A Super Lua - Parte I

Sabe aquele fim de tarde em que a tua equipe cumpriu em um dia, a meta estipulada pelo chefe para a semana toda? Pois é! Esse era o dia em que alguns amigos sentados ao redor de duas mesas no bar Mirante Um, aproveitavam o sucesso momentâneo “matando” alguns chopes, caipiroskas e cervejas “sujas” de frente para os barracões da lendária Estrada de Ferro Madeira Mamoré, uma das maiores atrações turísticas de Porto Velho, capital de Rondônia.

Papo vai, papo vem... Trocas de ideias inconsequentes... Sem compromisso... Somente para passar o tempo...

E foi justamente nessa hora que o “âncora” que apresentava o Jornal local na televisão que, pitorescamente, estava afixada no galho de uma centenária Mangueira que sombreava o pátio e o estacionamento do bar, deu a notícia de que a Polícia Ambiental de Rondônia havia encontrado nas cercanias do Lago Cuniã um estrangeiro, um alemão, que, através de intérprete, alegava estar perdido na selva fazia mais de um ano – e terminou a notícia informando que o homem havia sido encontrado em meados do mês de Maio, mas, que a pedido da polícia, a ocorrência havia sido mantida em sigilo em razão do sujeito ter sido encontrado no dia em que Polícia Ambiental estava no Lago Cuniã efetuando buscas a um pescador desaparecido... A polícia suspeitava que o caso tinha ligação.

A notícia foi dada no momento em que o papo morreu por alguns instantes e na hora em que Fernando, conhecido na Rádio Corredor da empresa pela alcunha de “Nando Byte” – o cara vivia o tempo todo com Ipad, Iphone, Tablet ou Notebook sempre à mão, por isso mesmo um dos esquisitões do grupo – coincidentemente acessava as notícias dos jornais eletrônicos da região pelo Iphone de última geração, leu uma chamada de capa idêntica à notícia anunciada pela televisão:

-Moçada, algum de vocês aí ouviu o que o cara da televisão anunciou agorinha? Caraca, meu! Saiu aqui também, ó! Na página eletrônica do “Rondoniagora” ... Dá uma olhada aqui, meu! Acharam um cara que estava perdido na selva havia mais de um ano... Putz! Está dizendo aqui, ó.... O cara, um alemão, parece que biólogo e ornitólogo, estava fazendo uma pesquisa no Vale do Guaporé, ali por perto de Costa Marques e São Miguel do Guaporé, lá pela Região Norte do Estado de Rondônia, mais ou menos fronteira com a Bolívia... Pois é! O cara estava fazendo uma pesquisa e durante os trabalhos o sujeito desapareceu... Ficou perdido por mais de um ano, e agora foi encontrado pela Polícia Ambiental nas matas que circundam o Lago Cuniã que fica mais ou menos a uns novecentos quilômetros de distância do local de onde o gringo se perdeu... Putz! Como é que pode?

Imediatamente todo o pessoal ao redor da mesa sacou, cada um, o seu celular e acessou a página eletrônica indicada pelo Nando para ler a estranha notícia...

Alex, um carinha que era conhecido na empresa, especificamente, também na Rádio Corredor, como “Nerd Maluco” – o cara de tudo sabia um pouco, qualquer assunto. A turma dizia que o cara era “phodão”, um Google em carne e osso – depois de acessar a página eletrônica indicada e ler toda a notícia, comentou:

-Taquêuspariu! Ou esse gringo doido andou prá “carái”, atravessando rios, lagos, igarapés, igapós, florestas e os cambaus, ou então o doido foi tele transportado ou entrou num “Buraco de Minhoca” lá no Vale do Guaporé e foi sair aqui, no Lago Cuniã... Vai saber! Mas que é muito estranho, lá isso é!

Alguém do grupo exclamou:

-Ôôôôooo Alex, está maluco, mané? Que papo é esse de “Buraco de Minhoca”, tele transporte e tudo mais...?? ´Tá viajando, mermão?

Em instantes, todos olharam para o Alex em uma muda interrogação.

-É o seguinte, está escrito aqui ó! Na página desse outro ciber-jornal aqui... Deem uma olhada aqui, ó.... Nesta página, a notícia é mais completa... No dia seis de maio deste ano, como já foi noticiado, a Polícia Ambiental, com a ajuda de um ribeirinho, estava procurando um pescador desaparecido, e, em vez de encontrar o tal pescador, achou foi um cara que havia desaparecido em Março de 2011, lá no Vale do Guaporé, era um biólogo e ornitólogo alemão... Putz! Sim... Sim... Lembrei desse caso... Na época foi muito comentado...

-Ornitó... O quê, meu camarada? - alguém perguntou.

