Portais 5

Luan fora aceito. Na verdade, ele instalou se no laboratório.

Eram dias escuros e pesados demais para alguém opor se a algo tão trivial quanto um estranho encarapitado na cadeira ao lado da criatura, com seu caderno de anotações e a cabeça obcecada. As pessoas passavam por ele com cabeças baixas e passos rápidos. Observava esperando Libe ou Carla aparecerem. Não soube mais nada delas. E os comentários nos templos só aumentavam a curiosidade do povo que já sentia a falta das pregações de Libe. Não demoraria muito para que todas as línguas pronunciassem um único nome próprio dissílaba.

Até Carla se calara. Era como se uma maldição tivesse sido lançada. Luan sentia se um habitante de um castelo de areia, com a mare subindo lentamente o consumindo. Esperou quieto e quase tão imóvel quando a criatura por uma oportunidade, quando depois de 7 dias ela surgiu. Arrancou se da cadeira tão rápido quando era possível, correu a passos largos até a porta, chamando a atenção dos demais, afinal ninguém corria ali.

Agarrou o braço de Libe. Sabia que pessoas como Libe odiavam isso, esse contato tão íntimo sem permissão, essa invasão da carne. Era algo extremamente desagradável, indesejável e evitado ao máximo, era necessário um grau de intimidade muito elevada geralmente só adquirida por anos de convivência, para uma neffés deixar se tocar sem resistência ou repulsa. E foi justamente a reação de repulsa que Luan obteve, um recuar rápido, um afastamento subido. Um olhar de reprovação. Imediatamente afastou a mão e disse:

-Desculpa. Só quero saber o que se passa. O que está havendo.

-Não é da sua conta. Vá embora.

Luan começa a andar de volta para a sua cadeira, quando olha para os seus pés ...seus pés um depois do outro o levam de volta para o seu posto... se dá conta que não era isso que queria. Ele força uma parada. Parada brusca. Repentina como se estava no seu caminho habitual e acabou de lembrar que esqueceu algo muito importante. Vira, vê Libe indo embora, ele fala:

-Não faça isso comigo, Libe. Não me manipule, não coloque vontades não minhas.

Libe para e o fita. Luan encarra os olhos azuis tão carregados de histórias e passados, um infinito eterno. Ele por um minuto sente se um menino falando com uma avó que sabe todas as respostas de tudo e sabe sempre o que fazer. Tão grande e sólida quando um edifício, e ele tão pequeno e inocente, frágil como uma folha de outono. Encabulado repete com a voz baixa como se falar na presença dela fosse algo pecaminoso:

- Por favor pare com isso.

Sua voz imponente, forte retruca:

-Parar com o que?

Luan junta todas as suas forças para ter coragem de lhe dar a resposta e num sussurro fala:

- Eu sei o que está fazendo…Gabriel...seu nome era Gabriel...

Libe se aproxima e com o olhar o encoraja a continuar:

- Gabriel ...veio ao meu mundo para nos ajudar. Tinha o coração maior que já vi, e duvido outro igual...era tudo para mim. Era aquela pessoa que faz você acreditar que o mundo pode ser um lugar bom, que existe bondade nas pessoas.

Libe fala:

- O que aconteceu. Deixe me ver.

- Não sei se está pronta...

Libe estendeu a mão e falou:

- Olhe você então.

Com hesitação Luan a segurou. O que viu foi:

“Joana caminhando para seu posto. Manter a rotina era algo importante principalmente em momentos como este. Seu coração se quebrara com a morte de Júlia, mas tinha o bebê que precisava dela. Não podia desistir de tudo. Amava Júlia e se culpava por continuar com a vida. Se culpava por seguir em frente. Colocou a mão no bolso e percebeu que esqueceu o relatório. Deu meia volta e entrou no apartamento. Tinha saído não fazia nem 5 minutos e o que encontrou foi todas as fotografias de Júlia no chão. Com o coração a mil queria gritar, mas não conseguia. Correu até o quarto, estava vazio. Correu até o banheiro, escancarou a porta e viu Léo com um frasco de comprimidos na mão. Os olhos inchados de tanto chorar. Fitou joana que falou:

-O que está fazendo?

