em política internacional, nacional ou municipal, se mostrava invariavelmente compreensivo; sempre, claro, com o intuito de investigar a fundo a natureza humana e poder retratá-la em suas sátiras.
  E assim chegou o momento em que entre os animais ele era o mais profundo conhecedor da natureza humana, da qual não lhe escapava nada.
  Então, um dia disse vou escrever contra os ladrões, e se fixou na Gralha, e começou a escrever com entusiasmo e gozava e ria e se encarapitava de prazer nas árvores pelas coisas que lhe ocorriam a respeito da Gralha; porém de repente refletiu que entre os animais de sociedade que o recebiam havia muitas Gralhas e especialmente uma, e que iam se ver retratadas na sua sátira, por mais delicada que a escrevesse, e desistiu de fazê-lo.
  Depois quis escrever sobre os oportunistas, e pôs o olho na Serpente, a qual por diferentes meios — auxiliares na verdade de sua arte adulatória — conseguia sempre conservar, ou substituir, por melhores, os cargos que ocupava; mas várias Serpentes amigas suas, e especialmente uma, se sentiriam aludidas, e desistiu de fazê-lo.
  Depois resolveu satirizar os trabalhadores compulsivos e se deteve na Abelha, que trabalhava estupidamente sem saber para que nem para quem; porém com medo de que suas amigas dessa espécie, e especialmente uma, se ofendessem, terminou comparando-a favoravelmente com a Cigarra, que egoísta não fazia mais do que cantar bancando a poeta, e desistiu de fazê-lo.
  Finalmente elaborou uma lista completa das debilidades e defeitos humanos e não encontrou contra quem dirigir suas baterias, pois tudo estava nos amigos que sentavam à sua mesa e nele próprio.
  Nesse momento renunciou a ser escritor satírico e começou a se inclinar pela Mística e pelo Amor e coisas assim; porém a partir daí, e já se sabe como são as pessoas, todos disseram que ele tinha ficado maluco e já não o recebiam tão bem nem com tanto prazer.
 
