JARDIM DE INVERNO

Algumas horas se parecem mais demoradas que outras. Há segundos que esticam seus corpos pelo espaço ilimitado da frequência, avolumando a sensação de espera, que produzem esgotamentos imensuráveis ao pensamento. Certos momentos, ínfimos que sejam, se parecem tão duradouros que podem ser comparados ao mais eterno dos minerais. Tão inquebráveis que as chamas mais abrasivas, o calor mais intenso, não conseguiriam moldá-los. Tal qual o diamante que somente pode ser riscado por outro diamante. Assim, certos momentos, como farelos indivisíveis do tempo, residem na memória. Por isso, certas histórias, por mais que o tempo dure ou passe, estão ali. Ocupam o ambiente da lembrança como um ínfimo fragmento do minério mais durável. Como um diamante.

O vento soprava pouco e as folhas mais altas das árvores não se moviam. Algumas pessoas passavam e outras estavam encostadas aos parapeitos de uma semelhança de cais. Pássaros, alguns em bandos, trocavam de lado e aparentemente compunham uma desarrumação temporária. Ainda outras coisas, naquela tranquilidade de fim de tarde, moviam-se diante de uma falta de vento que agonizava na parte mórbida da sutileza do ar. O sol estava descendo, também lentamente, e outras pessoas também foram se encostando ao parapeito de uma espécie de falso cais.

Chegou a moça com sua face em chamas. Os raios mais puros e avermelhados lhe banhavam alguns resquícios de pensamentos, enquanto o sol pendia um pouco mais em sua descida que se pretendia incontável. Ainda restavam alguns segundos para que aquela luz titânica se apagasse finalmente. E o raio derradeiro, na contagem de um último grão de tempo, fez a sua viagem eterna. Explodiu de sua constelação de bilhões de anos atrás e, como aquela mão que segura confiante o escolho da montanha, apanhou os cílios da moça. Uma luz mergulhou naqueles olhos tão fartos e, como uma grande explosão, latejou todos os corpos das paredes que sustentavam aquela moradia sensorial. Então, feliz, a moça chorou.

Uma fagulha de tempo é algo incabível para as relações da condição objetiva do ser. Mas, é puramente confortável para acondicionar um bilhão de pensamentos, os mais sustentáveis que a memória pode preservar. E a moça que chora feliz, estratificada no pós-efeito que a razão do último grão de sol daquela tarde pode lhes oferecer, tem uma história acondicionada no fragmento de um diamante que não pode ser riscado. Assim, o seu espaço de tempo, vai transformando um desejo, de um passado distante, em monumento. E cria, dentro de suas convicções, a verdadeira estrutura, com paredes de um mineral impenetrável, que possibilita a medida exata de seu tempo. Por isso, algumas horas se parecem mais demoradas que outras. Alguns segundos tem ilimitada frequência. E certos momentos, ínfimos que sejam, se parecem tão duradouros.

Então, o sol se põe. Lá vai a moça deixando mais um bloco de tempo vencido. Fechado no seu jardim de inverno. E ela sobe a rua deixando pessoas pendidas pelos parapeitos daquela semelhança de cais. Deixa também alguns resquícios de pensamentos aprisionados nos pedaços de diamantes que compõem a sua memória tão vasta. E como aquela mão que segura firme no escolho da montanha, como aquele pedaço de raio de sol que atracou nos seus cílios, ela abraça-se a uma paz interior que lhe faz sorrir novamente. No seu mundo de verbos, de textos e de palavras pensadas, transita incondicional. Vai precipitando certas curvas sonoras, produzindo um rastro de busca e uma marca de silêncio. Silêncio onde habita alguém com suas palavras caladas. E quando ela o encontra, estica sua mão direita e diz: - prazer, eu sou Jardim. Jardim de Inverno.

Aço Coercivo
Enviado por Aço Coercivo em 04/07/2014
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