- O que parece...

Joana deu um tapa nos remédios e falou:

-O que você fez?!

-Nada.

-Quantos tomou?

As pernas dele oscilaram, seu corpo veio ao chão com um baque violento. Foi como se todo ar de joana fosse retirado. Ela gritou:

-QUANTOS?

Léo sorriu:

- Não o suficiente...

Joana temia por esse dia. Ela sabia que seu marido não era tão forte quanto ela. Sabia que sua alma se culparia de um jeito monstruoso, sabia que para ele a vida agora não passava de um tormento impuro. Léo era composto de grande parte de compaixão e isso era acorrentado a culpa. Culpa essa que o corroía, as combatia como conseguia, com a ajuda de “remédios”, mas joana tinha convicção que desta vez, que desta perda não haveria “remédios” que ajudasse. Júlia levou um pedaço do coração de joana, mas de Léo levou sua alma. ”

Libe soltou a mão de Luan que ofegante falou:

-Ele se matou?

-Ele está se matando, e não a nada que posamos fazer. Não come mais, não faz mais nada além de esperar a morte. Não adianta falar com ele. Não houve.

-E Carla?

-Carla, finge estar bem, mas se afastou de todos e sei que não para de pensar nisso um minuto se quer. Está vivendo um inferno.

Luan leva a mão a testa, Libe pergunta:

-Está tonto? As vezes acontece.

- Não. Qual a dor que ele sente?

-Como assim?

- O pai da menina, qual o nível de dor da perda? Quando tempo consegue ficar na presença dele sem desejar a morte como ele deseja, ou sem ver cenas de um passado alegre com Júlia.

Libe supressa responde:

- Acho que uns 10 minutos.

- Nível 7, isso não é bom.

-Como sabe tanto de mim?

- Já falei... Gabriel, era como um irmão para mim.

-Era?

-É.

-Me conte a sua história...a de Gabriel. Preciso saber.

-Acho que sim; mas primeiro daremos um jeito nessa situação, creio que sei como salvar o seu amigo. Precisa confiar em mim.

-Não confio.

Luan riu.

-Sei que não, afinal é uma neffés, seria estranho se confiasse. Mas não tem escolha se quiser salvar seu amigo e ajudar Carla.

Libe suspira:

- O que quer que eu faça.

- Que construa um muro.

Libe o olhou sem compreender. Luan falou:

-Você deve imaginar um muro alto ao seu redor. Ao redor de todo o seu ser. Ninguém pode passar por ele a menos que você deixe. Nada pode entrar ou sair sem sua permissão. Tranque seus pensamentos, seu ser atrás desse murro. E os outros deixe fora. Assim a criatura não vai mais afeta-la como antes e não vai mais ouvir os pensamentos dos outros sem querer. Terá sua paz.

-Simples assim?

-Não, não é. Toda noite você vai construir esse muro e todo dia ele vai se rachar, vai ter buracos abertos e vazamentos. É uma tarefa árdua. E requer uma persistência sobre humana.

-Como isso vai me ajudar a salvar Léo?

- Quero que pratique. Você tem 2 dias e uma noite. Os neffés levam anos para conseguir com sucesso se isolar. Você não tem esse tempo. Lamento por isso, mas a vida é assim. Não se esqueça que o seu muro será constantemente atacado por sentimentos, imagens, passado e futuro querendo entrar, e por dentro, partes suas: emoções fortes, sonhos, desejos, querendo sair. Ele tem que resistir.

- E como isso vai nos ajudar?

- Um passo de cada vez. Confie em mim. Sei o que fazer. Pratique, na segunda noite lhe contarei o plano todo. Agora preciso falar com Carla.

-Acho melhor não. Quero que me mostre Gabriel. Se você me conhece como diz sabe que não vou confiar ou fazer o que me pede sem ver Gabriel e o seu mundo.

