Tiroteio no futuro

Chegaram à entrada da cidade quando o sol já se punha. Pararam os três, lado a lado com o sol a aquecer suas costas. Em coldres amarrados nas coxas levavam os pesados revólveres, exceto pela mulher que tinha o seu em um próprio coldre improvisado à tira colo. Nas cinturas os cinturões se cruzavam com as balas de grossos calibres. O da esquerda era o mais velho e também o líder. Era magro, alto, os cabelos eram castanhos escuros, mas em algumas partes os fios já esbranquiçavam. Longe de aparentar velhice, o homem cujo nome era Roran tinha o espírito de um lobo jovem. Ainda tinha muito a ensinar aos seus aprendizes pistoleiros.

– Vamos procurar, encontrar e dar o fora, entendido?

A pergunta era dirigida aos dois, mas Bruno sentiu intimamente que era para si que o pistoleiro falava. Afinal, quem tinha o costume de causar os problemas?

– Você tem alguma ideia de onde possa estar? – perguntou Natalie.

Roran verificou o mostrador digital em forma de relógio no pulso antes de responder.

– Tudo que sei é que está na cidade e muito bem escondido. Ele não o abandonaria aqui se não fosse seguro. Já sabem, se surgir algum problema a prioridade é a chave temporal. Se tiverem que escolher entre a chave e o nosso homem, escolham a chave. Haverá outra oportunidade para o pegarmos. Os radares vão informar a exata localização de cada um de nós. E, lembrem-se, mantenham os revólveres ao alcance de suas mãos.

Passado o momento de advertências os pistoleiros do futuro seguiram para a cidade em alguma parte daquele exótico mundo. O lugar parecia mais a planinha tridimensional projetada por um computador do que uma real cidade. Era tudo imaculadamente limpo. As ruas estreitas, as calçadas e os edifícios baixos em mármore branco. Tudo que era de metal reluzia causando incômodos reflexos aos desacostumados visitantes.

Foi Roran que viu primeiro e teve certeza que os outros não notaram. Não podia julgá-los, ainda eram inexperientes e a alteração no espaço tinha sido praticamente imperceptível para ele; invisível talvez para os aprendizes. Entretanto, a barra de metal do poste tinha realmente se deformado no espaço. Como uma imagem que se distorcesse por alguns segundos. Com isso veio à ideia de que nada daquilo fosse real, contudo sabia que suas mentes naquele lugar eram reais. Se morressem ali, morreriam onde quer que seus corpos estivessem.

– Tenham cuidado. Pelo pai Tempo.

– O que te preocupa tanto, Roran? – perguntou Bruno. Suas mãos balançavam e roçavam nos cabos dos revólveres. Mania que há muito Roran deixara de se incomodar.

– O de sempre – respondeu o pistoleiro – Problemas.

Chegaram a um cruzamento. Dos dois lados da via havia estabelecimentos comerciais. Lanchonetes, bares e casas de jogos, porém o silêncio era absoluto. Mais um ponto para a intuição de Roran.

Talvez não...

– Estão ouvindo? – indagou Natalie, olhando para os lados.

Antes que se dessem conta, Roran tinha sacado os revólveres. Bruno e Natalie copiaram com olhos arregalados de tensão. O sangue começou a correr mais rápido por seus corpos, os corações aceleraram, exceto por Roran que mantinha uma fria expressão no rosto. A expressão de um assassino experiente.

Moveram-se sobre os pés girando em círculos até que suas costas se encostassem. De braços estendidos com os revólveres apontados para frente, os pistoleiros giraram no mesmo lugar procurando os inimigos.

O primeiro surgiu das sombras de um bar. Era velho e magro. Os cabelos compridos caíam-lhe sobre os ombros. Tinha uma cartola na cabeça e vestia um elegante terno. Na mão direita segurava uma bengala com jóias incrustadas. Sorriu diante dos pistoleiros. Não parecia temê-los. E pareceu incrivelmente familiar para Roran.

– Saudações, jovens pistoleiros. O que os traz a nossa humilde cidade?

– Não abaixem as armas – sussurrou Roran para Natalie e Bruno de modo que o homem não ouvisse.

– Nem precisava falar, parceiro – concordou Bruno, também sussurrando.

– Viemos em paz, ó senhor – falou Roran, abaixando cautelosamente os revólveres.

O velho deu uma risadinha, coçou a barba rala e disse:

– Isso depende muito de quem são seus empregadores, sabe? Isso conta muito nos dias de hoje.

