Sinestética: um amor em um momento - PARTE IV (FINAL)

A palestra

Chega em sua casa. Checa sua caixa de correios

- somente cheia de contas a pagar: água, luz, telefone

e crediários. Imagina-se recebendo cartas de amigos,

parentes, até de admiradores – quem me dera, secretos;

também de valores a serem creditados em minha

conta. Gargalhou de sua medíocre condição. – Ah! A

esperança, florzinha que rego diariamente e que teima

em nascer...

Tomou um banho rápido. Tinha que chegar a

tempo na palestra. Sentiu-se um pouco fraca. Lembrou-

se da janta. A luz já tinha se ido e agora? Somente

lhe restava a água. No caminho de casa pegou água

mineral de dois litros. Tomou de um gole só mais ou

menos um litro e meio. Sentiu o doce da água, também

sua salobridade - sentiu um pouquinho de seu

caminho, imaginou-a viajando por rios e mares – mas

isso foi só em um repente e retomou a sua missão

arrumar-se para ir ao evento. Pegou em seu guarda-

-roupa sua mais bela vestimenta, um conjunto muito

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bonito de jeans e uma batinha azul-escuro com uma

plataforma que nunca fora usada, aliás como todo o

resto.

- O que será que vai acontecer lá? Nunca ouvi

falar nisso. Vou fazer feio... Aliás vou só conhecer melhor

sobre isso – na verdade nem estou interessada

nesse negócio de neuro... qualquer coisa – vou conhecer

pessoas diferentes. Quem sabe...

Sinestética não tinha o interesse por palestras.

Sempre evitava multidões. Seu interesse no máximo

era ir fazer visitas em pizzarias, lanchonetes, em petiscarias

e na casa de suas amigas Monavir e Tiseta.

Sentia-se estranha. Sentia algumas vontades novas.

Amava ultimamente as leituras fúteis, mas por alguns

instantes pensava nos clássicos, em alguns problemas

do homem. O ócio na maior parte do seu tempo era

seu amigo e a tevê sua rede para embalá-la ao sono

dos finais de semana e às noites. Agora, sua vida dava

uma guinada, se via-se toda arrumada para um lançamento

de um livro nem sabia de quem, nem sabia

para quem, nem sabia por quê. E, quem diria? Toda

arrumada, mais bela do que nunca.

Com o convite em mãos, chegou em um hotel

muito elegante no centro da cidade. No hall, a nova

amiga estava dando boas vindas aos presentes. Ela foi

ficando por ali mesmo. – Já chegou muita gente? –

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Você é a primeira. Riu discretamente a amiga. – Nem

o escritor chegou. Prometeu que estaria aqui na porta.

A propósito, me chamo Durvalina, pode me chamar

de Dorva. Minutos depois, começam a chegar os convidados.

Parece que ficaram na esquina amontoados

combinando em chegarem juntos. Também, chegou o

escritor. Cumprimentou-as com um largo sorriso. – Essas

são minhas fiéis escudeiras? Brincou Maximilliano.

Dorva cumprimentou, como se estivesse em êxtase,

um mega star. – Nos falamos a maior parte do tempo

só por telefone, precisamos nos ver mais. Joseph está

lá em cima. Ele dará as boas-vindas às pessoas na sala

de palestras. Já está tudo arrumado. O coquetel ficará

a cargo do hotel. Tudo em ordem. – Agradeceu exaustivamente

Maxi. – Era como queria ser chamado.

O olhar de Maxi e Sinestética se cruzaram de

forma meiga e verdadeira.

- Essa sua amiga é?

- Sinestética, muito prazer. – A esta altura Siné

– era como queria ser chamada ali pelo menos – estava

muito à vontade ajudando Dorva que entre um

boa noite aos convidados e uma palavra com Maxi

organizavam a recepção e davam um tom intimista

ao lançamento – o que era elogiado pela imprensa ali

presente bem como por alguns críticos de plantão que

taxavam o comportamento do autor de acordo com a

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linha de pensamento adotado em seus livros: - a valorização

do ser pelo ser. Sem distinção - como se fosse

um serviçal que de fato o era - resolveu não vender ali

nem um de seus livros – o que era feito por Joseph lá

em cima.

- Não se preocupem, autografo depois os livros.

Tranquilizou o simpático escritor.

A recepção foi tranquila. As pessoas estavam à

vontade. A amizade de Dorva e Siné começou a se

desenhar.

O triângulo

Siné percebeu que Dorva olhava cobiçosamente

Maxi. Ele com olhar fugidio desviava a admiradora,

voltando-se para Siné. Tudo se apagava ao seu redor

como se aquilo não estivesse acontecendo a ela como

se as pessoas não estivessem ali, só enxergava aquele

que em um instante roubou seus sentimentos – amor

à primeira vista - pensou.

Dorva percebeu que havia um clima romântico

entre os dois. Um leve toque na mão quase que imperceptível

entre os dois selou tal desconfiança.

- Ah! Que bela amiga esta. Ruminava Dorva.

Todavia, resolveu manter-se discreta. Morria ali

– em seus pensamentos medíocres - a possibilidade de

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uma amizade verdadeira. Mas quem realmente saberia

o destino desta amizade?

Dorva passou a observar Siné. Seus gestos suaves,

sua profundidade de pensamento, embora não

fosse de falar muito era precisa, ela falava, por isso

com veemência e sabedoria. A dor veio-lhe em segundos

ao seu peito. - A ladra de coração – pensou.

- Quem é esta mulher misteriosa? Respirava Maxi.

O acontecimento já lhe rendera a oportunidade de conhecer

aquela bela moça que exalava um perfume de

rosas. Seus cabelos escuros davam-lhe um charme sem

igual contrastando com sua pele clara com algumas

sardinhas próximas ao seu aquilino nariz.

- Você... sentimento que nasceu em meu coração

como se estes minutos que passamos aqui fossem

triplicados com tão agradável companhia. – Maxi,

falou quase que automaticamente corando frente a

Siné, frase ouvida por Dorva que teve em frangalhos

seu palpitante coração.

A recepção estava feita. Era subirem à sala. Siné

falou que subiria. E o fez, entrando na sala cheia, deixando

para trás Dorva e Maxi.

Dorva aproveitou o ensejo e atacou Maxi, roubando-

lhe um beijo no elevador. Maxi atônito vermelhou,

nada falou. E ambos chegaram ao salão sem

mais nem uma palavra proferida.

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Joseph compôs a mesa chamando alguns repórteres

e um vereador da cidade que se fazia presente.

Maxi expôs durante quarenta minutos o mote do encontro,

falando extasiado sobre a experiência do livro

que tratava de forma profunda, mas, segundo ele, com

linguagem simples vulgarizando teorias tão complexas

como a filosofia existencialista e a teoria da relatividade

de Einstein. Os focos principais eram: a ajuda

ao homem para se perceber como homem e aproveitar

seu tempo dando-lhe uma elasticidade promovida

pelo prazer de uma vida vivida em sua plenitude - do

homem que aprecia um simples lírio ao homem que

descobre Deus na grandiosidade complexa das relações

humanas.

A eloquência de Maxi fazia Siné voar por suas

palavras, tudo parecia tão claro, tudo tão profundo,

viajava numa nebulosa de saber-amor-prazer.

Dorva era ensurdecida pelo ciúme. Os recônditos

da sua mente eram abrigados por estratégias de conquistas.

– Como não pude perceber esta traidora no

primeiro encontro. Seus olhos ligeiros, seu sorriso malicioso.

