O Homem-bomba

O noticiário da televisão anunciou uma explosão dentro de um hotel na Espanha. O atentado supostamente fora provocado por um homem-bomba. Nenhum grupo terrorista assumiu a culpa.

Muitas pessoas, civis e militares, foram vitimadas. Os feridos estavam sendo levados para hospitais enquanto os corpos para o Instituto Médico Legal onde posteriormente seriam identificados.

Segundos depois da explosão, um homem de aproximadamente 25 anos acordava do transe que sofrera. Sua cabeça doía, seus braços estavam adormecidos e uma barba crespa e negra escondia seu rosto cansado. Seu nome era Sady Aby Fayed, o homem-bomba que explodiu o hotel.

Temeroso de onde estava, e sentindo sob seu corpo o frio do mármore, levantou-se rapidamente. Observou as paredes brancas que o rodeava e a grande pedra sobre a qual seu corpo jazera. Assustou-se.

Começou a lembrar-se de tudo o que havia ocorrido, desde sua saída do esconderijo, onde a bomba fora instalada em seu corpo, até o momento em que entrara no saguão do hotel anunciando que iria detonar uma bomba, para ás diversas pessoas que ali se encontravam. Recordou os rostos assustados dos turistas, que chegavam para se hospedarem, e os olhares inquiridores dos repórteres e dos soldados, enviados de outras nações, para conhecerem a guerra de perto.

Examinou-se. Viu que suas roupas foram trocadas por uma bata e que a bomba havia desaparecido. Será que estava em um hospital? Impossível. Tinha certeza de ter detonado a bomba. Ficou espantado ao ver que seu corpo, que provavelmente deveria ter sido destruído na explosão, ainda estava intacto.

Caminhou pelo cômodo pensando no que fazer. Era um quarto pequeno sem janelas e com uma única porta. Tudo era branco, claro e limpo.

Ele precisava achar alguém que pudesse lhe informar onde ele estava e como viera parar ali. Se estivesse no paraíso, queria saciar sua fome e ficar com as mulheres prometidas. Pensou nas lindas espanholas do hotel.

Propenso a descobrir onde estava, saiu para o corredor e avistou alguém a cerca de uns trinta passos. Neste instante sentiu um arrepio passar por seu corpo e teve um pressentimento ruim. Caminhou lentamente pelo corredor até aproximar-se do indivíduo que vestia uma roupa igual a sua.

Durante seu treinamento militar, aprendeu que enquanto estivesse em outro país deveria ser educado com os desconhecidos e se fazer passar por um inocente turista. Esta era a hora para demonstrar o que aprendera. Sorriu jovialmente e se apresentou.

- Olá. Eu sou Sady Aby Fayed. Eu gostaria de...

O homem a quem Sady se dirigiu fez uma cara de bravo e lhe deu um sopapo derrubando-o ao chão.

- Seu canalha. Além de matar um monte de gente, ainda tem a coragem de vir aqui me dizer quem é você. Por sua causa eu morri. – Esbravejou o sujeito.

O amor e a violência são línguas universais. Todo mundo entende quando esta sendo amado ou agredido. Sady entendeu que o outro queria briga. Levantou-se rapidamente, como um bom soldado, e partiu para cima de seu adversário. Estava pronto para dar-lhe um soco quando alguém o segurou.

Um ser diáfano, que parecia não ter corpo, só alma. Um fantasma agarrou os ombros de Sady fortemente não deixando ele se aproximar do seu agressor.

- Espanhol - falou com voz firme - agora não adianta mais brigar. Tudo já acabou. Vá para sua sala.

Seguindo as ordens que recebeu o agressor foi embora xingando. Sady tentou se libertar das mãos que o segurava, mas não conseguiu.

- Eu sou o anjo Sarim. – falou a criatura soltando-o - Eu vim para lhe mostrar onde você vai ficar. E o que deve fazer...

“Anjo”- pensou. Agora tinha certeza de que estava realmente morto e de que cumprira sua sinistra missão: matar e morrer.

- Eu quero logo conhecer minhas mulheres. - sorriu.

- Mulheres? Que mulheres?