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   E ainda tem aquele dito popular, Macaco, olha o teu rabo!, que diz... diz coisa à beça. Pô, ainda bem que este antropoide não pôs os troquilídeos, a mim e os meus, no mesmo saco, nós ajuntados aos corvídeos, aos ofídios, aos cicadídeos... Arg!
  É, Isaac Asimov disse que os pequenos textos de A ovelha negra e outras fábulas, aparentemente inofensivos, mordem e deixam cicatrizes nos que deles se aproximam sem a devida cautela. Não por outro motivo são eficazes. Depois de ler O Macaco que quis ser escritor satírico, o russo emenda, jamais voltei a ser o mesmo.
  Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá, o menor conto da literatura, esta joia também é do mesmo autor.
  O quê? Ah, sim, você, hein, sempre me cutucando! Tá, há de haver o dia, quiçá, como este minúsculo conto do guatemalteco, q’eu ziparei os meus e-mails à recomendação de máximo 3 linhas...
  Uma!
  ... é, quem sabe mimetizando significâncias e matizando tempos paralelos — visto que o presente, tão escasso aos meus interlocutores...
  Melhor dizer destinatários — se nem dialogam contigo!
  ... a eles o momento é instante futuro que nunca abraçam —, quem sabe assim nem se deem conta de lerem três laudas...
  Qual, isso isso isso, sem querer querendo!
  ... hein! É, é uma tática à estratégia de ser correspondido nesta era pra lá de [con]corrida. É, mas não me dirigirei àqueles e a demais semelhados, que, sei, darão Graças. Nunca mais. Foi um rio que passou em minha vida...
  Falando nisso, bem lá pra trás um cara com cara um tanto mansa, mas atenta, à capela duetou com uma baiana Olá, como vai? Eu vou indo, e você, tudo bem? Tudo bem, eu vou indo, correndo pegar meu lugar no futuro, e você? Tudo bem, eu vou indo em busca dum sono tranquilo, quem sabe... Quanto tempo... Pois é, quanto tempo... Me perdoe a pressa, é a alma dos nossos negócios. Qual, não tem de que, eu também só ando a cem! Quando é que você telefona? Precisamos nos ver por aí. Pra semana prometo talvez nos vejamos, quem sabe... Quanto tempo... Pois é, quanto tempo... Tanta coisa q’eu tinha a dizer, mas eu sumi na poeira das ruas. Eu também tenho algo a dizer que me foge à lembrança. Por favor, telefona, eu preciso beber alguma coisa rapidamente. Pra semana... O sinal... ...eu procuro você. ...vai abrir vai abrir. Eu prometo, não esqueço não esqueço. Por favor, não esqueça não esqueça. Adeus... Adeus... Adeus.
  Eu me lembro, foram eles sim, o Chico com a Bethânia em Sinal fechado do Paulinho — quer sujeito mais manso que este?! Àquela época a maioria euforizou e ainda hoje exalta oba-obas às críticas sobre o mundo acelerado. Contudo, o rebanho seguiu e segue ao aboio da conveniência, e cada vez mais célere serelepe transpõe as relações atravancando relacionamentos. E aquele dito fica não dito...
  Apenas apontar é bem bacana, é sim, sem descostume aposta no fashion!
  ... louva-se esta canção e o hino Coração de estudante, do Milton.
  É, música é ficção, mas a realidade de vocês humanos é cada qual per se...
  E num é!
  ... pois é, cada qual Segue o teu destino.
  Inda bem que tem você, verdejante benfazejo, aí adejando me encanta cantando — e se distraído eu não te escuto, a Alfa capta seus cantares e do alpendre uiva a flanância de coquetes pelaí. Aliás, hoje é demais, pra agradar a outrem tem gente demais esmerada em requintes duma aparência afetada e, dum modo geral, sem libido alguma fica apenas nisso. Estanca-se no prazer de despertar admiração. Hedonistas, tão-só seduzem por seduzir sem nem chegar às vias de fato, àquele assomo de dois corpos num rala-e-rola tão gostoso. Sem apetite, jejua-se.
  É, nessa transgressão por transgressão trisca-se o frigir das leis, das convenções banais e escambau, inconsequentemente, e isso é boboca libertinagem. Pra transgredir tem de transgredir-se — aí semelho ao que disse o argentino de Cuba. O transgressor genuíno tem paradoxalidades pra, antes de mais nada, confrontar-se, e assim dominando suas próprias regras, confronta-as; de posse das que lhe são tão íntimas, estas revolteadas, as contrapõe às estabelecidas.
  Eu? Eu nada, eu capino fora. Entrementes, desejo a todos bons dias e boas sortes. Sinceras. Tá um frio medonho, Amiguinho, e vou me recolher. Até amanhã. ADEUS!
  Inté. Também vou, eu vou me aninhar bem ali naquele hibisco lotado de néctar.
  É, sei, qualquer larica noturna...
  Ah!, e ó, diz aí aos detrás, os afoitos que te esganiçam, diz, quando ao iminente e imutável eclipse solar, cutuca neles pra, vai — se tiverem tempo livre, hein —, diz pra que o último a sair apague a luz eminente.
  Assim, pois, querido leitor, um desconhecido tão notado, que [aqui] podem se identificar todos os desconhecidos do mundo, vos falou em páginas que em autores encadernados na forma usual vêm em branco, e em mim pela primeira vez detêm o leitor, vos falou já: Das pessoas que nada escreveram.
  Mas quê que é isso?! Boiei...
  Vê, pra de vez epilogar o nosso papo, abuso dum dos prólogos de Macedonio.
  Acontece, ainda: Tentativa de cicatrização de uma ferida que se tem em conta
  Aqui é o espaço em que os leitores se agitam por ressurreição de pessoas e continuação de fatos, quando...
  Não há mais que um não ser: o do personagem, o da fantasia, o do imaginado. O imaginador não conhecerá nunca o não ser.

  Eu hein, aí que boiei mais ainda...
  Ah, então tá! Não há mais tempo livre. Vamo mimi?!

 
Germino da Terra
Enviado por Germino da Terra em 15/07/2011
Reeditado em 08/07/2012
Código do texto: T3096576
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