Quanto fui tola. Chamá-la ao meu lado. O lobo

vem à casa do cordeiro. Ruía-se por dentro Dorva.

A palestra acabou, os convidados se retiraram, Joseph

levou as autoridades para um jantar. Saiu dizendo

que aguardaria Maxi assim que ele terminasse ali.

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Ficaram Dorva, Maxi e Siné no final. A conversa

fluiu em torno do sucesso que foi o lançamento do

livro. Maxi elogiou desmedidamente a competência

de Dorva. – Esta foi a melhor apresentação que já

participei. Muita simplicidade, objetividade, e de um

profissionalismo sem igual. Dorva corou e orgulhou-

-se. Agradeceu afirmando que o evento foi o sucesso

que foi pela qualidade do trabalho do escritor que não

merecia que fosse diferente.

- Irei fechar a conta. Vocês vem comigo? – Falou

Dorva.

- Não ficaremos aqui. Preciso conversar com

Siné. Vou chamá-la para trabalhar em meu consultório.

Você achou uma auxiliar à altura da qualidade

do evento, preciso de alguém assim a meu lado.

Declarou Maxi – provocando mais ainda a ira de

Dorva.

Os dois a sós. Siné ainda extasiada pela eloquência

e charme de Maxi. Parabeniza-o. – Você topa sair comigo

logo após o jantar? Convida meio que descrente Maxi.

Rindo discretamente, com a humildade de uma

jovem inexperiente – aceita.

- Temos muito que conversar. E com um discreto

beijo incendeia as bochechas de Siné. O que é flagrado

pela admiradora de Maxi que fica tristemente parada

no final da escada que dá acesso à cena.

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Despendem-se deixando primeiro Siné em sua

casa. Segue levando Dorva ao jantar. – Nos vemos...

diz Maxi. – Té Miga. Brigadão... A gente se vê. Despede-

-se Dorva.

No carro, ao sair para o jantar Maxi deixa claro a

Dorva que o relacionamento entre os dois seria apenas

profissional. Desculpa-se afirmando: - Dorva não é por

nada, você é uma mulher atraente, muito inteligente,

madura nos seus atos e palavras, mas... podemos ser

amigos e só... acho que encontrei a pessoa que há muito

procuro. Siné sua amiga... – Ela não é minha amiga

– braveja Dorva. – Ela foi alguém que conheci no

momento errado. Tudo bem podemos ser amigos? Mas,

assim que você se decepcionar com aquela imatura estou

esperando por você. Ambos aceitam a condição, e

sobem sem nada se falar, para o jantar.

O amor bateu no coração

Siné vai para a geladeira pega de sua água e a

consome como se estivesse no deserto. Meio que aturdida

não compreendia o que estava acontecendo em

sua vida. – Tudo tão diferente em tão pouco tempo...

– balbuciava a si mesma. Nunca um homem havia a

olhado como Maxi. – Aqueles olhos, aquela expressão

sábia, sua boca, sua voz, seus cabelos, sua sensibilida26

de, sua inteligência. – Quantas palavras para descrever

o que o coração não entendia, somente sentia. Mais

do que nunca a necessidade de conhecer o mundo

para impressioná-lo fazia-se presente. – Quero saber

mais. Quero viver mais. Quero viajar mais. Quero me

embelezar. Quero ser feliz. Tudo isso com meu amor.

Jogou-se de cabeça – com palavras – no amor de um

desconhecido, que o sabia assim, todavia por alguma

razão lhe transmitia confiança.

A lua ainda iluminada no céu com brilho se assemelhava

a um grande copo de leite alvo, luminoso,

inspirador.

Ela pôs uma roupa leve e saiu na escada de sua

casa que dava para o quintal. De lá, ficou a se alimentar

da luz da lua, dos sonhos ao lado do seu amado,

das verdadeiras amizades como Dorva que lhe oferecera

até ali o que nem uma amiga lhe tinha oferecido,

a oportunidade de ser feliz, de sonhar, de conhecer

pessoas diferentes – embora não soubesse o que se

passava nos pensamentos de sua rival amorosa. Isso

Siné não sabia, pois Dorva dissimulou-se muito bem.

Sempre prestativa, sempre sorridente, sempre pronta

a responder atenciosamente o que Siné perguntava,

aparentemente uma pessoa sensível e autêntica. Talvez

tenha sido desfigurada pelos flamejantes dragões

do ciúme - quem sabe?

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Os planos foram inevitáveis, voltar a estudar. Decidiu

voltar a estudar, preparar-se para o vestibular, pois

havia três anos que tinha se formado no ensino médio.

– Quero fazer psicologia. Decidi. – Quero fazer poemas.

Aliás, esta noite vou fazer um. Adorava poemas. Eles a

faziam sentir-se melhor. No entanto, poucas vezes pegou

da caneta para compor um. Eis a oportunidade.

E num ímpeto queria ler sonetos. Queria fazer para o

seu amor – por ora platônico – sonetos. Eles ajudariam,

também, explicar sua paixão. Talvez idealizá-lo como

um cavaleiro que a acompanharia, que estaria a protegê-

la como a uma donzela em perigo.

O resultado de algumas horas tentando foi festejado

logo que saiu a primeira estrofe em um velho

caderno:

Meu amor, que de longe imaginado

Pensava existir somente em estrela

Distante, outrora só em meu fado

Acendeu em mim, da esperança, a centelha.

As tentativas se sucederam e adormeceu sentada

no sofá não conseguindo continuar a segunda estrofe.

Às duas horas da manhã, bateu-lhe à porta Maxi.

Meio que atordoada, abriu-a. Surpreendeu-a com um

caliente beijo. E a noite lhe ofereceu a inspiração que

precisava para terminar seu soneto. O que foi descrito

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logo de manhã, após Maxi ter se despedido com beijo,

enquanto ela dormia, deixando o número de seu

telefone e as juras de amor eterno presas pelos ímãs

em sua geladeira num bilhete: “Que desta noite ecoe

o mais puro amor dos nossos corações. Tomei a liberdade

de ver seus versos. Amei-os. Bjs.”

Emaranhei desejo não gozado

Em gotas de orvalho na lapela

Nunca havia deste mel experimentado

Sinto-me agora tinta em sua tela.

Controlava, o pecado, meus conceitos

E você, meu amor, os olhou se quer

Com carinho ignorou meus defeitos

E com amor selou uma mulher

Que jamais sonhara tais deleitos

Que docemente em minha vida se fez mister.

Dia de folga

Ainda atônita, perguntava-se se era digna de tanta

paixão. Nunca imaginou que em tão pouco tempo

começaria em sua vida um momento deveras sublime.

A fome lhe veio como algo inesperado, como

o verme que lhe rói as vísceras. Com ela, a sensação

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do esgotamento tomou seus membros. Resolveu caminhar

para esquecê-la. Foi até a uma fonte no centro

da praça próxima à sua casa. Lavou-se: a cada vez

que tocava sua face lhe vinha à mente suores, ofegos,

calafrios, felicidade... Embora, a felicidade fosse um

mar em que se encontrava submersa, estremeciam-se

suas entranhas e o medo do amor frustrado toldava-

-lhe por alguns instantes a luz que cintilava sorrisos na

alma que cobriam as mais densas lembranças de uma

vida sofrida. Aqui-agora-felicidade, pensou.

