MONÓLOGO DE UMA CELA

Um fio de água flamejante, desce espremido, apertado, gotejado entre a peça do portal, na janela, e a falha na madeira que segura a armação do telhado. A tonalidade de um dia chuvoso, eu posso ver, considera os ingredientes discretos que serenam a luz que, mirrada, invade a cela. E este é um lugar difícil de se viver. As curvas produzem retas e, reflexivas, segregam toda a aparência do mundo. Até quando o vento sopra, sopra lá fora. Passa beijando e lambendo as grades mas não entra. E a mesma força que faz surgir a estaticidade, arrasta o acontecimento para bem distante, e ao mesmo tempo, para bem perto. E fica na memória. E os pensamentos são vastos. Eu os vejo, mas não os entendo. Quando o olhar escapa da cela, de qualquer um de nós, que somos muitos, sai como um voou arqueado. Tem pouso curto. No máximo, chega às telhas, na cumeeira do outro pavilhão. O resto, são só nuvens e um branco azulado que não tem fim. E, é por esse espaço que as lembranças produzem vácuo e vagam livremente sem algemas nem grades. É bem provável que nestas horas alguns de nós finalmente se encontrem. Se achem em pensamentos tão vastos. E não os entendam. O som produzido pela inconstância frequente da chuva deixa os homens amenos. E suas caras afrouxam deixando as marcas deléveis no tempo. Seus rostos, em tom sépia, ofuscam toda racionalidade. É possível vê-los em suas náuseas apertando seus corpos e liberando baixos resmungos. Essas lembranças que lhes tocam são claras e deixam expressões aparentes e psicodélicas. Assim eles choram e sufocam palavras inaudíveis. E não compreendem.

Muitas vezes, os homens recolhidos nestas celas, não tem tempo para a falta de tempo. Eles se ocupam de lembrar e, beijam suas mães chegando com sacolas de coisas. Beijam seus irmãos pequenos, e até os grandes que não podem mais visitá-los por que os esqueceram. E mandam recados para suas irmãs que já têm maridos. Perguntam pelos amigos que nunca mais viram.

Escutam longas histórias no curto espaço de tempo da visita. Depois retornam para seus lugares e os portões fecham. Agora são apenas grades gigantes e, eles não compreendem aquilo tudo. E, enquanto isso, as gotas continuam flamejantes e espremidas. Agora, provocando respingos para dentro da cela. Chove muito forte e será preciso pegar alguns lençóis. O tempo desaquece, fica mais frio e eles não entendem tudo aquilo.