BENFLOGIN

No caminho para casa , a noite é fria , as luzes dos postes ofuscam a visão entorpecida por medicamentos e bebida . Casimiro corre se esgueirando por de trás da tambores de lixo e pontos de ônibus enquanto carros passam por nós com suas janelas fechadas confortáveis ao volante ouvindo suas estações de radio prediletas . Casimiro e eu seguimos alucinados , cansados e assustados em direção de nossas casas para mais uma noite de pesadelos e vozes . O abismo entre a realidade e a fantasia se encurta e se mesclam como dois rios de cores e sabores diferentes . A garotinha que tanto assusta meu parceiro , fruto de sua imaginação perturbada , nós segue , segue nosso rastro , e apoiado ao meu ombro , com os olhos arregalados , insanos e doentes , com a luz do poste indecisa entre clarear e escurecer o quadro de horror que estamos pintando , meu amigo aponta , quer saber se eu também estou vendo , quer ter certeza de que não esta louco vendo coisas . Somos dois jovens drogados na calçada , disfunção erétil do sistema quebrado qual fomos inseridos . Nos orgulhamos de não estarmos orgulhosos de nós mesmos , de não fazer parte de nada e ao mesmo tempo sendo personagens , uma nota de rodapé nos classifica como vagabundos , e os sons que emitimos são incompreensíveis para quem ouve , mas quando estamos na mesma viagem , quando nadamos na mesma água fria quase nos afogando , quando nos aquecemos as cinzas da fogueira , ai sabemos , entendemos e compreendemos o que temos a dizer , mesmo que isso seja um uivo vindo de longe , o cantar da coruja no poste , os latidos dos cães . São os sons que nos rodeiam e empurram sem direção enquanto procuramos o caminho , abrindo portas e chutando outras , pulando janelas , derrubando paredes , abrindo caminho rumo ao oeste que sabemos ser o destino final saindo do leste . Lá esta ela -ele me diz e me puxa para baixo , aponta com o dedo enquanto recuamos agachados para trás de um tambor de lixo . Porque a teme , eu digo , é só uma criança . E sua resposta me assusta , e sua resposta me faz compartilhar de seu medo . Em meus ouvidos avisa : nós também já fomos crianças . E agora são os químicos de laboratório queimando nossos neurônios , cozinhando nossa sanidade , interferindo em nosso humor , e é quando ele começa a chorar que eu me levanto e lhe dou um tapa no rosto . As primeiras gotas de chuva começam a cair , e ainda sem ver a tal garotinha fico preocupado com ela , não quero que se molhe , mas o que irei de fazer ? Por mais que eu tente e me esforce jamais o alcançarei . Casimiro começou cedo demais , ou eu muito tarde , não sei , depende do ponto de vista , sendo que para alguns nunca deveríamos ter começado , o fato é que enquanto esta apoiado na parede Casimiro mal consegue manter o cigarro nos lábios , e seria triste se eu me importasse ,mas tudo que faço é dizer : vamos em frente , não podemos parar . Ficar aqui sem fazer nada com toda essa gente nos olhando é perigoso demais . Ele concorda . Estamos expostos , diz ele , se agarrando ao fio de coragem , ao traço de realidade que ainda lhe sobrou . E eu digo , ainda estamos acordados . Sera mesmo ?

26/12/2012

04h32m

Cleber Inacio
Enviado por Cleber Inacio em 01/09/2014
Código do texto: T4945506
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