-Ornitólogo! Estudioso dos pássaros em geral... Biólogo, você sabe o que é, né? Ahh, bom! O cara desapareceu quando estava estudando o comportamento dos passarinhos que só ocorrem naquela região do Guaporé... Será que ninguém se lembra? Meus camaradas, na época foi o maior “auê”... Saiu em todos os jornais, inclusive nos televisivos nacionais.

A roda de amigos se entreolhou interrogando-se uns aos outros novamente... Dava para perceber que o grupo estava confuso com aquele papo “sem pé e sem cabeça” que, de repente, caiu de paraquedas no meio deles. Afinal, o assunto dominante na mesa era a superação das metas de vendas e, certamente, o polpudo bônus que receberiam ao final do semestre.

O Haroldo, um lourinho com o corte de cabelo estilo moicano, e que a turma comentava nos bastidores que ele estava mais para ‘libélula’ que para ‘besouro’, comentou com a voz anasalada:

-Não estou entedeeendo!

-Calma, Haroldo, eu vou explicar! Como vocês sabem, além das graduações de Administração e Contábeis, estou concluindo o curso de Psicologia... Ocorre, meus camaradas, é que na época em que o gringo foi localizado, poucas semanas depois, eu acompanhei o meu professor de Neuropsicologia em uma entrevista com esse paciente, e que desde então ele vem dando assistência... Isso já faz um tempão... Vocês não vão acreditar na história que o cara contou... Com a ajuda de um interprete, claro!

-E que história foi essa, meu beeem? Perguntou o lourinho de cabelo moicano.

-O cara contou que não estava perdido não! Lembrei agora mesmo desse caso... Lembro que o caso chamou bastante a atenção do meu Professor... Sabem o que é que o gringo falou?

A turma ao redor da mesa balançou a cabeça num eloquente sinal negativo.

-Não né? Pois é! Ele falou que estava em outra dimensão, meus chapas! – o próprio Alex respondeu enquanto limpava a unha do dedo mindinho com um palito de dentes ao mesmo tempo em que olhava de esguelha para os amigos e, disfarçadamente, sorria discreto ao ver as mais diversas reações em suas faces.

-Como é que é, meu camarada? Noutra o quê?

-Dimensão? Como é que pode?

-O cara é “daonde”...?! Da Alemanha? Tem certeza? Ele não é membro dos “X-Men”, não?

-Ou do “Arquivo X”, querido! – complementou o lourinho.

-Além de ter ficado em outra dimensão, ele também fica dizendo “gugu..dadá” com o dedo enfiado na boca? Divertiu-se o Betinho, gozador ao extremo.

-Que nada, cara! Ele deve ficar revirando os olhos e batendo na cabeça que nem aquele personagem do Brad Pitt no filme “Os Doze Macacos” ... Como é mesmo o nome do maluco no filme...? Jessé Gomes... Não! Não! ...Jeffrey Goines, isso mesmo, Jeffrey Goines! - rebateu o Zeca, um cinéfilo fanático... - o carinha sabia tudo de filmes.

Depois que as risadas de escárnio e gozação diminuíram, Alex como se estivesse distribuindo cartas num jogo de truco e ficasse com o “zap” na mão, arrematou:

-O interessante é que o paciente sumiu no dia 19 de março de 2011 e só foi encontrado no dia 06 de maio de 2012, ou seja, este ano.

-Parceiro, e o que é que tem a ver a bunda com as calças nesse caso aí? - alguém perguntou ironicamente.

-Vai ver que se esse sujeito fosse negro, talvez estivesse escolhido o dia primeiro de maio...

-Cuidado, meu ‘pêxe’! Discriminação racial é crime e, além disso, dá uma ‘cana’ danada... Sem fiança! – alertou o Alex.

-Sei disso! ‘Tou só de sacanagem! De qualquer forma, quando alguém me chama de ‘branquelo empombado’, nem por isso eu penso em acionar judicialmente o cara por discriminação ou racismo...E aí, Alex? O que tem a ver o ‘dezenove de março’ e o ‘seis de maio’ com o sumiço e localização do maluco? - complementou o Betinho.

Alex puxou a cadeira mais pra perto da mesa, mordiscou um tira-gosto, limpou a garganta com um gole de chope e falou:

-Tudo, meus jovens! Tem tudo a ver ... O dia ‘dezenove de março’ do ano passado foi o dia, ou dizendo melhor, a noite da Super Lua Cheia, Lua Azul para os místicos ou Lua Grande como o fenômeno é conhecido pelos moradores da Vila do Lago Cuniã, ribeirinhos do Rio Guaporé, do Rio Madeira, Amazonas, Tapajós e caiçaras de todo o litoral brasileiro, principalmente Pará e Maranhão... E por que Pará e Maranhão? Simplesmente em razão do misticismo nas regiões do sul do Pará e norte do Maranhão ser mais acentuado... Mais arraigado... Mas isso é história para outro momento, outra hora... Beleza?