-Está bem, mas não force, por favor.

Luan estendeu a mão. Libe falou:

-Não sou como Carla, não preciso tocar.

Luan sorriu:

-Achei que assim fosse mais fácil.

“ Gabriel, olhos negros profundos, pele branca contrastava com Luan. Andavam em um túnel subterrâneo úmido com cheiro de terra, apesar de ser revestido com concreto. A voz de Gabriel era profunda e concentrada, quando falava, falava diretamente para a alma:

- Se aquiete, Luan. Daremos um jeito. Sempre damos.

- Eu sei, mas está cada vez mais difícil. A guerra está cada vez pior.

-Sempre é mais escuro antes do amanhecer. Não podemos perder a esperança, mesmo quando parece quase impossível.

Um estrondo, o chão tremeu, seguraram-se nas laterais.

-Bombas. – Falou Luan- como se tivessem algum efeito nas bruxas e seus portais.

Mais um estrondo e dessa vez o chão os jogou para o alto. Luan caído no chão protegendo a cabeça contra os cacos de concreto que se soltavam, antes que conseguisse se erguer uma nova onda de choque e um estrondo ainda mais perto, mais alto. Luan tosse em uma tentativa de expelir a poeira que toma todos os espaços vazios, levanta a cabeça e vê Gabriel deitado a alguns metros dele, sua testa um corte, sua mão no ar estendida com os dedos abertos como se quisesse segurar algo, o olhar fixo. Luan segue o olhar, logo acima dele um pedaço inteiro do túnel pairava no ar. Luan sai o mais rápido possível de baixo, Gabriel relaxa a mão e em um segundo o pedaço vem ao chão, levantando uma nova onda de poeira. Luan ajuda Gabriel a levantar se e fala:

- Você está bem?

-Só um pequeno corte.

-Obrigado. Seria irônico se morrêssemos aqui.

-É acho que sim. Temos que concluir o nosso objetivo.

Passam pela abertura entre a parede e o desmoronamento. Chegam a uma escada; a sobem, Gabriel na frente levanta a tampa, luzes bruxeiam. O fogo queima. Colunas negras de fumaça sobem lentamente. Cassas ardem, jardins ardem, a mata atrás do bairro residencial é vorazmente consumida pelas chamas! Gritos de terror misturados com o estalar e crepitar do fogo que tudo consome. Luan pisa no pavimento arruinado pelas bombas, pelos tiros, pelos milhares de pés fugindo sem direção.

Cinzas negras caem, o grito da criatura invade seus ouvidos.

-Estão próximas. ”

-Chega.- fala Luan se afastando de Libe.

- O que acontece depois? Deixe me ver.

-Não. Não é hora.

-Sabe que posso tirar qualquer coisa de você. Mesmo que não queira.

-Eu sei. Mas não fara isso. Por que é contra os seus princípios. Você não é assim. Agora me diga onde está Carla.

-Não sei.

-Claro que sabe.

-Ela costuma desaparecer.

- É só fechar os olhos e se concentrar nela. Não em uma memória ou em algo especifico apenas em Carla.

Libe obedeceu. Fechou os olhos e pensou em Carla. Nos seus olhos brancos a pele amarelada e o corpo esguio.

-Me diga o que vê.

-Sinto o vento frio…ouço o mar quebrando…uma tristeza...pedras e agua com força se chocando contra...alçando vou....tristeza embrulhada no ódio.

-Está bem, abra os olhos, libe. Não se aprofunde mais.

Libe abriu os olhos. Luan carinhosamente falou:

-Se você se aprofundasse na tristeza dela, poderia se perder e acabar matando-a.

Libe confusa falou:

-Mas está na praia. O mar fica a 600Km daqui.

- Não importa. Nunca se esqueça que você é uma arma, sem manual.

Luan suspirou e falou:

-É acho que terei que esperar a volta dela.

Luan esperou a noite cair.

