Tecla
...Daí que ela acordou e começou a bater à máquina, com os dedos ágeis e o pensamento fluente.
Nenhuma folha jogada no lixo, nenhum erro no texto.Texto perfeito, conciso e ritmado.
Ela estava feliz e gargalhava animada. Batia com os dedos nas teclas e espaçava a vida.
De repente olhou para as paredes sem cor, o piso sem cor e não reconheceu também a sua! Não havia sequer um espelho pendurado...
Para que o espelho? Havia o texto. Quase, por pouco, caiu em desespero.
Olhou para os dedos e sorriu aliviada. Teria que recomeçar, mas de onde?
Respirava ofegante, corria os olhos pelas paredes e tremia. Sentiu-se nua como uma letra perdida ou como uma palavra errada que enfiassem em um acróstico.
Parou. Inspirou lentamente e começou a gargalhar e a chorar...A gargalhar e a chorar.
Agora ela sabia que não poderia terminar o texto. Não havia alí nem máquina e nem papel e nem espaço na vida. Não havia nada conciso e perfeito. Ela era uma letra perdida, uma letra nua.
Aquelas paredes sem cor roubaram sua máquina. Levaram seus papéis. Deixaram no meio a sua história.
Aí, ela deitou-se no chão, olhou para teto e dormiu o sono dos justos.
Rezou para que aquelas paredes lhe devolvessem o que era dela, de verdade.
Só não precisava de um espelho. Não queria refletir. Queria apenas criar!