O Sonâmbulo

Sabe aquelas noites normais? Aquelas noites normais, cheias dos rituais tradicionais que nos levam ao repouso da cama, e também cheias dos desenhos feitos na penumbra pelo nosso cérebro...

Então, foi numa dessas, ninguém esperava, nem mesmo aquele assustador monstro feito pelo amontoado de roupas! No meio da tênue linha sonurna que me encobria, ocorre um nascimento. Sim! Um nascimento com todos seus dramas, expectativas e dores de parto. Nasceu ali uma vida curta, sem nome nem memórias, mas mais significativa do que muitas vidas longas e cheias de memórias. Nasceu ali um filho bastardo da minha personalidade. Vou explicar melhor:

Durante a noite, quando a luz novamente entrava só pela janela, ocorria na minha mente uma enchente: a fonte das inspirações jorrava descontroladamente e um efêmero rio de histórias se formava em volta dela (o pobre coitado se secou sem nem vir ao papel), ora, esse rio é o seguinte: No meio de um ar azul, surgiu um ser vestido em preto, dono de um charme cego que se suicidou num penhasco ao som de música. O ar torna-se então uma paisagem perdida e essa mesma música embalava um sonho que balançava no penhasco, ameaçando se suicidar também, este viveu, mas está muito pobre e doente. Depois uma série de personificações cavalgou por todo espaço encobrindo tudo e secando o rio como um sol forte, mas subitamente tudo volta ao ar azul (acho que era água) e esse afogou minhas letras, mas um desenho sobrou, e nele estava desenhada uma personalidade acanhada e com cheiro de gasolina, era o embrião deste ser vestido de preto. Sua gestação teve a duração de um sopro, portanto vamos ao nascimento:

O infeliz teve um parto digno de sua desgraça, quem sofreu foi ele, não seu gestante, sofreu tanto que já podia ser santificado, e nessa dor vulcanizaram suas expectativas, e inevitavelmente, essas expectativas foram se tornando realidade, regidas pelo barulho do relógio.

O recém-nascido saiu do meu quarto através da porta e, assim como manda o hábito humano, se encaminhou para fora da casa usando todas as portas necessárias. Quando este chegou à rua, ficou parado enquanto nutria-se da luz azul élfica vinda dos lampiões eternamente inquietos dos postes arbóreos, até que um vento forte o acordou de seu devaneio nutritivo. Começou então a caminhar sem arbítrio até que, ao chegar numa praça, viu uma luz, uma luz de verdade, branca e ofuscante; por puro amor tocou-a, e esta, devido aos motivos, se partiu em várias luzes menores, rodeando-o. À medida que este era balançado pelo vento, cambaleou, dormiu e acordou.

Acordou num lugar de ar vermelho, com um teto feito de fumaça vermelha e tinha o mesmo cheiro de gasolina do seu embrião. Esse lugar era uma casa para se socializar, havia varias pessoas e por motivos, o ser neste momento, se confundia com uma. Assim sendo, o ser colocou em prática suas expectativas, procurou uma mulher bonita, enlaçou-a com seus braços e subitamente tudo se apagou. Logo o ser volta à consciência e está em pé, ao lado de uma cama onde dorme esta mulher. Assim termina a vida deste ser, agora vou contar-vos seu funeral:

Um milhão de luzes apagadas explodem no meio do quarto oceânico, assustando todos os monstros ali presentes, o ser então se deita, à medida que se encolhe sobre a mulher deitada ao seu lado. Círculos brilhantes e deformados rodeiam o quarto à medida que tudo acaba, enquanto isso a mulher simplesmente dorme, nada vê e nada sente. Várias velas efêmeras feitas de lã ao redor da cama aparecem e queimam rapidamente. O vento do sul delibera soprar o tempo com mais força de modo que o funeral se processa em instantes. O ser se consome em pequenez sobre o corpo da mulher, as luzes somem, assim também os círculos e as velas.

Acordo no outro dia assim como acordei no dia anterior e assim como acordarei no dia posterior: Normal.