Foi ao quarto de Carla. Ela abriu a porta supressa. Luan falou no tom mais elegante e sedutor que conseguiu:

-Boa-noite. Como estava o mar?

Carla o fitou abobalhada e falou:

-Como....

Luan a interrompeu:

-Posso entrar? Precisamos conversar sobre nossa amiga em comum.

-Que amiga?

Luan entrou e sentou-se na cadeira de estofamento vermelho.

-Que amiga?! A Libe, quem mais?

Carla riu e falou:

-Ela não é sua amiga. Você chegou aqui á dois dias. Não se faz amizade em dois dias.

-Claro que sim. Se faz amizade até em uma tarde...uma hora. São as afinidades a irmandade reconhecida pelas almas que realizam essa ligação quase magica da amizade.

Carla quase faz uma careta, sentando-se na poltrona verde á frente de Luan fala:

-Magica? Vindo de alguém que usa essa palavra pode se esperar qualquer coisa.

Luan sorri e fala:

-O que é mais magico que a vida? Carla todos de uma forma ou de outra acreditamos em magia até você.

Carla riu e falou:

- Claro que não.

-Mas deveria. Por que você é mágica. Tem esse poder. Ou como explica o poder de pensar em um lugar, e em um segundo estar nele... Como a 600km só para ver o mar. E um segundo depois voltar para seu quarto. Se isso não for magica não sei o que é.

- Isso é genética. Nasci assim.

-Um outro nome para mágica. Esse poder é inexplicável, como a mágica.

-Olha você está soando como um lunático.

-Você só ainda não compreende, mas vai no futuro.

-O que quer comigo?

-Quero que me ajude a ajudar vocês.

-Não precisamos de sua ajuda. Não preciso de sua ajuda.

-Não é o que parece. Estão com uma criatura trancada que ninguém consegue se comunicar, um médico louco, uma neffés sem disciplina e você.

-O que tem eu?

- Fica aqui se atormentando, se culpando pela suposta morte da menina. Isso não ajuda em nada.

-E você tem todas as soluções para tudo.

-Acho que sim.

-Então por que não salvou o seu mundo, se é tão bom assim.

-Por que não tinha você.

Carla sustentou o olhar de Luan e falou:

-Seu amigo...o outro neffés está morto...não está? E por sua culpa.

O silencio inundou a sala. Tudo ali era pura tensão. Luan falou:

-Você não sabe de nada.

-E nem você.

-Estou tentando fazer algo aqui e você tem a escolha de me ajudar ou não. Só acho que posso fazer algo a mais por já ter experiência que vocês não têm.

-Me diga o que deu errado. Me diga por que não salvou o seu mundo.

-Gabriel era capaz de sugar a energia das criaturas e com isso as matava. Ele matou dezenas delas.

-Gabriel que era como Libe?

-Sim. Mas no meu mundo era diferente daqui. Muito diferente o governo também as atacava com bombas e tiros, fogo e gás. Creio que o governo matou muito mais que as criaturas.

- O que aconteceu com Gabriel.

-Um dia ele matara uma criatura como sempre fazia. Mas algo nele mudou. Não vi isso na época, mas agora olhando para trás eu vejo, uma mudança sutil, mas ainda assim forte e constante. O perturbava o consumia.

Levou uma semana. Na noite de sexta feira elas vieram novamente. Mas desta vez Gabriel não as atacou. Nem elas a ele. Simplesmente o cercarem. Eu vi tudo. Gritei, com todo o meu ser. Gritei e observei. Gabriel se transformou em uma delas. Ali na minha frente. E eu não fiz nada, não pude fazer nada. Ele veio em minha direção, mas já não me reconhecia e nem eu a ele. Me jogou dentro do portal e aqui estou. Tenho tantos motivos quando você para ser um maníaco depressivo

-E você quer que Libe as mate também?! Mesmo sabendo que ela vai se transformar em um desses monstros?!

-Não acho que teremos que chegar a esse extremo. Já que eu vi do que você é capaz. Você é capaz de fugir delas. E tem a previsão de abertura dos portais, além desses templos seguros.