Vestia amarelo claro. Sentia na boca o gosto do

enxaguante bucal que lhe enjoava. Sentou-se em um

banco bem de frente à igreja. Os raios solares, lambiam-

lhe o rosto, refletidos nas águas da pequena lagoa

em que nadavam alguns patinhos. A água naquele

dia tinha que ser reflexivamente apreciada goles calmos

no fundo ensalobros, salgado-doce. O coração

sentia-o bater aceleradamente. Mais água, os patos

pareciam não se mover, aliás tudo parecia não se mover

– pelo menos é o que parecia.

Apreciou um velho ipê amarelo. Seus galhos

cobertos por um ponche verde claro davam-lhe uma

imponência real. Lembrou-se do rei Salomão, suas riquezas,

sua sabedoria, sua mortalidade, do sermão do

padre na quarta-feira de cinzas, da simplicidade dos

lírios da praça... O sofrer pelas coisas terrenas. A cor30

reria do dia a dia em busca de se eternizar por um

momento, em um mísero momento. O fato de não

ter que animalescamente perder a eternidade para

garantir um tórrido pedaço de pão. Riu-se, xingou-se

“boba, isso não é tua realidade! Esquece. Ô ô volte à

tua aguinha!”

Sua voz ordenou para que voltasse de seu momento

de reflexão. O homem, às vezes, animaliza-

-se busca de seus ideais, esquece de sua origem subliminar

e prende-se ao predatório materialismo.

Espiralava seus sentidos tal reflexão. “Já sei a fome.

Quero mais água”. Saciou-se por mais alguns segundos.

Não queria se lembrar da incrível noite – o

medo do abandono a atormentava – a eternização

daquele momento era seu locus amoenus. “Aprazíveis

caminhos me levam ao meu Amor. Seu celular...

Vou ligar... Nem que eu queira meus dedos

não me obedecem, nem minha razão... Não posso

ser aquela que rasteja... Mas é o meu amor... Não

posso...”

- Minhas amigas. – Lembrou-se de suas amigas.

Mas de todas, Dorva era a que lhe puxava o fio da memória.

Admirava-a, sua paciência, sua sabedoria, seu

conhecimento. – Minha mentora. – Balbuciou.

31

As amigas

Já não se sentia tão faminta. Dirigiu-se à livraria

em que trabalhava Dorva. Ao chegar à vitrine da

loja, um choque correu-lhe à vértebra. O livro de Maxi

exposto, um grande folder à porta com a fotografia

de Maxi segurando o fruto de seu trabalho e o slogan

“Viver um fardo? Ou um presente divino? Você faz a

escolha.”

Para ela, a escolha do amor gerava-lhe uma dúvida,

mesclada de satisfação e esperança.

Ficou alguns segundos em um plano diferente

daquele em que estava. As coisas ao seu lado ofuscaram-

se. Maxi saía do folder lhe abraçava, satisfazia-

-lhe, saciava-lhe, entendia-lhe. Maxi talvez não soubesse

a que intensidade incendiara esta rica criatura.

O amor de Siné era algo que, segundo muitos, não

existe mais em nossos dias. Em pouco tempo - como

uma adolescente – entregara-se aos encantos de uma

paixão.

A mulher madura degladiava-se com a sonhadora

que habitava os recônditos de sua essência. A primeira

alertava-a à possível decepção, à superficialidade

dos relacionamentos, à maturidade da mulher que

não se aprisiona, mas deixa a paixão livre como um

cavalo selvagem. Já a segunda... possessiva, louca de

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paixão... a entrega certa... a espera do príncipe encantado...

algo edipiano, o casamento, a casa limpinha...

a dona de casa, a comidinha, os filhinhos, os cachorros,

as juras de amor eterno...

Alguém a desperta com leve toque ao ombro.

Com um sobressalto, interrompe-se a divagação. Olha

para trás e Dorva lhe recepciona com um largo sorriso.

Siné a abraça sinceramente. A amiga – pensou

- porto seguro, conselho certo.

- Como vai você? Desculpe-me o jeito. Onde

você estava? Sorriu maliciosamente Dorva.

- Longe, muito longe. Aqui no meu peito tem um

navio que navega sem rumo. Ora no mar, ora no cais.

Filosofa Siné.

- Ah malandrinha, apaixonada não é?

- Digamos que... talvez...

- Seus olhos não enganam. Maxi é um Don Juan

com as mulheres, um legítimo gentleman. Esse Maxi,

apontou com o dedo. Não se entregue fácil. É das

mais difíceis que ele mais gosta. Alertou tardiamente

Dorva.

Siné só sorriu.

- Maxi esteve aqui hoje cedinho. Ele passou aqui

assinar o contrato com a editora. Joseph estava muito

contente com a expectativa positiva do livro frente às

vendas. Já é um sucesso. Comemorou Dorva.

33

Siné sorriu.

– Ele é muito inteligente. Inteligência e carisma

são um prato cheio para o sucesso. Reafirmou Dorva.

- E você como está Dorva?

- Estou ótima. Vou ganhar uma promoção. Vou

ser responsável pela turnê de Maxi. Vou viajar com ele

no lançamento do livro na Europa por uns três meses.

Depois me estabeleço na França, por mais seis meses

na filial de lá me aperfeiçoando e volto para gerir os

negócios aqui no Brasil, na região sul. Extasiava-se

Dorva comemorando oceanicamente.

Os olhos de Siné arderam, a palpitação, a falta

de ar. Engoliu tudo isso a seco e falou:

- Que bom! Quando vocês viajam?

- Daqui uns quinze dias. – Pausa.

- A propósito você não quer trabalhar aqui? Uma

de nossas atendentes vai ficar no meu lugar e vai sobrar

uma vaga o que você acha? Joseph amou seu

trabalho, você ontem se saiu muito bem. Vou acertar

com você, você foi ótima. Dorva acatou muito bem

a ordem. A discrição era pedido de Maxi para que

Siné não desconfiasse que o pedido viera dele. Ele

acreditava nela, mas, quem daria trabalho nesta área

para uma pessoa que não tem muito conhecimento

em literaturas. Deveria ela conhecer muito. Mas, isso

não era problema para Siné, gostava de leitura, em34

bora não tivesse ainda frequentado uma faculdade.

Era autodidata, aprendia com a vida, aprendia com

a natureza. Um espírito inquieto, uma mente limpa,

um coração mais limpo ainda, uma malícia pueril que

decifrava o espírito das coisas. Talvez foi isso que só

Maxi percebeu. O conteúdo e não o frasco daquela

incomensurável fragrância.

- Amei o que fiz ontem. Não se preocupe aprendo

rápido, amo livros. Aceito o emprego. Quando começo?

Abraçou Dorva agradeceu-a exaustivamente.

A situação era nova. Poucas vezes decidiu tão

prontamente por alguma coisa. Sabia que o desafio

era grande. Mas que engrandecida sentia-se. Era

uma sensação de felicidade e um dedinho de preocupação

com seus patrões. Sempre confiaram nela...

e assim sair de repente, deixá-los na mão. Eles entenderiam,

pensou. Sempre torceram por mim e sabem

que o meu momento chegou. Tenho que voar,

tenho que conhecer coisas diferentes. Sempre estivera

anônima na multidão. Os rostos das pessoas lhe

pareciam não focarem em sua direção. Sempre uma

anônima. Mais uma carinha assustada que caminha

na rua. Seus sentimentos, sua vida, sua história, não

interessava a ninguém... às vezes, nem a ela que procurava

recalcar tudo que a fazia infeliz. Tudo que a

diminuía. Sua tristeza embora embalasse seus dias,

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empurrava-a à uma vida diferente de sublimação de

apreciação das coisas pequenas: do canto dos pássaros,

das flores amarelinhas que faziam sua vida mais

feliz, dos cachorros na rua com seus olhares tristes,

solitários, famintos, às vezes doentinhos... Chorava

por não poder cuidá-los como deveria, o tempo lhe

era pouco. Cuidava poucos dias, encaminhava-os a

alguém que pudesse criá-los, o último que adotou

morreu... Decidiu por um tempo não tê-los. A posse:

quem tem quem? Síntese quase perfeita: homem

x cão: amizade e não solidão. Pensou “Seria muito

infeliz se não tivesse sido curada da solidão pela presença

em minha vida no momento em que mais precisava

de um amigo cão”.