Com os cantos dos olhos Natalie e Bruno notaram que estavam cercados pelos habitantes. Moviam-se furtivamente nas sombras. Mulheres, homens e também crianças. Bruno teve um impulso de avisar Roran, mas achava improvável que o pistoleiro não houvesse notado já que ele próprio tinha percebido.

– Não temos empregadores, ó senhor. Andamos por conta própria, não somos leais a ninguém exceto ao pai Tempo ou nós mesmos. Necessitamos de ajuda e espero com esperança que o senhor e os habitantes dessa magnífica cidade nos forneçam o que desejamos. Estamos no rastro de um bandido e acreditamos que ele tenha escondido algo valioso que roubou nessa cidade. Tudo que desejamos é procurar pela cidade e seguir nosso caminho e é claro, se o senhor permitir.

– Besteira! – Soou uma voz e então um outro homem saiu das sombras. Este era mais jovem, mas já tinha rugas pelo rosto. Vestia-se bem também e não tinha nenhuma arma à vista.

– Talvez os habitantes dessa bela cidade queiram nos mostrar seus afortunados rostos ao invés de se esconderem nas sombras. Não concorda, ó senhor? – perguntou Roran, ironicamente.

O velho torceu a boca com desprezo e olhou sobre os ombros de Roran.

– Humpf, por que deveríamos ser hospitaleiros se adentraram na nossa cidade armados e ainda apontando suas armas hereges para nós?

– Sabemos quem são, pistoleiro – falou o outro homem parando ao lado do velho – Sabemos o que fazem também. Assassinos, estupradores... ladrões!

Diante disso os habitantes enfim saíram à vista. Formaram um círculo ao redor dos forasteiros. Homens, mulheres, crianças e idosos. Mais de quarenta, Bruno especulou mentalmente. Uma quantidade considerável.

– Ora, rapaz... – pronunciou Roran, deixando um sorriso brotar em seus lábios finos – Um pouco ofensivo, não acha? Não creio que queiram arranjar problemas conosco.

– Ah, deixemos de rodeios – falou o velho, levantando as palmas das mãos para o ar – Sabemos por que estão aqui e a resposta é não. Formos alertados sobre vocês. Na verdade...

O velho fez uma pausa, coçou o nariz e prosseguiu:

– Como eu disse o que vale é o empregador e no momento estou a serviço de certo senhor. Portanto, creio que não posso permitir que deixem nossa cidade.

O círculo se fechou em torno deles. Nas mãos dos habitantes armas surgiram como mágica. Bastões de madeira, facões, forcados e espingardas de dois canos. O som desta sendo engatilhada foi como o som de um animal prestes a atacar. Um som que os pistoleiros já estavam familiarizados. Natalie e Bruno engatilharam as próprias armas.

– Entristece-me que tudo venha a acabar assim... – lamentou-se Roran, esfregando a mão na testa para acentuar a fala.

O velho sorriu. A multidão se moveu, fechando-se em torno deles.

– Para trás! Para trás! – berrou Natalie, quando uma velha com uma faca de cozinha avançou para ela.

Estavam em maior número. Em grande número e isso lhes dava confiança. Os forasteiros podiam ser pistoleiros, tudo bem, mas eles eram mais, muito mais.

Bruno sentiu Natalie se mexer tensa ao seu lado. Sua mão estava firme como rocha. Apontava diretamente para a cara de um senhor de idade que o observava com uma expressão assustadoramente despreocupada. Como se não ligasse a mínima de tomar um tiro no meio da testa. Entretanto, o que o preocupava eram as crianças. Pai Tempo, havia crianças na multidão. E armadas!

– Não há mesmo outra forma, ó senhor? – perguntou Roran. Mantinha a mesma calma e frieza na voz, porém agora suas mãos tocavam gentilmente os cabos de madeira dos revólveres.

– Nunca houve... – respondeu o velho, revelando que a bengala era na verdade uma espada. A lâmina brilhou na luz do sol.

– Eu mandei se afastar, porra! – gritou novamente Natalie – Dê mais um passo e vou plantar uma bala nessa sua testa velha.