-Uma vez eu estava pescando lá Cachoeira do Teotônio e num papo de beira de rio, matando umas doses de cachaça temperada com sicupira, no meio da conversa pintou esse assunto... Não dei muita importância... Achei que era conversa dos pescadores do lugar... Eles falaram que quando tem Lua Grande acontecem umas coisas muito esquisitas, tanto nas matas como nos rios, igarapés e lagos... - comentou o garçom que estava servindo nova rodada de bebidas - metendo o bedelho na conversa.

-Esquisitas o caralho, meu jovem! Noite de lua é sempre noite de lua, oras! A não ser a noite de Lua Cheia... Por causa dos Lobisomens... Huhuhuhuuuuu!!! - exagerou o Betinho.

-Nooosa, gente! Dá para explicar... Afinal, o que diabo é Lua Grande... Super Lua Cheia... Lua Azul e os cambaus... E qual a ligação dessas... Dessas luas com o sumiço e o achado desse maluco aí que o Alex está falando, além, também, do sumiço do tal pescador? Não esqueçam que Polícia Ambiental acha que os dois casos têm ligação – impacientou-se o lourinho.

-É o seguinte, Haroldo! Você está sabendo que a Lua exerce influência sobre as águas...? Do mar, dos rios e dos lagos? Enfim... Do planeta água! Quando ela, a Lua, claro, se aproxima ou se afasta da Terra? Não sabe? Então! É por causa da Lua que o mar tem marés altas e baixas... Explicando melhor, em sua órbita, a volta que a Lua dá em torno da Terra, essa volta denomina-se Órbita Elíptica, e nesse trajeto, a Lua aproxima-se e afasta-se da Terra; pois bem, a esse movimento de aproximação e distanciamento, dá-se o nome de Perigeu e Apogeu, respectivamente. É justamente no Perigeu que a força magnética da Lua altera drasticamente a Energia Psíquica e Eletromagnética que envolve a Terra, incluindo aí os animais e plantas, posto que todos os seres, em sua constituição, a água tem papel preponderante... Na verdade, vital! – Alex esboçou um sorriso divertido ao perceber a boca aberta de espanto da turma.

-Ô lôco, meu! Que papo de doido é esse, mermão? – espantou-se o Zeca, um carinha fanático por futebol de botão, enquanto tomava um grande gole de caipiroska e ficava mordiscando uma pedra de gelo.

-Tem mais... O fenômeno da Super Lua Cheia só ocorre em intervalos de dezoito em dezoito anos... Há quem diga que esse período varia ente dezoito e vinte anos...

-Como é que é, Alex? Ô meu camarada! Essa história está parecendo história do Cometa Halley que só aparece aqui pela Terra uma vez na vida e outra na morte, cara! E esse ‘barato’ aí de Peri... Peri... Como é mesmo o nome da viagem da Lua? – perguntou um carinha com o cabelo cacheado, novato na empresa.

-Perigeu! – lembrou Alex depois de um sorriso condescendente.

-Isso mesmo! Perigeu! O que é que esse tal de Perigeu, Super Lua Nova, Lua Grande ou Lua Azul tem a ver com o sumiço do alemão que gosta de passarinho?

Alex levantou da cadeira para cumprimentar uma amiga que passava perto da mesa, e, depois de beijá-la no rosto e se despedir com um sorriso, sentou-se e falou:

-Minha amiga... Colega de turma no Curso de Psicologia... Ela também faz um curso complementar de Hipnose...

-Nem precisava fazer... Do jeito que é gostosa... Aquela bunda é capaz de hipnotizar até defunto, inclusive o Haroldo – comentou o novato na empresa.

-Ôôôooo novato nojento! Ainda não te dei essas intimidades – bronqueou o Haroldo em meio às risadas e gozações do grupo.

O gaiato do Betinho não perdeu tempo e cochichou no ouvido do Zeca:

-Pois é! Além de hiper, super, mega gostosa, ela deve ser mais uma maluca também!

-Muito pelo contrário! Essa gata de maluca não tem nada, aliás, tem uma erudição de causar inveja, inclusive ao professor... – Alex ficou um minuto pensando e disse – Onde é que eu estava mesmo? Siiiim! Voltando ao assunto da Lua... Parceiro, como eu disse, a cada dezoito ou vinte anos acontece o fenômeno da Super Lua Cheia... Achei que vocês sabiam...! – e continuou - Ocorre, meus camaradas, que a cada ciclo acontecem coisas estranhas em todo o mundo...