- O que quer então?

-Preciso de todos vocês bem, existe esperança novamente. Temos uma chance real aqui, mas para isso você tem que estar bem. Você e a Libe.

Carla fitou o chão. E falou:

-Não sei se conseguirei um dia voltar a ser quem eu era.

-Consegue sim. Vai dar tudo certo.

Luan sentou-se mais próximo de Carla e segurando a sua mão falou:

- Vamos começar consertando o doutor, isso vai pôr tudo em andamento.

Carla falou:

-E quando a Júlia...

- Ela não foi esquartejada no portal, então deve estar bem em outro mundo como eu.

-O pai dela jamais vai aceitar isso.

-Ele não precisa. Vou lhe contar o plano e amanhã falaremos com libe.

Joana embalava o pequeno Igor. Parecia saber que perdera a irmã, estava triste. Só chorava e olhava ao redor. Resmungando palavras que nem a mãe poderia saber o que significavam. Mas imaginava que era falta da irmã. Joana sentiu o rosto molhar. As lagrimas escoriam. Estava completamente só. Só ela e o bebe que era a única coisa que a movia para a vida. Que a impelia para continuar, a criação do bebe. Apesar de ter sido concebido como um acidente, não gostava de olhar para ele e sentir que era um pacotinho de reserva. Uma apólice de seguro, caso ocorra algo com a principal, muito bem planejada e aguardada primogênita, esse “acidente” poderia vim a ser útil. Não pode evitar de chorar ainda mais. Como ela uma mãe poderia pensar algo tão horrível do filho! Ela o amava mais que a si mesma, mais que qualquer coisa nessa vida.

Pensava que sabia o que era o amor. Que amava Léo. Que amava o trabalho. Mas foi depois que nasceu Júlia que ela realmente sentiu o que era amar alguém. E quando soube da segunda gravidez, não ficou feliz, mas quando mais o dia do parto chegava mais amava aquele pequeno pedacinho de gente. Quando nasceu sentiu exatamente o mesmo amor por ele que sentia por Julia. Ela abraçou o pequeno. Tentou parar de chorar, mas não conseguiu.

Léo que sempre estava ali para tudo e para todos não estava mais. Léo que sempre a ajudou e a apoiou não existia mais. Quando olhava para aquele homem tudo o que via era a sombra do que foi um dia e sabia que jamais voltaria a ser o mesmo. Sabia que não pararia de se autoconsumir até não sobrar nada. Destruiria o seu corpo para refletir os destroços de sua mente. Sabia que estava fechado em si mesmo e expulsara ela e o pequeno.

Bate à porta. Ela se assusta. O pequeno se aclamou um pouco. Enxuga as lagrimas. Nem se importa mais com os olhos vermelhos. Que vejam! Não liga mais para isso. Só o que quer é ter sua filha de volta. E isso é uma daquelas coisas da vida que não tem volta. Como o tempo. Como palavras ditas. Abre a porta e vê Carla parada. Nem a implicância que tinha por Carla parece importar mais. Deixa a porta aberta e sem dizer nada anda e senta se de volta ao sofá.

Carla entra e se senta ao lado dela.

- Léo não está aqui.

-Eu sei. Vim falar com você.

-Não tenho nada a falar e também não quero ouvir nada só quero ficar sozinha.

- Libe pode apagar Júlia da mente de Léo.... Seria como se ela nunca tivesse existido... assim ele poderia continuar uma vida normal, sem o peso da perda.

Joana escancara os olhos. Carla quase pode sentir o horror e a dor de joana sendo subjugadas pelo ódio. Joana desfere um tapa no rosto de Carla. Fazendo sua cabeça virar violentamente. Não era de todo inesperado. Carla levantou se e antes de sair pela porta falou:

- Pense um pouco joana. Amanhã voltaremos.