Natalie parecia a mais tensa dos três, mas quem disparou primeiro foi Bruno. Natalie se fixava tanto na velha impertinente que não notara o cara que avançou para ela com o forcado. O cara da espingarda de dois canos apontou, mas antes que pudesse fazer mira tombou para trás com um tiro no meio dos olhos. Roran tinha girado sobre os calcanhares e disparado em uma velocidade incrível. Passou-se dois segundos desde a fala de Natalie e já jaziam dois corpos mortos no chão. Um morto por Bruno e outro por Roran. Os habitantes congelaram atônitos.

Do meio da multidão elevou-se uma voz.

– Filho da puta! Filho da puta! Pobre Mikael!

A senhora jogou-se contra o corpo do velho da espingarda chorando copiosamente e lançando pragas para Roran. A velha que fora morta por Bruno parecia não ter parentes, pois ninguém apareceu para reclamar seu assassinato.

– Acho que isso encerra as boas vindas – disse Roran e começou a disparar seus revólveres.

A multidão avançou enfurecida contra os pistoleiros. Bruno tinha estimado mais de quarenta, porém no calor da batalha via que se tratava de muito mais. Homens surgiam dos locais mais improváveis jogando facas, investindo com lanças e forcados. Estavam expostos. Viu o homem com a bengala-espada girar sobre os próprios pés e desaparecer em uma nuvem de fumaça. Era ele. Estava bem em sua frente e o tinha deixado escapar.

Correu então para um bar e saltou pela janela rolando no chão entre as mesas e cadeiras. Parou agachado mirando os revólveres para a janela de onde os homens apontavam as cabeças para então tombarem para trás com círculos fumegantes no meio das testas. Não tinha mais noção de onde se encontravam Natalie e Roran, mas não podia sair dali. Eles eram pistoleiros, saberiam se cuidar. O que tinha que fazer era o que fora treinado para fazer: matar até queimar o último cartucho e depois morrer.

Uma mulher de vestido entrou pela porta da frente com uma espingarda de dois canos – possivelmente a do velho chamado Mikael – e disparou contra Bruno que teve somente alguns segundos para rolar para o lado e se jogar atrás do balcão.

Enquanto suas mãos hábeis faziam o trabalho de recarregar os tambores dos revólveres lembrou-se do radar ao qual Roran falara. O radar era mais um dos aparatos que eles recolhiam pelas viagens no tempo. O seu estava agora na bolsa que carregava ao lado do corpo, mas não tinha tempo para pegá-lo. Lascas de madeira do balcão explodiam sobre sua cabeça quando ouvia o estrondo da espingarda.

- Dê meia volta agora, mulher, e poparei sua vida - gritou.

- Nunca, seu monstro!

Seus revólveres estavam carregados. Ele esperou até que a mulher desse o intervalo entre um tiro e outro e então se levantou disparando. Dera dois tiros certeiros. Um na mão da mulher fazendo com que ela deixasse a espingarda cair e outro sobre o coração ceifando sua vida. Viu a mulher levar a mão ao peito com uma careta de dor e cair no piso de madeira com o vestido espalhando-se a sua volta.

Bruno correu até a parede ao lado da janela e fitou o exterior. Ouvia os disparos dos revólveres de Roran, ou talvez de Natalie e a multidão berrando. E para seu alívio, viu a mão fina e delicada de Natalie sobressair-se detrás de uma carroça e disparar. Contudo, não viu Roran em parte alguma. Conhecendo-o como conhecia, achava que o veterano tinha se afastado para procurar a maldita Chave Temporal para tirá-los dali.

Ainda se lembrava quando o estranho homem apareceu em sua cidade com aquela invenção maluca.

(A mão de Natalie demorou a se erguer sobre a carroça e Bruno entendeu que ela estava municiando as armas. Sabia que ela era a mais lenta dos três. Um homem subiu na carroça e Bruno disparou contra suas costas).

O estranho dissera que a invenção era uma arma de grande valor em seu tempo. Afirmara que tinha vindo do futuro no ano de 2200.

(O rosto de Natalie surgiu sobre a carroça e ela olhou na direção do bar e de Bruno. Um sorriso brotou nos seus lábios).

Bruno inclinava-se sobre a janela e disparava contra a multidão. Os homens tombavam antes mesmo de se darem conta de onde os disparos vinham. Tentava evitar as crianças, mas quando estas descobriam seu esconderijo tinha que matar. Elas revelariam sua posição. No entanto, seu esconderijo se tornara um problema. Como não via Roran nem Bruno, a multidão se concentrava em Natalie e por mais que ela conseguisse mantê-los afastados, logo mais e mais pessoas se aglomeravam em volta da carroça. Ela estava encurralada.