-Por exemplo... – Zeca perguntou.

-Por exemplo... Pessoas desaparecem... Ilhas surgem no meio do mar... Outras vezes, pessoas que desapareceram no ciclo anterior, ou seja, há dezoito anos, de repente aparecem sem ter envelhecido um dia sequer no ciclo seguinte, outras vezes o cara some num ano e aparece no outro ano ou no dia seguinte... São mistérios que acontecem entre o Céu e a Terra... Mistérios que são muito complicados para a nossa vã filosofia compreender... – e sorrindo divertido, Alex perguntou:

-Sacaram???

-Saquei “lhufas” de tudo isso... Alex, ‘tá de sacanagem com a gente, né não? De repente o Triângulo das Bermudas se espalhou pelo mundo, meu chegado!

-Longe de mim, ficar sacaneando vocês... – e Alex acrescentou – só estou relatando o que é de conhecimento dos iniciados nos estudos do Espaço-Tempo, Buraco de Minhoca, Teoria das Cordas e Efeito Borboleta... Axé, Einstein! E só para complementar, não esqueçam que na região em que o gringo desapareceu, o Vale do Guaporé, é uma região muito rica em minérios, além de ser confluência de rios, planícies e montanhas... Lembrem que Cordilheira dos Andes fica ali por perto, e, por definição de contrastes de energia, muito mística... ‘Tão ligados na fita que eu estou batendo pra vocês? Se ligaram né?

E depois de uma pequena pausa, falou:

-Então, segurem mais essa... Moçada, essas teorias, Buraco de Minhoca, Teoria das Cordas, Espaço-Tempo, Teoria da Relatividade, etc. Têm a ver, e muito, de acordo com alguns teóricos e até místicos que embasam seus credos na Física Quântica, de que a nossa realidade é constituída de camadas existenciais, ou seja, de Dimensões Paralelas... Funcionaria assim, por exemplo: a Dimensão Perceptiva que nada mais é do que o “aqui e agora”, melhor dizendo, este momento, eu e vocês conversando e tomando umas e outras, azarando a mulherada e sacaneando uns aos outros... Beleza? ‘Tão sacando...? Pois é! Tem também a Dimensão Intuitiva... O “sexto sentido”... Aquela coisa que o cara sabe que existe ou pressente, mas não vê, não pega, não segura... É uma questão de gnose... Ele não sabe explicar como, mas sabe que existe, é cognitivo, ou melhor, metarrealista....

-Peraí, Alex! Cog... o quê? Meta... o quê? Pirou o cabeção, rapaz? ‘Tá afim de zoar com a gente, meu camarada? O Zeca interrompeu a explanação do Alex.

-Parceiro, “cognitivo” vem de cognição que é o mesmo que conhecimento ou a percepção de um conhecimento... E quanto a “metarrealismo”, pode-se dizer que é uma nova abordagem filosófico científico que pretende encontrar pontos de convergência entre o “credo” e a “razão”, ou melhor, entre a Religião e a Ciência... – Alex levantou a mão e batendo várias vezes com o dedo indicador na fronte, perguntou:

-Entenderam? Sacaram?

-“Marromeno”, meu bem! Respondeu pela turma, o lourinho de cabelo cacatua.

Vendo que o grupo, sem mais o que fazer, esperava o término da explicação, Alex continuou:

-E tem também a Realidade Paralela que nada mais é que a cópia da nossa Realidade Perceptiva... Nessas realidades, a Perceptiva e a Paralela, as duas realidades são tão parecidas, tão similares que a única coisa que as separa é uma tênue linha ou uma névoa transcendental... É como se essa névoa fosse uma parede separando os dois mundos... Onde você vivesse em um lado dessa parede e pudesse ver o outro lado, porém, sem ter poder para interferir no que acontecesse no outro lado... É metafísica pura, meus camaradas...

-Fudeu de novo! Agora empombou de vez! O cara ‘tá pirado, moçada! Desta vez quem Interrompeu novamente foi o novato.

Sem se incomodar com a observação inoportuna, Alex continuou:

-Essa linha ou parede, essa névoa... Somente é percebida por Seres ou Entes muito especiais com poderes extraordinários para interferirem tanto num como no outro mundo... Quanto aos sensitivos, ao contrário desses Seres e Entes, não têm poder algum de interferência, somente observam... São meros espectadores. Pois bem! Quanto aos Seres e Entes, bem, uns conseguem atravessá-la ao seu bel prazer, sem dificuldades, como é o caso de algumas Entidades das florestas, dos mares, dos rios e lagos...