A cabeça de joana girava. Nunca ouvira nada tão avassalador. Tudo o que tinham agora era a memória de sua filha e queriam tirar isso dela! Tirar isso de Léo! Ele nunca concordaria com algo tão brutal. Joana com o pequeno no colo caminhou pela casa olhando as dezenas de fotografias espalhadas pelas paredes, mesas e recordando cada momento que passou com a filha.

A porta se abre e o que fora um ser humano entra. Magérrimo, calado, arrastava os pés. Joana o observou. Deixou o seu corpo cair na cadeira. Joana falou:

-Léo o que pensa que está fazendo? Também amava Júlia. Mas temos de continuar. Não podemos desistir.

Léo levantou os olhos para joana e para o pequeno e com um sorriso falou:

-Eu já desisti.

-Não pode. Preciso de você! Igor precisa de você.

-Não precisa não. Nunca precisou sempre fui eu quem precisei de você. E você é mãe e pai do pequeno, ninguém vai cria-lo melhor do que você.

-Isso não é verdade e sabe disso.

-Sei que tudo o que quero é desaparecer de vez e para sempre. É a única coisa que faz sentido.

-Você tem muito a fazer aqui, muita gente para ajudar. Você é médico tem o dever de ajudar!

-Joana quantas vezes iremos ter essa conversa inútil. Acabou para mim. E ficarei feliz se simplesmente sumisse e que ninguém se lembrasse de mim.

Joana percebeu por mais que isso destruísse seu coração que Carla tinha razão. A única maneira de Léo continuar era esquecendo da filha.

Antes do sol nascer, Carla, Luan e joana estavam sentados na sala. O ar que os circundava era tão tenso e funesto que parecia os sufocar.

-Você pode fazê-lo esquecer da Júlia? Pode mesmo a apagar de sua mente como se nunca tivesse existido?

Libe assentiu com a cabeça.

-Acha mesmo que pode deletar o amor de um pai por sua filha?

Libe pensou em Trúlio e toda a devastação que sentia pela perda da filha uma espécie de loucura insana procurando um culpado, por meio desse dar um sentido a toda a dor e poder aplicar a punição, resultando na falsa impressão de justiça e ordem restaurada.

Cometera um erro com ele. Que não se repetiria com Léo. Com Trúlio, entendia agora, que as raízes da ligação de pais e filhos são muito profundas e fortes, mexer com elas é algo perigoso. Mas não mexeria, ela as trancaria. Não deixaria Léo ter o mesmo fim de Trúlio. Confiante respondeu:

-Posso.

-Então terá que apagar tudo.

Olharem para joana sem compreender. Ela continuou.

-Não conseguirei viver com um marido que não se lembre da nossa filha. Quero que apague tudo. Nosso casamento. Nosso pequeno Igor. Apague o dia que nos conhecemos. Apague tudo. Eu irei embora. Com o nosso filho e a recordação de nossa filha. Irei para o templo mais longe daqui. E nunca mais o verei.

- Mas você o ama? - Pergunta Carla.

-Amo. Como amo Júlia. Mas Libe diz que ela é capaz de apagar até o amor.

Libe encara o olhar devassador de joana. Libe fala:

- O amor...não existe se não existir as lembranças que o causaram. E eu posso apagar essas lembranças.

-Pois então faça! Não irei me despedir de Léo, pois o Léo que amei já não existe mais. Faça o melhor que puder e cuide bem dele por favor. Ele é bom demais para viver nesse mundo e por isso é penalizado todo santo dia.

-Tem certeza que é isso o que quer. – Perguntou comovido Luan.

-Tenho certeza que não é isso o que quero. Tenho certeza que o que quero é ter a Júlia de volta. Mas essa é a única opção que temos. A única que realmente impeça Léo de se matar. Então façam.

Joana levantou e saiu.

- você pode Libe e é o certo. – Falou Luan.- você pode muito mais, tenho certeza e você também deve ter certeza.

-Eu tenho... e começo de achar que eu e todos como eu são um tipo de monstro.

Carla e Luan a fitaram, Carla falou:

- Monstro? Por poder salvar a vida de uma pessoa!