Enquanto as mãos recarregavam velozmente os tambores dos revólveres, Bruno viu Natalie sair detrás da carroça. Seu coração se apertou ao vê-la correndo entre a multidão gritando e disparando. Girava o corpo com graça virando-se, agachando-se e disparando. Fumaça saía dos canos dos revólveres fumegantes. Ela corria para o bar. Matava os que cruzavam em seu caminho. Então suas armas pararam de disparar com cliques secos e ela estacou no meio da terra com o sol fustigando seus cabelos.

Bruno inclinou-se na janela e disparou seus revólveres seguidamente. Acertava os habitantes antes que chegassem até Natalie que corria enquanto municiava os revólveres. Uma tarefa muito difícil, mas não impossível. Ela estava a apenas três metros da janela do bar quando uma mulher se jogou contra suas pernas derrubando-a no chão. Natalie lutou contra a mulher que tentava tirar seus revólveres. Bruno mirava, mas não podia disparar. Poderia acertar Natalie. Praguejou de frustração e saltou pela janela. Ouviu Natalie gritar quando a mulher a esfaqueara. A turba avançou para eles. Bruno se aproximou e chutou a mulher do lado das costelas com toda a força que sua perna magra tinha. A mulher rolou no chão e apoiou-se nos cotovelos para levantar. Bruno apontou o cano do revólver para ela e disparou. Sangue jorrou da boca da mulher e espalhou-se por trás de sua nuca numa massa de miolos e dentes. Agarrou Natalie pelo braço e levantou-a. Juntaram as costas e começaram a disparar contra a multidão que avançava.

– Você está bem? – perguntou ele.

O barulho das armas disparando era música para os ouvidos deles. Os corpos tombavam no chão. Uma fila de pessoas mortas se estendia até onde a vista alcançava.

– Estou. A vaca acertou minha coxa. Onde está Roran?

Bruno começou a caminhar em direção ao bar. Revezavam. Quando Bruno recarregava, Natalie disparava e vice versa. Tocou no cinturão e notou com pesar que mais da metade das balas se fora.

– Deve ter ido atrás da chave de tempo.

Saltaram pela janela quase juntos e facas e bastões voaram sobre suas cabeças. Bruno levantou-se rapidamente e empurrou uma mesa bloqueando a porta. Natalie olhou para a espingarda no chão e para Bruno.

– Vá em frente – disse ele, indiferente – Prefiro meus revólveres.

Natalie ignorou por fim a espingarda e se sentou ao lado da janela recarregando os revólveres. Bruno agachou-se a sua frente observando-a empurrar as balas com os polegares para os tambores. Apoiou-se então no parapeito da janela e reiniciaram os disparos. Menos pessoas aventuravam-se agora. E quando não restavam mais de vinte, finalmente fugiram.

Natalie deixou as costas deslizarem pela parede e sentou-se com as pernas esticadas. Uma mancha de sangue espalhava-se na calça de tecido grosso. Colocou uma arma no coldre do peito e deixou a outra descansando ao lado da mão. Deu um longo suspiro e passou as mãos pelos cabelos.

– Finalmente acabou.

– Não acho que acabou – disse Bruno, sentando-se ao lado dela com os joelhos na altura do rosto.

– Acha que Roran teve problemas? – perguntou Natalie.

– Acho que nós tivemos problemas.

Os dois riram.

– Como o cara consegue sumir em meio a um tiroteio? – indagou Bruno, sorrindo.

– Talvez seja parte do treinamento de um pistoleiro – disse Natalie em tom de gozação – Ainda não completamos, não é mesmo? Quem sabe desaparecer seja uma habilidade especial.

Ficaram em silêncio. A cidade parecia deserta. Bruno amarrou um pano na coxa de Natalie e os dois tomaram das bebidas do bar. Depois de uma hora houve uma batida forte na porta. Bruno largou o copo no balcão e sacou a arma. Natalie foi para a janela.

– Quem é? – perguntou Bruno, a arma engatilhada ao lado do rosto.

– Roran.

Bruno empurrou a mesa de frente da porta e Roran entrou. Em suas mãos, tinha um cilindro que emitia faíscas azuis. A Chave Temporal.

Roran olhou para os dois com inegável orgulho nos olhos e disse:

– Vamos para casa, pistoleiros.

Sr Terror
Enviado por Sr Terror em 13/04/2012
Reeditado em 16/07/2012
Código do texto: T3610919
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