-‘Peraí, Alex, meu camarada! Acho que estou “sacando” qual é a tua... Tu estais querendo dizer que o que acontece, neste caso, é mais ou menos o que aconteceu com o garoto e a menina, protagonistas daquele filme, “Ponte para Terebítia”? Ou então o trem que atravessa de um mundo para outro no filme “Harry Porter”? É isso? – indagou o Zeca, confirmando a fama de cinéfilo.

–Exatamente, meu camarada! - ao final do comentário, Alex riu a valer quando olhou para os cenhos franzidos e os olhos arregalados dos colegas de mesa.

Enquanto a turma, bebericava drinques, mordiscava uns tira-gostos e olhava para as outras mesas na expectativa de pescar alguma gata de bobeira pela área, o “Nando Byte” concentrava toda a atenção no Iphone onde, com os polegares movimentando-se numa velocidade frenética no teclado virtual, acessava o Google para checar as informações do Alex. E após passar uma vista d´olhos pela “Wikipédia”, e depois de ler, rapidamente, alguns trechos de um artigo em “.pdf” intitulado “Física Quântica e Espiritualidade”, em um site intitulado “fontedavida.com.br”, o carinha comentou:

-Putzgrila! E não é que o maluco do Alex tem razão, moçada! Diz aqui, ó... Que nessa região aí que ele está falando, a região do Vale do Guaporé, é onde está a lendária Mina de Urucumacuã... Dizem que essa Mina aparece e desaparece de acordo com a fase da Lua... E tem “neguinho” por lá jurando que viu os tesouros num dia e que quando voltou com outras pessoas para pegar as riquezas, no lugar do tesouro só encontraram pedras ou às vezes apenas ossos de animais e até de gente ou troncos de árvores caídos... A população da região tem certeza que é uma Mina encantada e que guarda o tesouro dos Incas que fugiram de Hernan Cortés e blá, blá, blá...!!! Não acabei ainda não, moçada... Neste artigo aqui ó... Que trata de física quântica, tem um trecho que diz o seguinte... Escutem aí: “Pouco a pouco, começamos a compreender que o real está velado, inacessível, que dele percebemos apenas a sombra, sob a forma provisoriamente convincente de uma miragem. Mas o que há então sob o véu?” Taquêuspariu, meu!!!! Coisa de maluco, meus camaradas!

Betinho olhou fixamente para o Alex, pegou o copo com caipiroska, bebericou, derramou um gole para o “santo”, e, depois de bater de leve na perna do Zeca comentou:

-Parceiro... Agora ‘fudeu’ de vez messsmo...! O homem pirou o cabeção... ‘Tá misturando alhos com bugalhos e acabou confundindo metal com educação física, minhoca com borboleta, e pior, esqueceu que uma fica no chão e a outra voa... Faz o seguinte, Alex, usa a minhoca e a borboleta como isca para pescar lá no Lago Cuniã, cara! Lá tem tucunaré de até cinco quilos... – e abrindo os braços, exagerou finalizando - Olha só o tamanho dos “bitelos”. – completou o Betinho enquanto dava gargalhadas e apontava o dedo gozador para o Alex e o “Nando Byte”.

Aproveitando a deixa, o lourinho com cabelo de cacatua, completou:

-Taí, Alex! Agora ficou deizzzzz! Você, meu bem, já era considerado maluco com essa mania de saber sobre tudo e ainda mais agora, acompanhado pelo “Nando Byte” conferindo as informações pelo “Google”... Agora ‘bosteou’ de vez, mano!!!

Ainda rindo, Alex olhou para o Betinho e falou:

-A prova do que eu estou falando pra vocês é o caso de agora... Do ornitólogo alemão... Do cara que apareceu em maio desde ano... O meu professor fez todos os testes possíveis para verificar se o cara pirou o cabeção ou não... Porém, todos os testes deram negativos, inclusive os neurológicos solicitados pelos psiquiatras...

Betinho não se fez de rogado:

-Isso não quer dizer nada, Alex! Você mesmo, por exemplo...

-Eu, por exemplo, o quê, meu camaradinha?

-Meu irmão... Pode pegar psiquiatras, neurologistas, psicólogos e os cambaus para fazerem tomografias e todos os testes com a tua cabeça e o teu juízo que, com certeza, vai dar negativo, porém...

Nesse momento Alex deixou transparecer certa irritação.

-Porém, o quê, Betinho?

-Porém... Você é maluquinho de pedra, meu camarada! – Betinho e os demais da turma riram tanto que alguns até se engasgaram com as cervejas e os tira-gostos.

-Podem me sacanear a vontade, seus putos... Não ligo! Vocês podem até estarem com a razão, meus camaradas! Mas o fato é que o tal sujeito, o ornitólogo, está com as faculdades mentais na mais perfeita ordem. O problema do cara é físico e não mental... O cara está a mil, numa disposição de fazer inveja a lutador de MMA, e ainda tem um fato interessante que vem corroborar a tese do dito “maluco”...

