Extremo tripio

Quando tinha por volta dos meus dezesseis anos, um de meus professores me sugeriu um intercâmbio. O que a primeira vista parecia aterrador, logo se tornou uma meta. Como tinha notas altas, pouco apego pela família e sede de aventura, me inscrevi para o programa. Em alguns meses, recebi a notícia de que viajaria, mas não pra um dos países pro qual tinha imaginado, e sim para África, mais precisamente na Namíbia.

“Pelo menos lá se fala inglês”, pensei; mal sabia que a língua era o menor de meus problemas. Decidi que iria, pronto para a minha primeira viagem para além do país.

Ao chegar, fui acolhido por uma tribo, a qual não me recordo o nome,o que era insignificante, comparado ao resto da história. No dia em que cheguei, estava ocorrendo uma espécie de festival: Homens e mulheres deveriam atirar frutas ao longe, quem jogasse na maior distancia, ganhava.

O detalhe é que nessa tribo, as mulheres é que eram fisicamente avantajadas. Outro detalhe é que se você jogasse as frutas pegando fogo, valia mais pontos, mas isso não faz diferença, visto que ninguém o fazia.

Todo ano as mulheres ganhavam, humilhando os homens, que mal conseguiam jogar um abacaxi a alguns metros. E eis que chega minha vez. Mas alguém magro como eu não conseguiria grande coisa, rapidamente ouvi cochichos e risadas vindo de três dos quatro ventos possíveis. Mas eu precisava ser aceito pela tribo. Peguei uma uva, e todos riram. Decidi não me deixar abalar. Era uma nova vida, em um novo lugar, eu precisava me impor. Peguei uma jaca da mão de uma mulher implacavelmente grande (se você é do tipo de pessoa que acha que “implacavelmente” não se usa nesse caso, apenas esteja certo de que apenas não encontrou esse tipo de mulher), era realmente pesada, (a jaca, mas a mulher também), mal consegui jogá-la. Ela rolou por pouco mais de um metro e parou. Todos estavam desapontados, esperavam mais de um estrangeiro. As mulheres ganharam novamente e fui expulso da tribo, pois o xamã disse que eu era um desafogado, o que provavelmente eu ouvi errado, no calor do momento.

Fui transferido pra uma tribo vizinha, que mais parecia uma vila, que além de alguns caucasianos, tinha água encanada.

Comecei a pensar o que houve no dia anterior, no arremesso da jaca. Obviamente algo acontecera. Enquanto pensava nisso, jogava pedras num lago. Apesar de estar sentado na beira e as pedras serem pequenas, eu não as conseguia jogar a mais de uns vinte centímetros. Foi quando fiquei intrigado, levantei e arremessei uma com toda minha força, ate perdi um pouco do equilíbrio, mas me manti firme e vi que esta não foi muito mais longe. Estava provado. Eu tinha uma nova habilidade. Não sabia o que tinha desencadeado essa reação: Talvez fosse o fuso horário diferente, o contato com uma cultura incomum, as placas tectônicas de um outro continente, uma macumba do xamã... O que importava agora é que eu era especial.

Decidi conhecer alguns jovens da minha idade, que coincidentemente estavam reunidos ali perto, talvez nem tão coincidentemente, ja que esse texto ja esta longo demais. Ao me aproximar, me apresentei e comecei a conversar com eles, que não me davam muita bola, inicialmente. Decidi mostrar minha carta na manga, falei:

“Querem ver eu acertar essa pedra naquele balde?”

Sem esboçar muita reação, dois deles disseram que sim.

Ao jogar a pedra, como ja era se de esperar, ela não foi muito longe, em seguida veio o comentário:

“Nossa, você realmente é ruim nisso.”

A partir dai, consegui algumas amizades, enquanto conversávamos sobre assuntos aleatórios, muitos dos quais seriam considerados tabus no Brasil, como ambos “bolacha” e “biscoito” estão certos, eles me pediam para jogar pedras nas coisas, e eu sempre errava.

Minhas pedras acabaram, e percebendo isso, um dos colegas, de nome Fegro Nigurante, me ofereceu um caqui, que eu nem sequer sabia que tinha na Namíbia, tal qual jacas e abacaxis. Arremessei e essa jogada foi tao boa, que acertou o muro atras de mim. Um dos garotos do grupo, que vivia calado, mas tinha ar de líder, declarou:

“Você tem que pagar por isso, esse é meu muro, e ele esta limpo á pelo menos treze gerações. Ou pelo menos estava.”

Aquele era o momento. A qualquer instante aquele garoto iria voar pra cima de mim, com alguma arte marcial africana, que ele provavelmente não sabia dominar direito, visto que era branco. Eu precisava usar meu poder, minha habilidade, pra vencer aquela luta.

“Você vai no meu colégio e vai assinar a lista de presença pra mim.” , disse ele, antes que eu pudesse agir.

Tive de aceitar, afinal, era um muro bonito, talvez uma ou outra pessoa gostasse de uma arte abstrata como caquis espatifados, mas claramente não africanos brancos.

No caminho pra escola do garoto, percebi que não tinha perguntado seu nome, e fazia o caminho de volta. Pensava sobre a extensão dos meus poderes, até onde eles poderiam me levar. Fui fazendo pequenos testes ao longo da volta, e por isso, diminui o passo. Jogava algo ali, algo aqui, sempre errando. Casualmente, tentei pegar uma pedra no chão. Minha mão escorregou antes que eu pudesse fecha-la, e a pedra escapou. Tentei novamente, e dessa vez minha mão não só escapou, como as outras pedras que estavam na minha mão caíram. Era um sinal, meus poderes estavam evoluindo. Decidi que essa nova habilidade eu não contaria a ninguém. Precisaria do elemento surpresa, afinal, se eu tinha um poder, era muito provável que outro alguém na África também tivesse.