Dorva selou neste momento, sem perceber, um

contrato de amizade. Uma amiga verdadeira. Daquelas

que briga por aqueles que a cercam.

Por outro lado, na ótica de Dorva, teria Siné por

perto. Vigiaria sua concorrente. Pelo fato de como

mencionou que seria companhia a Maxi em sua turnê

já causou – bem no íntimo de Siné – ciúme. Dorva comemorava

o fato de quem ficaria com Maxi seria ela.

Era uma questão de tempo e em poucos dias seriam

um casal.

- Que mesquinha sou eu! Por que estes pensamentos

me rondam? Não posso pensar isso. Esta po36

bre alma amou aquele homem... Ela confia em mim...

Pobre menina perdida...

Por um instante, Dorva compadeceu-se de Siné.

A viagem de Maxi trazia ao coração de Siné a

realidade dura, dura realidade, e, isso a puxava ao seu

mundo.

- Sei que Maxi não gosta de mim! O conflito entre

paixão possessiva e consciência desconcertou Siné. E

por alguns segundos entregou-se à figura de amiga. –

Talvez eu seja a ele uma amiga, mais uma em sua vida.

Seja o que for, foi ótimo.

Um calor imenso corou Siné e Dorva notou. Mas

não comentou, apenas percebeu que fazia algum tempinho

que estava falando sobre o trabalho. O que deveria

fazer. Ela balança a cabeça e pede que ela continue.

- Vamos tomar um café, assim a coisa flui melhor.

E Dorva sai com Siné como duas amigas confidentes,

traçando planos de quando ela começaria.

- Você folga hoje, amanhã você começa. Acerta

a tua vida. Tudo bem? Sorriu Dorva, muito prestativa.

Siné festejou mais uma vez: carteira assinada,

uma chance diferente, um universo diferente...

Por outro lado, a família que há dois anos a adotara

seria deixada. Sentiu-se traidora. Mas, a mudança

teria que acontecer e o pedido de conta: o choro, a

despedida, o início de uma nova vida.

37

A tarde do passeio

Siné resolveu retirar-se do mundo, pois precisava

refletir sobre sua mudança repentina de vida. Tudo

a aturdia: o amor, a dieta, o novo trabalho, novas amizades,

passou a gostar-se.

Saiu diretamente do café e embarcou no ônibus.

Ao adentrá-lo, as pessoas a fitavam alegremente. Algumas

a olhavam com inveja. Interrogava-se se era para

ela mesma que olhavam. Não se sentia neste momento

como antes – invisível ao olhar das pessoas – era

como se uma luz despertasse aqueles que a cercavam.

Sentou-se na poltrona. A brisa daquela tarde entrava

alegre pela janela lavando-lhe ainda mais suas desilusões

passadas. Sentia-se linda, sentia-se desejada,

sentia-se como se a vida lhe valesse a dura pena que

pagara até aquele momento... “a dor me edificou,

hoje mereço o que vivo pela imensa dor que senti. Valeu

ser uma boa moça e ter um amor verdadeiro, pelo

menos o meu é verdadeiro, e é isso que realmente

conta.” No seu interior, Siné sabia que a sua dor não

era tão imensa como daquelas pessoas que sofrem de

doenças, ou daquelas que sofrem privadas da liberdade,

ou males maiores. Todavia, havia algo nela que

poderia ter-lhe tirado a vida. Sentia que às vezes não

tinha liberdade, pois não a vivia na sua mais profunda

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significação. Vivia presa dentro de si mesma. Havia de

se libertar. E essa nova vida estava lhe oferecendo a

oportunidade de sair de seu interior e no mais íntimo

de seus desejos viajar muito longe. Absorver a vida,

que raiava nas manhãs, e que ela por muito tempo a

ignorou optando por ficar na escuridão que toldava

seu desejo de presenciar coisas tão simples como o

raiar de uma manhã ensolarada.

Junto com a brisa veio-lhe gritinhos. Era da filhinha

de uma senhora que estava com uma pequena

menina. A criança chamava-lhe a atenção. Como se

quisesse conversar com ela. Sorriu-lhe altivamente e

se escondia atrás da mãe. Fez várias vezes e Siné retribuía

com um sorriso tão largo quanto o da menina.

- Linda menina... uma princesinha. Falou Siné

elogiando meio que timidamente.

- Ela realmente é muito linda, é minha menininha.

Não é filha? Encolheu-se muito mais a criança

quase que desaparecendo atrás da mãe.

- Você tem filhos? Indagou a mãe da menina segurando

a menina que queria sair do colo.

Siné respondeu: - Não, mas tenho veneração por

elas. Elas me relembram um tempo em que somente

as crianças me eram verdadeiras.

A mãe sorriu meio reticente. – Elas nos entendem,

embora sua consciência de mundo seja limitada

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e ingênua, seus olhinhos veem coisas que nós adultos

não enxergamos. Elas nos pregam, às vezes, uma

imensa lição.

Siné encantada com a menina viajou a sua infância.

Infância dura de uma família de poucos recursos.

O pai era biscateiro e a mãe trabalhava como diarista.

Seu pai, semianalfabeto, assim como a mãe. Mas a honestidade

e o valor à vida, pela vontade de sobreviver,

era o que segundo eles deixariam a ela. O pai sempre

lhe falava: “te darei estudo filha e ele não é tudo, mas é

o que não podem te tirar, meu maior presente a você.

Enquanto eu puder te sustentarei para você estudar”.

Esta possibilidade não durou muito tempo, haja vista

ter tido a necessidade de trabalhar bem nova para

ajudar sua família no sustento da casa. Ajudava sua

mãe de manhã e à tarde ia para a escola. Sua sofrida

vida nem era percebida. As dores lhe açoitavam, no

entanto, com sua valentia as suportava, e no fundo

acabava até se divertindo com as poucas coisas que

lhe davam prazer. “Siné é muito madura para idade

dela” falavam as amigas da mãe. Essa menina um dia

será alguém na vida. A inteligência de Siné era elogiada

pelas patroas da mãe. “Uma menina com olhar

vivo, com atitudes vivas, e uma luz muito grande.” Foi

assim que foi definida Siné por uma historiadora dona

de uma das casas em que a mãe dela faxinava. “Eu

40

lhe darei alguns livros e você os leia, assim que puder

te darei mais. Conseguirei para você uma carteirinha

da biblioteca.” Esse foi um dos maiores presentes que

Siné ganhou, pois lhe traria uma lucidez de espírito

que a faria forte em sua caminhada.

