Infection

Os dois entraram na sala com um andar apressado, mas um jeito calmo, ainda que atenciosos ao que acontecia às suas costas. Sandro entrou na frente. Um homem alto, com um penteado black power apertado por uma bandana vermelha. Atrás dele vinha Andrew. Sua roupa social havia perdido o terno e a camisa estava largada e aberta, mostrando um curativo que abraçava o tronco.

Assim que entraram no ambiente, fecharam a porta e procuraram algo para obstruir aquela passagem. Escolheram um horrível e rústico móvel maciço de madeira que havia a alguns passos. com algum esforço impediram a entrada de qualquer coisa que viesse atrás deles.

Sandro arrumou sua bandana enquanto percorria todo o ambiente com o olhar. era um quarto que devia estar abandonado há muitos anos, como o resto da casa. Os antigos móveis de madeira estavam cheios de cupins e ruíam perante a gravidade. As paredes se cobriam com mofo e uma pintura descascada pelo tempo.

O ar era pesado e podia-se ver o pó pairando, o que ficou pior depois de arrastarem o móvel. Do outro lado havia um enferrujado estrado que deveria ser uma cama sem colchão. A luz entrava naquele local por uma janela que ficava inacessível, próximo ao teto (que era muito alto).

- Não podíamos ter achado lugar melhor! - Exclamou Sandro, feliz, enquanto jogava sua 12 em cima do estrado (que ameaçou ruir) e tirar a katana que trazia nas costas para apoiá-la nas mãos ao sentar.

Andrew estava parado em frente ao móvel recém movido, com a cabeça apoiada em um espelho colado na porta. O reflex meio embaçado revelava um ser fatigado, com uma barba mal feita, olhar baixo, confuso e transtornado por memórias recentes. O homem ergueu a cabeça até encarrar-se através de olhos vermelhos cobertos por lágrimas ainda não derramadas.

- Eu deveria estar lá! - Andrew deixou exteriorizar um pensamento.

- E fazer o quê? Ficar reclamando e chorando como uma gazela? - Satirizou Sandro, enquanto acendia uma massado cigarro. O homem precisou ser rápido para desviar de uma Magnum .38 que voou em direção à sua cabeça. - Acho que teria sido mais eficiente atirar.

- Não posso! Preciso de você vivo para chegar ao centro.

- Essa sua ideia é ridícula. Não estamos em uma guerra. Não irá

encontrar uma prisão com detentos de uma resistência. Isso é muito pior. Uma desatenção leva à morte instantânea, no melhor dos casos.

- Eu sei. mas agora quero chegar no meio disso tudo, ver com meus próprios olhos. Garantir que morrerei conhecendo meus executores melhores que os próprios.

- Você é louco cara. Dá hora! Não poderia te escolhido ter encontrado um companheiro de viagem melhor.

- Louco é você que consegue passar por isso com calma, estratégia e precisão. Porquê você se preparou para tudo isso?

- Começou com zueira. Mas, sei lá, algo dentro de mim juntou as

partes e viu que isso era inevitável. Só espero que isso não termine como os fins dos tempos e o mundo fique inteiro para encarar essa megalópole como a mais nova Silente Hilel.

Andrew se aproximou e sentou ao lado do companheiro de viagem que estava servindo de professor, sargento e garantia de sobrevivência em uma jornada suicida. Entre alguns gemidos, tirou as faixas que cobriam as feridas fechadas por pontos. Espalhou sobre elas uma farta quantia de uma pomada roubada de uma das farmácias destruídas pelo caminho e voltou a abraçar-se com as ataduras.

No dia anterior descobrira que era capaz de fechar buracos em seres humanos através da costura, além de prescrever antibióticos e analgésicos. Começou a suspeitar que, um dia, já fora um médico. Toda vez que pensava nisso sua mente dizia que não e seu ego entendia isso como uma ofensa.

Ainda não era capaz de lembrar quem realmente era Andrew Marques. O ser além de uma velha R.G. rasgada e uma semana de lembranças do inferno. Desde que acordara esse era o mundo que conhecia, além disso, sabia que lutava, atirava bem e conseguiria prestar primeiros socorros a quem precisa-se.

Tudo estava em absoluto silêncio. Não ouvia-se carros, pessoas ou qualquer viva alma. Esse cenário já não era mais estranho aos sobreviventes, mas ainda incomodava de uma forma incrível. O assobiar do vento reinava, espalhando nas ruas o aviso de que a vida não estava mais presente naquelas ares.

- Porque o centro? - Interrompeu Sandro, assustando o homem que viajava em seus mais profundos pensamentos. - Uma coisa que me deixou curioso no primeiro dia, mas nem lembrei de perguntar.

- Sei lá! Parece que é pra lá que tenho ir. Algo dentro de mim diz que vou encontrar algo ou alguém lá capaz de explicar isso. Talvez o culpado.

- Até onde sei, você pode ser o culpado. Talvez seu interior esteja falando para encobrir as evidências. - Brincou com um largo sorriso.

- Talvez. pelo menos conseguiria lembrar quem sou e ainda descobriria que fiz algo grande.

A seriedade com que essa fala foi dita provocou um silêncio no recinto. Os dois questionaram-se se aquilo era puramente uma gozação ou se haveria alguma parte de verdade. Sob stress, Andrew parecia ser outra pessoa. Alguém explosivo e agressivo, como se outra personalidade tomasse conta.

O forte barulho de madeira seca sendo partida ecoou na rua, acompanhando de grunhidos tristes e repetitivos, que ia aumentando. Pouco depois parecia uma procissão dos dias de finados que tomava as ruas rumando à pequena igreja a algumas quadras dali.

- As vezes parece que eles entendem o que está acontecendo com eles. - Proclamou Andrew apoiando a cabeça parede e imaginando o fluxo de por trás daquele pedaço de tijolos.

- O número está aumentando.

- Sim. E muito.

- Teremos de se rápidos e sorrateiros agora.

- Acho que as ataduras no meu abdômen podem provar que ir para cima com tudo não é a melhor escolha.

- Elas só comprovam o que já sabia: Eles são mais fortes e resistentes.

Foi apenas Sandro terminar de falar para que o móvel posicionado na porta começasse a ser golpeado com força. Era possível ver a madeira da porta esfarelando a cada pancada, mostrando que aquela barreira não duraria muito tempo.

Os homens no interior do quarto levantaram em um pulo e sacaram suas armas. Andrew vagou pelo quarto atrás de sua Magnum e Sandro sacou a espada sem se preocupar com a bainha que voou alguns metros antes bater no chão.

Os dois se puseram de prontidão pouco antes do móvel tombar em um estrondo ensurdecedor. A poeira levantada cegou-os por alguns instantes. A cena que surgiu na porta foi algo que os dois nunca imaginariam, algo surpreendente em meio a algo que já era anormal.