Os amigos de Alex se entreolharam diante da nova possível constatação, e por que não dizer, novidade...

-E o “sabe-tudo” pode se dignar a nos dizer que novo fato é esse? – perguntou Jorge Leandro, um cara caladão que até então se tinha mantido à parte da conversa, concentrado que estava na azaração de uma morena linda, capaz de calar a Torcida da Fiel que, para a sorte grande do carinha, dava toda a “pinta” de estar gostando dos sorrisos que recebia do “Dom Juan” da mesa.

Alex que de “rabo-de-olho” acompanhava a “azaração” do colega de mesa - talvez torcendo pelo insucesso do sacana, já que ele também estava disfarçadamente “azarando” a “gata”, provavelmente bem volúvel, uma vez que ela própria estava na “azaração” dos dois - com uma ponta de irritação ou despeito, certamente motivado pela disputa velada pela morenaça da mesa ao lado, respondeu alteando a voz para chamar a atenção da “gata”:

-O amigo, por acaso, estava acompanhando o papo na mesa?

-Desde o início, meu chapa!

-Então...! O cara foi localizado ou achado, como preferirem, há uns novecentos quilômetros do local de onde ele disse que foi abduzido... Beleza?

-Pera aê...!!! Abduzido!? Que sacanagem nova é essa, cara? O que é que é isso, mermão? Abduzido...!?

Com um gesto de enfado para deixar bem claro a sua irritação com o possível rival na disputa pela moreninha, Alex esclareceu para a turma:

-Abduzido, meus caríssimos, significa ser raptado por seres extraterrestres ou ser transportado contra a vontade para outra dimensão ou ainda para uma realidade paralela... Sacaram? Não? Sinto muito! Essa é a melhor explicação que eu tenho para vocês... Onde é que eu estava mesmo?

Betinho deu uma olhada para a turma e em meio às risadas gerais, comentou voltando os olhos para Alex:

-Na Terra, Alex! Nesta realidade... Aqui e agora!

-Estão me zoando, né? Então tá! Somente para vocês ficarem sabendo e ainda pirarem o cabeção, saibam que o nosso ornitólogo em questão, nasceu há trinta e sete anos, ou seja... Em mil, novecentos e setenta e cinco... Sabem em que mês? Não sabem? Pois é! No mês de março... Mês esse que comumente, com intervalos em torno de dezoito anos, ocorre o fenômeno da Super Lua Cheia, Lua Grande ou Lua Azul... Esqueceram?

-E daí, Alex... – os amigos perguntaram em uníssono.

-Como e daí, meus camaradinhas? É só fazer as contas e ligar as pontas... Ajustar as peças do quebra-cabeça...! Pô, meus jovens! Essas cabeças de vocês só servem para separar as orelhas?

O lourinho franziu o cenho, coçou a nuca e falou com voz de falsete:

-Cara! Num ‘tô sacando “lhufas”... ‘Tô voando, ‘tais sabendo?! Alex, tu és doido e ‘tá pirando a cabeça de todo mundo com esse papo “off”... – e chamando o garçom - querido, traz um Martini Seco com uma azeitona dentro, faz favoorrr! Azeitona verde, meu amorrr!

O garçom que estava com a bandeja repleta de pratos com tira-gosto, garrafas e copos e que, em vez de servi-los à mesa, estava em pé, parado que nem um “dois-de-paus”; embasbacado com o rumo da conversa, terminou de servir os pedidos, e, relutante, saiu para atender ao pedido do lourinho enquanto pensava alto:

“Esses caras à medida que vão enchendo a cara, vão ficando cada vez mais pirados e chatos... T’esconjuro! Ô lôco, meu! Quero ver na hora da “groja”, como é que vai ser... Parece que ali só tem pão-duro”!

Após a saída do garçom resmungão, Alex continuou:

-Só para vocês perceberem a conexão do desaparecimento do alemão ornitólogo e a consequente aparição do cara com o fenômeno da Lua Grande, vou enumerar algumas coincidências que, de certo, passaram despercebidas por vocês – Alex fechou a mão direita e levantou o polegar enumerando:

-Primus...

-Primo de quem, amorrr...??? – perguntou o lourinho.

-Que “primo” de quem o quê, meu camaradinha? Primus...! Primus, cara! De “primeiro”... É a pronuncia em latim do numeral “primeiro”, meu chapa! – respondeu o Alex denotando certa irritação com a pergunta cretina do lourinho enquanto pensava: “só podia ser louro mesmo” – de canto de olho, Alex percebeu que a morena parecia enfim, fascinada pelo carinha novato e, conformado, resolveu investir numa mulata de pernas grossas, peitinho empinado e bunda saliente que acabara de chegar à mesa ao lado, bem ali, pertinho dele e, retornando ao assunto, deu continuidade à explanação esquecendo-se da moreninha... Vai ver ela era chegada num “rolo” passional.