Trabalhando, estudando, vivendo. As dores lhe

eram diversões, fortaleciam-lhe. Sua sofrida vida passava

e os sofrimentos não lhe eram assimilados. Mas,

com o passar do tempo veio-lhe a ansiedade. E sua

dieta calórica, oferecida pelos poucos recursos, lhe

daria os contornos, os quais odiaria e lhe faria, como

vaga desculpa – infeliz com sua aparência. Mesmo

assim, no seu interior, dizia-se feliz, e seus pais até o

final de sua adolescência sempre estiveram com ela

dando-lhe companhia e força para suportar as dificuldades

da vida e a sua desenfreada busca, quase que

inutilmente, em entendê-la. Lembrava-se, também,

que às noites o pai contava histórias e não raras as

vezes seus pais cantavam embalados à luz do lampião.

Definia aqueles momentos como sua riqueza, sua integridade.

Seus pais cuidando, instintivamente, em seu

pouco entendimento, da integridade emocional da filha,

queriam que ela não se ferisse. Protegê-la, pois ela

era a eles “sua menininha”.

Aproximava-se o ponto de parada precisava

descer. Beija calorosamente a menina no rosto, bem

41

como sua mãe e desce. “Você valeu o dia!” disse docemente

Siné despedindo-se.

Havia, perto de onde ela desceu, um santuário.

Tirou as sandálias e andou pela grama até chegar à capela

central. Uma pequena capela em volta muitas árvores

ao longe um vale. Precisava olhar longe libertar

sua mente. O céu tocava o verde. Sentou-se embaixo

de uma árvore. O canto dos pássaros se fizeram sua

música, relaxava-a. A lucidez precisava fazer-se amiga

dela, pois nesse momento ela precisava mais do que

nunca ser lúcida. Entendia que a felicidade podia ser

momentânea e neste momento ela poderia toldar-lhe

seus sentidos.

Rezou alguns instantes. Entregou a Deus suas decisões.

Entregou a Deus seu amor por Maxi.

Ficou o resto da tarde ali. Depois foi para casa.

As juras de amor

Quando chegou próximo a sua casa viu que o

carro de Maxi estava estacionado em frente. Sentiu

uma imensa alegria, e também insegurança. Não sabia

o que falar. Gostaria de poder encantá-lo, mas a

criatividade é um animal selvagem. Às vezes, não conseguimos

domá-lo, às vezes, nem conseguimos nem

se quer vê-lo.

42

Maxi estava sentado na pequena varanda que

havia na saída para o jardim.

- Olá? Como vai? Perguntou Maxi.

- Muito bem e você?

- Já conseguiu assimilar a nova vida que você viverá

daqui para frente? Sorriu Maxi.

- A maior mudança aqui é você. Justificava Siné,

com um largo sorriso.

Ele a beijou suavemente, pegou suas mãos. E interrogou:

- Você não vai me convidar para entrar?

Siné sorriu novamente e abriu a porta. Abre toda

a casa. Sentam-se na sala.

A conversa foi longa. Havia coisas para serem

tratadas. Maxi disse que era como se ele a conhecesse

há muito tempo. Não precisava conversar muito com

ela para saber que havia algo de muito bom nela.

- O que você viu em mim? Não tenho nada de

interessante. Sou uma menina sem a metade do seu

conhecimento de mundo. Você é viajado. Não sei

nada de você.

Nesse instante Maxi põe levemente a mão nos lábios

de Siné e suavemente pede que ela não fale mais

nada. Beija carinhosamente sua mão. E diz: - Amanhã

você entenderá. Poderia te dizer tudo o que senti por

você, mas passei a tarde inteira escrevendo sobre isso.

Seria tautológico. Portanto, amanhã leia minha crô43

nica que publiquei sobre nosso amor. Peço desculpa

se expus a gente. Mas precisava falar para o mundo

inteiro. Eternizar um momento que para mim foi um

dos mais felizes da minha vida. A mulher que sempre

sonhei. Mas... Amanhã você lerá e entenderá tudo.

Agora vamos aproveitar este momento.

Resolveram sair. Precisavam aproveitar o tempo.

Maxi dispensou seus compromissos e entregou-se

a Siné.

- Vamos jantar depois, vamos ao cinema.

Não sabia da dieta de Siné. Logo saberia. Ficou

meio atônito, todavia resolveu respeitar. Não sem antes

aconselhá-la como quem tem conhecimento de

causa, por ter como aconselhadas várias meninas que

sofriam de anorexia.

- Você não sabe o quão triste é o sofrimento dessas

meninas, o quanto sofrem suas famílias e aqueles

que as amam. Pense profundamente no que você está

fazendo. Na livraria, você encontrará vários livros a

respeito do assunto.

Siné contrargumenta afirmando que não está

passando fome, só mudou seu alimento. E desde que

mudara, sua vida também mudou. E agora ela se sentia

muito feliz.

- Olhe Maxi. (pausa) Desde que mudei meu foco

de vida cresci muito. Talvez, não seja o momento de

44

eu parar. Eu supervalorizava algumas coisas. E não

aproveitava outras. Deixei de me alimentar da vida. E

é isso que entendi.

Sentada à mesa com Maxi se alimentava de suas

palavras de sua preocupação, de seu amor quase que

paternal. E a noite passou agradável. Com cada um

contando sua história de vida.

Mais Siné falava, Maxi só ouvia como que se sonhasse.

A crônica

Maxi saiu antes de amanhecer. Um bilhete na geladeira:

“os sonhos que mais nos prendem são aqueles

a que nos entregamos sem nem uma reação. Um agradável

dia a você. Um início ótimo de trabalho. Boa

sorte. Passo à tarde aqui. Com amor Maxi.”

Siné era toda empolgação. Seus olhos flamejavam.

Era um sonho que não sonhara, mas que o vivia

com intensidade. As colegas de trabalho a receberam

com bonomia. Foram simpáticas e dispostas. Embora

uma delas, a mais velha, aparentemente falou com ar

de graça “aqui se muito trabalha, pouco se ganha, mas

muito se diverte, boa sorte colega. Aliás livros novos

chegaram, você já tem o que fazer. Axulina você ensina

Siné na catalogação?”.

45

Era um ambiente bem arejado, uma iluminação

ótima, havia uma sala de leitura com confortáveis almofadas,

um ambiente Hi-Fi, e tudo que uma livraria

bem montada precisava ter, inclusive um ambiente infantil

com salinha de leitura e jogos lúdicos. Era algo

muito agradável a Siné. O saber batia em sua porta.

Ali com certeza aprenderia muito.

Axulina chegou com um exemplar do jornal de

circulação regional em mãos. Falou a Siné. Dorva pediu

que eu o entregasse a você. Tem algo muito importante

aí que te interessa. Siné continuou catalogando.

Observava as pessoas que entravam. E cada uma delas

apresentava um ar que despertava nela o interesse

de saber um pouco de suas vidas. Aproximava-se para

vê-las qual eram suas preferências de leitura. Estudava-

as e sem perceber a cada pessoa que entrava arriscava

mais ou menos a que sessão se dirigiria, algumas

vezes acertava, e isso se fazia uma interessante brincadeira.

As colegas, às vezes, não muito simpáticas

abandonavam os clientes muitas vezes nem perguntando

no que se interessaria. O que desejaria. E assim,

passou a manhã. Dorva chegou perto da hora de Siné

sair para o almoço. Abraçou-a e falou:

- Siné, hoje estou conversando com algum de

nossos clientes e fornecedores, caso você precise de

alguma ajuda só você me ligar te deixo meu núme46

ro de celular com você. Ligue não se apure. Se você

precisar de algum livro para você se familiarizar temos

todos em versão digital. Alguns dos editores nos

abrem para conhecermos seu conteúdo com sinopses

muito interessantes. A senha te entregarei também.

