O Anel

Era uma tarde de inverno. Resolvi descer a serra, e ir a praia. Sabia que não poderia usufruir da água morna do Oceano Atlântico, mas queria caminhar pela areia clara e macia da minha praia favorita. Olhar em direção ao nada, sentado embaixo de um frondoso coqueiro.

Já havia feito isso muitas vezes.

Durante a caminhada procurava por objetos, ou qualquer coisa que me chamasse a atenção. esse era o meu passatempo favorito.

Gostava do silencio, a praia estava sempre deserta, apenas o ruido das ondas, e as marcas dos meus passos na areia úmida.

Sempre eu encontrava alguma coisa diferente. Moedas, conchas, artefatos de madeira, de plástico, qualquer coisa que me chamasse a atenção.

Neste dia, algo me dizia que seria diferente, só não esperava que fosse tão diferente assim.

A praia deve ter mais ou menos uns três a quatro quilômetros de extensão, é linda, a brisa fria não tirava a sua beleza inerte.

Já tinha caminhado bem uns dois quilômetros quando algo reluzente me chamou a atenção a distancia.

O que seria? Pensei forçando os passos em direção a luz estranha que emanava do objeto.

Apressei os passos.

A maré estava baixa.

Aproximei-me com curiosidade. Abaixei.

Era um anel. Parecia de ouro puro, com uma enorme pedra azul turquesa, que brilhavam mesmo a pouca luz do sol entre as nuvens.

Olhei com cuidado.

Parecia caber em meu indicador, antes de colocá-lo li uma inscrição em latin.

VIDA APÓS MORTE. 1874 Angelus

Sem duvida era um objeto raríssimo, e deveria valer uma boa quantia em dinheiro. A pedra poderia ser turmalina, e o anel sem duvida era de ouro.

Ainda boca aberto, resolvi colocar a joia no dedo indicador da mão esquerda, ficou tão largo que caiu no chão ao menor movimento descuidado.

Resolvi então coloca-lo na mão direita, e qual foi a minha surpresa. A argola de ouro maciço se adaptou perfeitamente, e o brilho da pedra aumentou dez vez mais.

Comecei a sentir uma sensação estranha, como se a minha mente começasse a ficar conturbada, descontrolada, sem nexo.

Caminhei em direção a uma árvore de folhas verdes.

Minhas mãos começaram a ficar dormentes, eu tinha a sensação de Morte.

Recostei a cabeça no tronco da árvore e senti que meus olhos se fechavam. Olhei para o relógio. 15 h, dia 28 de abril.

Achei que minhas pupilas se fechariam para sempre.

Adormeci... Morri?

Durante aquele transe... Ou durante a minha morte, coisas incríveis começaram a surgir diante do meus olhos.

Vi o meu carro recém comprado estacionado no mesmo lugar no canto da praia.

Caminhei-me até ele, sentei-me ao volante, uma chuva inicialmente fina começava a cair, depois ela começou a ficar torrencial, descontrolada, tão forte que mal eu conseguia ver um palmo a frente do meu nariz.

Dei partida no carro e acelerei. queria voltar para casa. o vento frio e a chuva tinham me tirado o prazer de estar ali.

Passei pela cidade. entrei em meu apartamento. a chuva aumentava, parecia mais um diluvio. peguei os meus pertences joguei tudo no banco de trás e peguei direção da estrada.

Vento. Chuva. Uma luz azul pairava dentro do carro, parecia vir do teto.

Eu queria chegar em casa.

Acelerei mesmo sabendo o risco que corria.

De repente, já estava subindo a serra, visibilidade nula, eu continuava.

A água da chuva descia em enxurrada pela encosta.

Escutei um baque surdo, e uma avalanche de barro e pedra cobriu o meu carro, estourou o vidro, e aos poucos foi cobrindo o meu corpo. Desesperado eu tentava me desvencilhar daquele amontoado de entulho, mas senti que a morte estava preste, até que a lama cobriu minha boca, minhas narinas e eu desfaleci.

Minha hora tinha chegado.

Acordei. O anel que eu achara na praia estava jogado ao dado do meu corpo. Estava molhado, ou suado, não sei.

Olhei para o relógio. ele marcava 15 h, dia 29 de abril.

Desde que meus olhos tinham se fechado, havia se passado 24 hs.

Percebi que eu estava molhado, havia chovido, talvez torrencialmente, pois havia muita água acumulada em poças próxima a mim.

Levantei-me. O carro, por incrível que pareça estava ligado em marcha lenta, estacionado agora a poucos metros de onde eu me encontrava naquele momento.

Peguei o anel. olhei um tanto pasmo para aquele objeto mágico, já não reluzia mais como antes. sua luz tinha desaparecido.

Sentei-me ao banco do carro, o rádio estava ligado.

Tocava uma musica triste, quando de repente a programação foi interrompida.

A voz do locutor ecoou timpânica, como o anuncio de um funeral.

O CORPO DE BOMBEIROS, A POLÍCIA FLORESTAL, A DEFESA CIVIL, ACABAM DE INFORMAREM QUE O NUMERO DE MORTOS NO DESLIZAMENTO OCORRIDO NA ESTRADA TAUBATÉ UBATUBA, NA NOITE DE ONTEM CHEGOU ATÉ ESTE MOMENTO AO TRISTE NÚMERO DE 25 MORTOS.

PORÉM, ALGUNS MORADORES DIZEM QUE AINDA TEM MAIS GENTE SOTERRADA, POIS UM CARRO DE PLACA XLC 58886, SEDAN PRETO, TAUBATÉ, SUBIU A SERRA NO EXATO MOMENTO QUE A CHUVA AUMENTOU O SEU VOLUME.

Comecei a tremer, meus olhos se encheram de lágrimas. O anel começou novamente a reluzir como se tivesse vida.

Eu não podia acreditar no que estava acontecendo.

Belisquei-me várias vezes, para ver se eu ainda estava vivo.

Olhei pelo espelho interno. Toquei o meu rosto.

Rezei agradecendo a Deus.

Peguei o documento do meu carro, precisava conferir.

SEDAN PRETO - PLACA XLC 58886 TAUBATÉ.

O carro supostamente desaparecido era o meu, eu tinha certeza de que estava vivo, como tinha certeza também de que o anel que eu encontrei na praia tinha me dado a chance de uma nova vida.

Os dizeres em latim tinham agora um significado.

VIDA APÓS MORTE.

Ton Bralca
Enviado por Ton Bralca em 08/10/2014
Reeditado em 05/11/2016
Código do texto: T4992026
Classificação de conteúdo: seguro