-Vamos lá...! PRIMUS, o cara nasceu em 28 de março de 1975, ou seja, uma data de Super Lua ou Lua Grande; SECUNDUS, o sujeito desapareceu numa data de Super Lua, senão vejamos, dia 19 de março de 2011; TERTIUS, o cara foi encontrado um ano depois, justamente em dia de Lua Cheia, ou melhor, em noite de Lua Grande...; QUARTUS, o cara estava com a mesma roupa e os mesmos equipamentos que portava no dia em que desapareceu segundo...

-Alex, meu amor, não seria “secundus”...??? – interrompeu novamente o lourinho, gracejando, enquanto dava uma olhada divertida para o grupo.

Com a interrupção do lourinho, “Nando Byte” que estava com os polegares teclando freneticamente a tela azul neon do IPHONE para checar as informações enumeradas pelo amigo, deu uma pausa aos dedos e aproveitando o intervalo forçado, comeu alguns tira-gostos e molhou a garganta com um generoso gole de chope.

-Caríssimo Haroldinho, meu são-paulino da gema...

Betinho imediatamente falou com turma:

– Agora fudeu, moçada! O homem deve ‘tá muito puto... ‘Cês perceberam que ele chamou o Haroldo pelo nome em diminutivo?

-Caríssimo Haroldo, no contexto em que eu estou utilizando o termo “SEGUNDO”, o sentido da palavra é “DE ACORDO COM” ou “CONFORME “o” ou “a”...”, o que é bem diferente de “SECUNDUS” que se refere única e exclusivamente à enumeração... Está claro, meu caro?

-Claríssimo meu beeem! Respondeu o parceiro de mesa, quase engasgado com as risadas contidas.

-QUARTUS... Como eu disse, o cara estava com a mesma roupa e o mesmo equipamento... Porém, deve-se acrescentar um dado muito curioso e estranho... Dado esse que foi registrado no desaparecimento e ressurgimento do carinha em questão...

-E que dado seria esse? – os membros da mesa perguntaram quase em uníssimo, juntamente com o garçom que praticamente havia esquecido as outras mesas.

Momentaneamente distraído com a risada cristalina da mulata recém-chegada, Alex hesitou para dar continuidade à pergunta:

-Esse dado, na verdade, são rastros de porcos do mato... Rastro de catetos, de caititus...

Alex foi interrompido por uns caras barulhentos sentados ao redor de umas mesas por detrás da mesa deles:

-Ôôôooo garçom! Diz aí meu chegado, qual é o teu nome, cara?

O garçom se virou algo espantado com o tom de voz agressivo dos clientes recém chegados e respondeu:

-Jacinto Filho, autoridade! O dotô deseja alguma coisa?

-Jacinto, o quê, mané? Filho? Qualé mermão? Jacinto Filho? ‘Tá querendo me sacanear, cara?

-Quêquiéísso, dotô? Logo eu? Um simples garçom! Sacaneando uma pessoa tão distinta! Longe de mim, dotô... Quem sacaneou as pessoas foi o meu pai quando me batizou... Para o senhor ver, né dotô? Nem tudo é perfeito... Mas, diga aí, dotô, o senhor deseja alguma coisa?

-Desejo sim, “seu” merda! Desejo que você pare de ser “escroto” e folgado, mané, e dê um pouco mais de atenção para as outras mesas, principalmente a nossa e esqueça o papo doido desses malucos aí, cara!

Depois do comentário do ocupante da mesa vizinha, os dois grupos ensaiaram um princípio de bate-boca que logo serenou depois de mútuos pedidos de desculpas e de uma reprimenda do gerente do bar ao garçom, instando-o a dar mais atenção para todas as mesas.

Quando o garçom ia saindo, o Alex o chamou e cochichou ao ouvido dele:

“Mandou bem, hem, Genivaldo! Gostei de ver... Esculhambou com os babacas ali... Mas, vou quebrar o teu galho e nem vou dizer pra eles que o teu nome é Genivaldo, apelido “Geni”... Valeu?” – com um sorriso cínico, Alex cantarolou, ainda baixinho: “Joga bosta na Geni! (...) ela é feita pra apanhar (...) ela dá pra qualquer um (...)viva Geniiiii... ” – o garçom Genivaldo, também baixinho, mandou o Alex a ‘puta-que-pariu’ e foi atender aos pedidos.