Não se envergonhe em perguntar. Todas as meninas

estão muito bem aconselhadas em não te deixar na

mão. Você é minha amiga. Eu não vou te deixar na

mão (insistiu). Dorva falava ligeiro, Siné só balançava

com a cabeça concordando. – A propósito tenho que

ir ligeiro em casa almoçar, à tarde continuo com meus

serviços externos. Até mais Siné. Amanhã conversamos

mais. Beijão.

Dessa forma, sem Siné dizer alguma coisa Dorva

falou com uma das meninas e saiu apressada.

Logo após, sai Siné para a hora do almoço.

Curiosa Siné dirigiu-se à igreja. Benzeu-se. Sentou-

se e tirou de sua bolsa o jornal. Foi folhando até

chegar na coluna de Maxi. E começou a ler:

“O amor em sonhos e realidades. Prezados leitores.

Sempre venho a vocês semanalmente falar das

relações humanas e suas dificuldades. Atualmente,

tenho vivido um conto de fadas. Lembram-se vocês

de alguma vezes ter citado em minhas crônicas uma

mulher que sempre sonhei? Era minha companheira

ideal. Não digo que não tenho que agradecer às mui47

tas mulheres a que conheci e que, muitas vezes, traçamos

histórias muito felizes. Decepções vivi sim. E

mesmo elas, ajudaram-me a definir o meu padrão do

que realmente quero para minha vida. Agora volto a

falar de minha companheira ideal. Vejam só os senhores.

Sairei de minha formal maneira de escrever

baseada na ciência, para de maneira quase que coloquial,

traduzir o que estou vivendo. Há poucos dias,

no lançamento de meu último livro havia feito um

pedido aos céus. Que precisaria conhecer alguém

especial. E foi, nessa mesma noite, que conheci. Eu

antes mesmo de conhecê-la pessoalmente, já a imaginava

há muito tempo. A descrição era a mesma: fisicamente,

intelectualmente e sentimentalmente. Ela

poucos dias, em forma de sonho, já havia se apresentado

a mim. Seu rosto não conseguia enxergar, mas

sua voz para mim era clara, era a mesma da mulher

que me ajudou ter sucesso num dos eventos mais importantes

a que participei. Meu maior contrato com

uma editora. Minha maior chance de minha vida. Sobretudo,

minha noite mais feliz depois de tantas que

se passaram como que se fosse a repetição de outras

opacas noites. Saliento que sua luz era sem igual.

Sua aura de bondade era um coisa fora do normal.

Sua aparência física era completada por uma sabedoria,

daquelas imanentes, daquelas que nasce com

48

a pessoa. Confesso que ela não precisa dizer muitas

coisas. Como já falei, eu já a conhecia. Senti medo

disso. Mas o amor é maior. As viagens que fiz me

conduziram para caminhos desconhecidos. A cada

uma delas a novidade me trazia algo um pedaço do

desconhecido e necessário à minha vida. Sinto que

de todas as viagens amorosas essa é a que mais tem

a me trazer algo novo. (Desculpo-me aqui aos meus

amores passados a que tenho muito que agradecer).

Confesso que pensei que não confessaria nunca um

amor. Principalmente a vocês leitores. Nunca fui tão

pessoal nas minhas escritas destinadas a vocês. Mas,

achei que esta seria a chance de me fazer conhecer

– uma pessoa sensível, leitor de poesias, que se emociona

com um filme, que se emociona com a natureza,

que se compraz com aqueles que padecem, e que

também sofre, mas não deixa de acreditar. Em meus

artigos, vocês sempre encontrarão um pouquinho

de mim. Hoje vocês tiveram a chance de ver muito

de mim. E isso graças a uma mulher que colocará

com certeza nos meus próximos livros, se ela mesma

quiser, um charme maior às minhas manifestações

por quanto tempo ela assim desejar. Termino, hoje,

afirmando que vale a pena se entregar ao amor, ele é

o remédio a todos os males trazidos pelo tédio. Uma

ótima e iluminada semana.”

49

A quinzena de amor

A crônica de Maxi aumentou ainda mais o amor

de Siné, bem como a admiração do público-alvo de

seus livros que o viam como um homem da ciência

que escrevia friamente, mas não de forma vazia, sobre

o homem e seus recônditos, suas fraquezas e seus caminhos

alternativos para sair da depressão e enfrentar

de frente este mundo capitalista predador. Este conflito,

admiradores e Siné não perturbavam Maxi que

tinha bem claro seu caminho, seus ideais: ter filhos,

viver um grande amor, fazer profissionalmente o que

sentia prazer: escrever.

Os quinze dias passavam rapidamente. Siné não

abandonou sua dieta que já não a incomodava – o

sol, as alegrias, as idas a lugares floridos ou em que

a natureza cantava silenciosamente uma canção, a

igreja, os templos, suas amizades, seu novo trabalho

que a cada dia mais a impressionava pela riqueza que

possuía as infinitas páginas das obras que se ofereciam

carinhosamente a ela – que servia como mediadora

entre objeto desejado e ávido consumidor. Enfim

alimentava-se, às vezes, enfastiando-se de vida que se

fazia abundante ao seu lado.

Esses dias foram transcritos em uma poesia em

seu diário:

50

“Fez-se enfim primavera

Fez-se em mim felicidade

E a quinzena... Já era.”

A viagem de Maxi

Chegou o dia da viagem de Maxi. Abre-se aqui

um parêntese para comentários a respeito do tempo.

Os dias, antes da revolução na vida de Siné,

eram muito extensos, a sua dor, muitas vezes sem

motivo, pareciam infindáveis. Suas mágoas regurgitavam

em suas vísceras e o tempo regurgitava dessa

forma. Seu sofrimento diário sempre era novo. No

seu interior a dor era intensa – fibromiálgica. Embora

buscasse externar-se como pessoa feliz, sorridente,

muito pronta a tudo, quase uma mãe de suas

amigas. Era estoicista, sofria por suas amigas, por

ela mesma, pelo mundo, pelas estrelas... Agora as

novidades de uma vida radiante aceleravam sua

vida, páginas novas no livro de sua existência, eram

páginas prazerosas de serem folheadas e quando revistas

reavivavam mais ainda seu dia a dia. Tornou-

-se solidária, agora, de sorrisos, de bons conselhos,

porém sem deixar-se contaminar pela dor do outro.

Sentia prazer e, ser fonte de luz aos outros. Uma

nova vida.

51

Com essa radiância acordou ao lado de seu amado.

As malas estavam prontas. Era o dia. Maxi afirmou

que noivaria com ela no retorno e, ela ficava na incumbência

da organização do noivado. Sentou-se aos

pés de Maxi a olhá-lo, era como um sonho que ainda

não acreditava, o amor em um tempo em que sentimentos

puros são raros em meio a tanta atitude mesquinha

com o semelhante em que as pessoas parecem

ter saído de um iceberg.

O avião partiria às 15 horas, até lá buscaria fazer

o que pudesse para disfarçar a Maxi a imensa saudade

que iria sentir e a que já estava sentindo, mesmo antes

da partida. Precisava ser forte. E de fato o dia foi muito

agradável, conseguindo aproveitá-lo mesmo diante

de tal situação.