- As 70 virgens que me foram prometidas.

- Ih! Mas um que acreditou nas baboseiras. - Falou o anjo colocando a mão na testa.

- Como assim? – protestou o outro.

- Vai me dizer que você acreditou mesmo nesse negócio de paraíso, setenta moças lindas, muita comida e bebida de graça, etc e tal.

O homem fez uma cara de incredulidade, não sabia o que fazer. Não estava entendendo nada.

- Olha aqui cara. Prometeu está prometido. Eu quero. Eu não morri de graça não.

- Olha, aqui não tem nada daquilo que te prometeram. - disse o anjo suavemente - você é igual aos outros idiotas que chegaram antes – falou em seguida com sarcasmo.

- Quem é idiota?

- Você pensou que iria receber tudo aquilo mesmo?- perguntou o anjo abismado.

- Eu quero falar com seu superior. - falou Sady indignado.

- Ai! Primeiro me mandaram aqueles japoneses Kamikazes, todos loucos, agora esses homens-bomba. - lamentou-se o anjo

O outro olhava aturdido.

- Venha - chamou o anjo - me siga.

Começaram a caminhar por um corredor comprido que parecia não ter fim. O recém-chegado observava tudo, seguindo o outro com medo e incrédulo do que estava acontecendo.

Sady olhou para inúmera fileira de portas que existiam no corredor. Em cada uma delas havia uma pessoa. Todas com as mesmas roupas brancas. Homens mulheres e crianças.

- Pare de andar e me diz onde eu posso falar com seu superior.

O anjo parou e se virou.

- Que superior? Você acha que meu superior vai querer falar com você. Ele está muito ocupado. Pare de encher e me acompanhe.

- Para onde vamos?

- Eu vou mostrar o local onde você vai ficar e indicar seu instrutor de serviço.

O anjo começou a andar novamente.

- Como serviço? O combinado era eu ficar numa boa o resto da vida.

O anjo tornou a parar, virou para traz e fez uma cara de quem estava bobo com a ignorância do outro. Quando esses soldados, coitados, eram recrutados para serem homens-bomba não sabiam o que iria acontecer. Era-lhes prometido um monte de coisas boas, mas não lhes diziam das coisas más. Faziam neles uma lavagem cerebral.

- Sady – falou -, você morreu. Explodiu com um monte de explosivos no corpo, ou sei lá o que vocês usam.

- Dinamite. Nós usamos dinamite com bolinhas de ferro. - Explicou o outro.

- Você acha que ainda está vivo? Você morreu, faleceu, desapareceu, abotoou o paletó, perdeu a vida, apagou, bateu a caçoleta, está comendo o capim pela raiz, descansou, desencarnou, empacotou, entregou a alma ao diabo, virou presunto, esticou a canela, abotoou o paletó de madeira... Morreu. Momo, rerre, uu!

O rapaz ficou sem saber o que fazer. E o anjo fez sinal com as mãos para que ele o seguisse pelo imenso corredor branco.

Cinco minutos depois. Já cansando de caminhar. O Rapaz parou.

- Que foi agora? - Perguntou o anjo virando-se, após sentir que o outro não o acompanhava.

- Eu não entendi?

- Qual parte?

- Eu sei que morri. Mas me prometeram...

- Eles te enganaram. Trapacearam, iludiram, lograram. Foi isso. Não têm virgens, não tem vida boa, não tem nada.

O homem-bomba que outrora fora um guerreiro corajoso começava agora a ter medo. Agachou-se, pôs as mãos sobre os olhos e chorou copiosamente.

- Não pode ser. E o paraíso?

O anjo ficou olhando a cena piedosamente.

- Eu sinto muito. Sinto mesmo. Você foi tapeado. Mais aqui no inferno a coisa é feia, e há outros motivos para chorar. Esquece o que te prometeram.

- Inferno! – Ressaltou o outro - Eu vim para o inferno? Mas que merda. Ouve algum engano... - Corriam algumas lágrimas de seus olhos e muco de seu nariz. Ele enxugou com a manga da bata. Porco.

- Eu não posso fazer nada. Vamos continuar. Outras pessoas chegarão e eu tenho que conduzi-las também.