-Onde eu estava mesmo? – Alex perguntou ao grupo, para logo em seguida ele mesmo responder – Rastro... Rastros e fotografias... Pois é, além dos rastros dos caititus, entre as coisas encontradas na mochila deixada pelo gringo estavam umas fotografias tiradas pelo ornitólogo...

-Como assim? - alguém perguntou interrompendo Alex novamente.

-Deixe-me explicar... Na época em que o cara sumiu, ele havia tirado várias fotografias anilhando um Uirapuru... Pois bem, nessa fotografia, estão registrados o equipamento e as roupas que o cara usava, bem como o relógio de pulso do sujeito...

-Noosaaa! Que agonia, Alex...!!! Porque você não desembucha logo tudo de uma vez, meu amoorrr? – afligiu-se o lourinho.

-Então...! Porra, cara! Vocês ficam a toda hora interrompendo... Cacete!

-Uuuiiii! Ela ficou nervooosa – o lourinho provocou.

Meneando a cabeça e olhando para cima e para os lados como a pedir paciência aos céus, Alex por acaso cruzou os olhares com a mulatinha e percebeu que ali havia uma conexão, um contato, momentâneo, porém um contato. Sorriu complacente para a libélula loura à sua frente, reprovou mais uma vez o cabelo moicano da criatura andrógena e continuou:

-Então... Pois não é que por uma incrível coincidência, o repórter que fez a matéria sobre a localização do ornitólogo alemão é o mesmo que fez a reportagem sobre o desaparecimento do sujeito... E agora, meus camaradas, babem... – sem perceber, Alex olhou em direção à mesa da mulata e percebeu que toda a atenção dela estava voltada para ele, então, momentaneamente esquecido do que estava falando, o narrador ficou lá, parado, estático, hipnotizado pelos olhos castanhos da jovem que também o encarava com um sorriso convidativo.

-Ei! Psiu! Alô...ô...ô... Terra falando! Alex! Qualé, meu camarada? Está sendo abduzido também, cara? – diante da observação carregada de sarcasmo, toda a turma caiu na gargalhada.

-Estou! ‘Tô sendo abduzido sim, cara, por aquela gatona na mesa ali ao lado, ó...! - com a ponta do queixo Alex indicou a mulata tesuda.

Betinho olhou para um lado e para o outro e perguntou:

-Onde?

-Ali, meu jovem, à nossa esquerda. – Alex indicou a direção com um leve meneio de cabeça.

Betinho quando viu a mulata ficou embasbacado... Com a boca aberta e a baba escorrendo, exclamou junto com a galera da mesa...

-Takeusparíu! De onde saiu tudo isso aí???

Alex satisfeito com os pontos ganhos junto à moçada da mesa, replicou:

-De onde saiu eu não sei galera, mas, como vocês podem ver... “Tudo isso aí”, está caindo de paraquedas no colinho do papai aqui... Tisc! Tisc! Tisc!

Ainda gozando do prestígio recém adquirido e, sentindo também as fisgadas de olhares carregados de inveja da turma, Alex, momentaneamente teve que esquecer a morenaça em razão da chegada de uma amiga da moça que, depois de vários beijinhos e abraços de cumprimento, iniciou um papo tão animado que pelo jeito, iria demorar “prá caralho”. - conformado com a situação, Alex resolveu apelar de vez com a turma...

-Aê moçada! ‘Cês tão sabendo que alguns teóricos professam que, em determinadas circunstâncias, se você jogar uma pedra ao mar, em um ponto específico da costa brasileira, as ondas daí resultantes podem causar um “tsumani” no outro lado do mundo... Tipo... Algo parecido com a teoria do bater de asas da borboleta...

-Ô “mestre” Alex, que papo esquisito é esse, cara? Pedra jogada no mar... Borboleta batendo asas... Tsunami...?! O que é que está “pegando”???

-Santa ignorância... Arf!!! – Alex olhou para o alto num gesto teatral de impaciência - Ôôôôoo peça rara! Nunca ouvistes falar que o bater das asas de uma borboleta na América do Sul pode provocar um tufão lá no Japão? Cara, o nome para esta interligação é... – O “Nerd” abriu os braços e sorriu de orelha a orelha - Efeito Borboleta, caríssimo!

-‘Peraê! ‘Tá de sacanagem com a gente, mermão?

Alex sorriu, tomou mais um gole de chope, mordiscou uns tira-gostos, olhou sem ver as obras de reforma do pátio da E.F.M.M., e depois respondeu:

-Como de sacanagem com vocês? De jeito nenhum... Parceiros, é que uma coisa tem a ver com a outra.. O sumiço e o ressurgimento do alemão e o Efeito Borboleta... ´Tão ligados?

O pessoal ao redor da mesa se entreolhou sem entender nada e ficou momentaneamente mudo.

=> Final da Parte I <=