O fato que mais marcou o dia de Siné, foi Maxi

ter feito um noivado simbólico no meio da praça. O

que ele fez a Siné, foi tirar suas sandálias, ele tirou os

seus sapatos. Embaixo de um pé de plátamo, apanhou

um galho de uma flor branca fazendo-o à forma de

uma grinalda. No celular, o toque da marcha nupcial.

Mas, o cortejo da natureza e dos pássaros foi o que

mais impressionou o momento – embora não planejados

– pareciam que o fora. Siné achou muito engraçado,

muito espontâneo, Maxi parecia muito feliz, mais

do que nunca, e seu sorriso ora quase que orbital, seus

52

olhos em chama não o deixaria mentir diante de tão

grande evento: natural, original, poético. Ao fim selaram

um amor, uma aliança. E devido à demora, quase

que Maxi perdeu o avião, saiu um pouco do planejado.

Dorva estava preocupadíssima – ligando sem parar

a Maxi. Até que ele chegou e ela se sentiu aliviada.

- Cuida bem dele, Dorva.

- Cuidarei como meu irmão. Não se preocupe

Siné.

Siné abraçou calorosamente Maxi, em seus olhos

o amor, em seus olhos a saudade, em seus olhos uma

história que parecia não ter fim. O choro-riso inevitáveis.

Olhar vivo de ambos: o amor celebrado em uma

rica e transparente taça de cristal.

- Contigo vai meu coração.

As lágrimas em seu olhos marejados caíram timidamente,

sua tez resplandeceu, e uma indescritível

fragrância floral foi sentida por Maxi, as flores abençoando

uma união.

A solidão

Siné sentiu-se muito só. Em seus primeiros dias

sem Maxi, ainda ecoavam seus momentos de felicidade

ao seu lado. Com o passar dos dias o sol já não

brilhava para ela da mesma forma. Nem os e-mails de

53

Maxi com as fotos dos lugares aos quais visitara conseguiam

colocá-la para cima.

Certo dia, quando caminhava na rua, viu um senhor

sentado na calçada. Era um dia muito quente. O

homem lhe pediu uma moeda para comprar pão. Ela

parou e enquanto procurava em sua carteira moedas

o senhor a interrompeu.

- Minha filha você está triste. Não se preocupe...

Ele voltará.

Ela pegou as moedas e as entregou ao pedinte.

- Este homem não merece seu sofrimento.

- Como assim? – Indagou Siné.

- Ele trairá você com sua melhor amiga. – Meio

que sussurrou o homem com um imenso bafo de cachaça.

- O senhor não conhece meu noivo. Não me conhece.

- Não o conheço. Mas sei que ele não é fiel a você.

Siné sentiu um choque correr por seu corpo.

Sua garganta quase que se fechou, seu coração palpitou.

Suas mãos suaram. Sua mente pedia-lhe que

não contra-argumentasse, que nada falasse, afinal

era somente um bêbado, alguém fora de seu juízo

normal. Mas, tem coisas que a razão não explica,

como o nosso corpo reage instintivamente quando

provocado.

54

- O senhor diz isso porque a maior parte das pessoas

trai. Nós somos muito felizes. Ele não vai me trair.

Num súbito impulso, Siné deu por si e resolveu

sair dali. “Esse senhor está blefando. Quanto sou tola,

dando importância ao que diz esse bêbado”. Quando

se afastou um pouco mais, o senhor insistiu:

- O escritor... O escritor vai te trair.

Aí foi o golpe final. Siné fitou profundamente

aquele homem. Formigava seu estômago. O medo

apoderou-se de seus sentidos. E, ela afastou-se rapidamente

com os olhos marejados. A angústia. A dúvida.

“Não vou acreditar... Esse bêbado com certeza conhece

Maxi... Ele deve ter nos visto.” Assim pensava, assim

esperava, assim rezava.

Mesmo tendo duvidado das palavras do mendigo

– pelo menos era assim que insistia em pensar

– elas ecoavam em sua mente. Agora a dieta era também

de noites dormidas. Os seus livros lidos passaram

a ser os ultrarromânticos. A dor. A nostalgia. A fuga.

Trabalhava o dia todo e à noite se internava na leitura.

Suas amizades se preocupavam com ela, mas o telefone

não o atendia. Os e-mails de Maxi ficaram sem

resposta e os colegas de trabalho entregavam inutilmente

os recados a ela. Os postais chegavam à sua

casa esbofeteando-a como uma imensa mão que trazia

escrita em seus vãos dos dedos a palavra: traição.

55

Siné resolveu conversar com o mendigo. Dias

ela desviou o caminho em que ele poderia se encontrar.

Todavia, chegou o momento em que ela

enfrentaria seus temores. Aproximou-se da esquina

em que ficava aquela esfarrapada criatura – pensava-

o assim por seu incrustado ódio. Parou. Decidiu

retornar e não o enfrentar. “Não. Decididamente

preciso ir.” O mundo nesta hora girou. Quase desmaiou.

Sentia as veias do corpo inteiro, seu coração

a pulsar fortemente. Seus braços estavam formigando.

Passa uma moça com olhar assustado e pergunta

a Siné ali parada.

- Tudo bem com você?

- Só estou um pouco enjoada. Isso pode ser gravidez

minha filha. - Sorriu a moça.

Sentou-se havia esquecido da possibilidade de

gravidez.

- Não, não é minha senhora, estou em dia.

- Então pode ser o sol minha filha. Se alimente

com comida leve. Beba muita água. Aliás já te trago

um pouco de água pra você. Assim, entrou a senhora

na lanchonete trazendo em seguida água a ela.

- Obrigada minha senhora, pode deixar estou

melhor.

Siné recuperou-se um pouco e decidiu continuar

no empreendimento.

56

Quando virou a esquina olhou o senhor que estava

sentado no mesmo lugar que o vira antes. Ao observá-

lo mais de perto, não o reconheceu como sendo

o mesmo daquele dia.

- Uma moedinha para o “veinho”, minha filhinha.

- O senhor sabe onde está o homem que estava

sentado aqui dias atrás?

- Aqui é meu ponto minha filha. Não tem outro

que pode ficar aqui minha filha. É a lei da selva. Tudo

para sobreviver. Depois eu contribuo com a cachacinha

para os irmãos. Assim, sorriu largamente o senhor

com muitas falhas nos dentes.

Siné insistiu.

- O Senhor me conhece?

- Já vi você passar por aqui. Mas nunca falei antes

com você. Difícil alguém me enxergar aqui minha

fiinha. Ainda mais moça bonita assim...

- Atônita Siné teve sua visão tolhida. Quase desmaiou.

- Tudo bem moça? Perguntou um homem de terno

que passava por ali.

- Tô bem. Tô bem. E saiu Siné apressada dirigindo-

se à igreja.

Siné não entendia. Parecia estar alucinada. Vendo

coisas estranhas. Era a falta de Maxi? Era a dieta?

Não conseguia resposta.

57

A resposta talvez estivesse nos livros. Mas, em

que livro? Mergulhou na leitura sobre o assunto. Metafísica

não era seu forte, mas aos poucos ganhou força,

apegando-se com santos e anjos para enfrentar o

momento.

Deixou-se esquecer do que havia ocorrido. Desligou-

se da saudade de Maxi. Embora às vezes ela a

açoitasse. Suas chagas: trabalhos voluntários aos finais

de semana. Assim, distraía-se. E os dias passavam.