- Você não ouviu? Sou capaz de apagar o amor. Sou capaz de fazer o que quiser com a mente de qualquer um. Posso até esmagar seus pensamentos, posso mutilar e pisar no eu de cada um, até não sobrar nada. Não é isso Luan?

Luan confirmou com a cabeça mas disse:

- Pode sim...pode fazer tudo isso. Mas pode salvar, pode ajudar e curar. Pode fazer o bem, como você já está fazendo aqui. Pode fazer muito.

-Então vamos lá. Já construí o muro, já olhei para o meu eu interior. Estou pronta. Pronta para tirar a filha de seu pai.

-Não. Isso foi o que as criaturas fizeram. Você só está devolvendo a vida a um ser humano incapaz de aceitar a realidade. Eu sei. Eu estava lá. Não a ninguém que possa lhe falar isso Libe, além de mim. – Falou Carla.

Libe atravessou a porta e lá deitado em sua cama dormindo com a ajuda de remédios estava Léo. Libe sentou-se ao lado dele e com a mão tocou sua face.

Uma a uma as lembranças iam desbotando-se ficando cada vez mais fraco até sobra somente uma imagem pálida quase transparente como um fantasma. Se isso não bastasse libe as pegou e colocou os dentro do baú. Um grande e desbotado baú vermelho. Quando trancou a última lembrança de Júlia começou a buscar e trancar joana e claro o pequeno. Quando terminou tudo, escondeu o baú onde são feitos os sonhos lado a lado com os pesadelos, um lugar sombrio e inconstante, porém seguro para se esconder algo.

Quando acabou, estava exausta e sentia-se uma pessoa horrível. Uma pessoa que talvez fosse melhor morrer. Tentou parar de pensar nisso. Abriu a porta e lá a sua espera estavam Luan e Carla. Antes que pudessem falar algo libe falou:

- Está feito. Nunca mais se lembrara de Júlia e joana e nem do pequeno. Será como se isso nunca tivesse acontecido.

-Quando acordar será como o Léo de antes?

-Espero que sim. Mas para isso ninguém poderá falar nada de sua família.

- Todos os amigos estão avisados, depois ele será transferido para um lugar onde ninguém saiba de seu passado. E temos um apartamento novo, para não acontecer de esquecer algo no antigo.

-Ótimo essa etapa está terminada- falou Luan- agora vem a segunda etapa falar com a criatura.

-Como pode ser tão insensível! Falou Carla.

-Não sou. Só quero que tudo prossiga e que dê certo. Temos um mundo a salvar.

-Todos queremos isso. – Falou Libe. E joana?

-Já partiu.

-Sem se despedir?

-Sim. Ela não quis. Falou que era demais perder um marido e uma filha. Que só o que queria era ir embora de uma vez com o pequeno.

Naquela manhã Léo acordou sentindo-se vazio. Como se algo faltasse. Olhou o seu quarto, tudo era como lembrava, mas mesmo assim parecia tão estranho. Quase desconhecido. Sentiu o vazio que cada ser humano possui, que as vezes cada um sente. Um vazio que não importa com o que tentamos preencher ele continua lá. Coloca se dinheiro ele o consome, então tenta se o amor e ele também o consome nada é o suficiente para satisfaze-lo, traga tudo só o que deixa é a constante sensação de vazio e a urgência na necessidade de satisfaze lo. Tentaria com o trabalho, sim era isso que ele ofereceria ao senhor dos vazios o trabalho, na verdade mais que isso, pois ser médico era mais que uma profissão era uma escolha de vida. E ele escolheu ajudar os outros. Ajudar a quem precisaria e nesses tempos quase todos precisam. Talvez por isso nunca se casou. Tinha gente demais que precisava dele. Coisas demais por fazer e tempo de menos.

Libe andou confiante até a criatura. Nada poderia ultrapassar o seu murro. Nada entraria e nem sairia sem a sua permissão.

- Se ela morrer você morre também. – Falou Carla para Luan.

-É justo.

valmi
Enviado por valmi em 20/07/2015
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