A invisibilidade

Aquele dia ao se acordar sentiu-se diferente. A

luz parecia-lhe mais amiga que outrora. Conseguia -

como se seu corpo fosse o fim de uma aresta - ver as

diversas cores da branca luz que lhe transpassava. A

corpulência desse evento distraía-lhe os sentidos. Notou

suas mãos diferentes – muito brilhantes. Sua face

quase translúcida ao espelho também refletia muito

forte a luz. Ao sair à janela, um beija-flor parou em

sua frente, quase imóvel, tentou beijar-lhe os lábios,

o que conseguiu de leve. Ficou atônita diante de tal

acontecimento.

“Um beija-flor tentou provar de meu néctar.”

Brincou consigo mesma. Sentia como se formigas de58

vorassem seu estômago. A luz, agora, transpassava-lhe

completamente. A fome se intensificava. A saudade de

Maxi, suas palavras. Precisava abrir seus postais, seus

e-mails. Decidiu em meio a tudo aqui, ir à tarde a uma

lan house. Era domingo, não trabalhava. Precisava ir

ao parque, ir à igreja. O abraço dos idosos um dia antes

a reanimara, assim como a umas palavras em sinal

de gratidão e carinho de uma senhorinha de cabelos

azuis: “viva o amor como se ele fosse o único motivo

de sua vida, o tempo passa e só ele é a lembrança que

mais nos impulsiona a viver mais. Lembre-se disso,

pois ainda vivo intensamente aqui cada ato de amor

que vivi (apontava para o coração). Vale muito a pena,

pode ter certeza, pois é uma das poucas que tenho”.

Sentia uma imensa vontade de sair. Apressou-se em se

arrumar. Foi apanhar a escova dental, segurou-a, mas

ela caiu. Achou natural “escorregou”, pensou. Continuou

logo após, arrumando-se. Ao tentar fechar a

porta, caiu-lhe da mão a chave. Tentou pegá-la quase

que não conseguiu. No entanto, teve dificuldades, mas

fechou a porta – a esse momento o medo e a loucura

eram tolhidos por um resquício de sobriedade que

não deixa nós pobres mortais acreditarmos em coisas

do gênero. “Que está acontecendo??!!” – indagou

Siné. Descartou a loucura, ignorou o fato e seguiu.

Viu ao longe uma colega de trabalho. Ao se aproximar,

59

esta não a viu. O que foi autojustificado como sendo

sua amiga “orgulhosa. Finge que não vê as outras

pessoas. Normal, isso hoje em dia. Falsas amizades,

falsos colegas.” O padre de sua paróquia, amigo de

Siné, também não a enxergou. Aliás, todos pareciam

não enxergá-la. “Opa, opa, opa, tem algo de estranho

aqui!.” - Sentia alguma coisa que não sabia bem o que

era. Ela só sabia que isso não era o que deveria sentir.

Nesta situação os sintomas de um ataque de nervos

seria o mínimo razoável. Mas... não era o que estava

acontecendo com ela.

Vinha-lhe uma outra colega de trabalho em sua

direção e - esta daria graça se não a visse mesmo - o

que acabou acontecendo. Queria chorar. Não conseguia.

Gritou, ninguém a ouviu. Olhou-se: o corpo em

luz, radiante, muito belo. Seus pés levitavam. “Subliminar”

pensou. “Agora sou um anjo” - não deixando

de lado seu senso de humor. “Que sonho mais demoradinho

esse!” devaneava ironicamente.

No fundo, ela pensava-se num sonho. Aparentemente

não era. E esse frio da dúvida corria-lhe pelo

seu subliminar corpo.

“Cadê meus sentimentos? Se dissiparam com...

com... – não sabia definir. – Deve ser... isso?!” Que êxtase.

Sentiu-se inebriada. As pessoas ao seu comando

andavam devagar, bem devagar.

60

Pensou “Sei...! eu acho que... como é que eu

vou dizer isso? Eu...” Resolveu não dizer o que achava

o que tinha ocorrido. Mas então deve se igual

aquele filme “O sexto sentido”. Então...” Parou na

praça em frente à fonte e ao velho ipê. Voltou no

tempo na noite de lua cheia e viu-se sendo iluminada.

Viu-se bela. Viu-se plena... A solidão a deixou.

Cada pessoa que passava perto dela agora a alimentava.

Seus sabores corriam - como se fossem essência

– aos seus olhos. Suas dores, felicidades e angústias.

Escutava-lhes seus pensamentos – quando

assim desejava. Tudo isso a aturdia, mas não a incomodava.

Andou, viajou, viveu de forma diferente.

Sentiu prazer no canto do pássaro o qual contou

com sua presença por alguns instantes. Se emocionou

ao ver vida no ninho e a mãe alimentando seus

filhotinhos. Continuou andando na rua. Ao passar

pela esquina em que tinha visto o mendigo, o avistou

novamente. Ela parou em sua frente. Encarou-o

com coragem, mas ele abaixou sua cabeça. Conferiu

- não foi o segundo que negou conhecê-la. Ela

parou poucos instantes ali. O senhor lhe dirigiu a

palavra:

- Você ainda tem dúvida minha filha?

- O senhor consegue enxergar-me?

- Sim, até seu lindo interior.

61

- Procurei o senhor novamente, mas não estava

aqui.

- Eu estava aqui. Você não me enxergou. Éramos

dois.

- Então...

Um silêncio imperou. Siné resolveu não entender

o que havia realmente ocorrido. O fato é que ela

conseguiu vê-lo. As indagações eram menores que a

ânsia de talvez aproveitar o estado em que se encontrava:

feliz, em paz.

- O que está acontecendo? O senhor quem é?

- Você estava muito confiante em um amor e eu

resolvi testá-la. Hoje, poucas pessoas amam de forma

que você está amando. – A face do senhor era tão expressiva

quanto suas palavras, como um druida respondia

Siné com sabedoria e paciência.

- Eu o amo muito...

- Você quer vê-lo?

- Sim muito.

- Então, que se faça.

Tudo se espiralou ao seu lado em fechos de luzes

multicolores. Pararam em frente à janela do apartamento

em que estava hospedado Maxi. Pela janela,

Siné observou Maxi abraçado com Dorva. Neste momento,

compreendeu as palavras que a alertavam à

traição. Mas não se enfureceu, apenas observou. Não

62

entendeu porque a fúria não invadiu seu coração que

parecia bloqueado. Ficaram ali alguns instantes.

- Nos aproximemos mais.

Ao se aproximarem ela viu que Maxi chorava.

Durva Consolava. Abraçados Maxi afirmou:

- Siné. (pausa) – O que aconteceu com ela?

Em um repuxo tão forte Siné e o misterioso homem

saíram dali. Retornaram à esquina. Siné fitou o

senhor, pegou a sua mão, beijou-lhe a face e atônita

retirou-se.

Em frente à igreja, sentada sentia os primeiros

pingos de chuva. A chuva engrossou e a água começou

a lhe trazer de novo à materialidade. Pouco tempo

depois a mãe e a criança que ela havia acompanhado

no ônibus se aproximaram e a menina ao colo

da mãe lhe sorriu, jogou-lhe um beijo com as mãos,

sua mãe não percebeu o que ocorria.

Siné seguiu para casa. No caminho desmaiou.

Uma mão quente tocou-lhe à face. Abriu lentamente

os olhos e com um sorriso, um médico - com a mesma

face do mendigo – lhe falou:

- Você menina precisa se alimentar... (sorrindo

brincou) agora você precisa comer por dois.

marcio j de lima
Enviado por marcio j de lima em 22/07/2012
Código do texto: T3791949
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