- Aqui não é o paraíso?

O anjo balançou a cabeça negativamente.

O soldado se levantou e seguiu o anjo até uma porta, que dava para um cômodo. Um cheiro de rosas pairava no ar.

- Rosas. Pensei que o inferno cheirasse enxofre.

- Se você quiser posso providenciar esse cheiro para você.

- Não, não, rosa está muito bom.

Ocorreu uma pequena pausa.

- Este cheiro faz lembrar-me de casa, antes de eu ir para o treinamento.

- Vou te deixar aqui. Virá outro anjo que vai te explicar o serviço.

- Não sabia que no inferno tinha anjos.

- Há muitos. Somos anjos maus.

- Você não me parece um anjo mau.

- Mais sou. Eu apenas trabalho num setor de recepção, assim devo me fazer de misericordioso, para que vocês não fiquem assustados e criem problemas. O inferno uma hora parece bom, mas tudo muda e ele fica conforme cada pessoa merece. Há verdades escondidas sobre o inferno. A verdade aparecerá aos poucos.

O anjo acenou com uma das mãos e foi embora. Desaparecendo no ar. O homem bomba ficou ali olhando aquelas paredes brancas, sentindo o cheiro de rosas e pensando em sua família. Esqueceu-se de dizer no vídeo que havia deixado que os amava.

Segundos depois a sala começou a esquentar. Ele começou a suar, sentia muito calor. O cheiro de rosas foi desaparecendo e o ar foi ficando com um cheiro insuportável de coisa podre, de ranço, de morte. As paredes foram manchando de vermelho e o homem foi ficando assustado.

Resolveu dar uma espiada pela porta e deparou com um avantesma. Uma criatura horrível com chifres que brotavam de sua gigantesca cabeça, membros compridos e anormais, onde veias saltavam pulsando e de onde emanava pelos poros um cheiro de enxofre.

O monstro olhou para o rosto assustado do homem e deu uma sonora gargalhada, que parecia não sair de sua boca enorme com seus molares e caninos podres, mas de todos os lugares em volta do quarto onde estavam.

O homem foi se afastando com medo e o monstro animalesco o encarava e se arrastava para perto dele. Logo ele viu que o quarto todo se transformara, ele estava rodeado por fogueiras que cuspiam línguas de fogo sobre ele, queimando seu corpo que agora estava nu.

Amedrontado ele tampou com as mãos sua nudez e tentou se afastar das chamas. Pensou em gritar por socorro ou em correr, porém as fogueiras ardiam ainda mais e as brasas vermelhas como sangue se espalhavam pelo chão por uma longa extensão impedindo-o de se locomover sem queimar os pés. Passar por elas seria suicídio.

Ele nem se lembrou de que já estava morto, e que se suicidara.

- Quem é você? – perguntou gaguejando.

- Eu sou o demônio que você imagina. - Respondeu a criatura com uma voz grossa que ecoou por entre as fogueiras.

...

O dia havia chegado e o sol entrando pela janela do quarto queimava-lhe o rosto moreno. Ele acordou assustado são e salvo em sua casa.

“Ainda bem que foi um pesadelo”, pensou aliviado. Havia sido um sonho bem real. Ele estava todo molhado de suor.

Na tarde daquele mesmo dia Sady foi até ao esconderijo, um velho sobrado na periferia da cidade, onde ele, seus companheiros soldados, e seu superior se encontravam para planejar seus ataques.

- Atenção todos – disse o capitão. A explosão defronte ao consulado francês na semana passada foi esplendida, agora vamos atacar amanhã no hotel. Fayed, você é o meu melhor homem. Recebeu treinamento suficiente, amanhã estalaremos a bomba em você com cinco quilos de esferas de ferro. Duas horas chegara uma comitiva com soldados, turistas e jornalistas ao hotel O Templo, você detonara a bomba quando eles chegarem. Agora vamos gravar seu vídeo. Sua família ira sentir orgulho de você.

- Senhor eu tenho algumas perguntas para fazer.

- Faça quantas perguntas quiser Fayed. Você quer traçar os planos? Quer colocar mais explosivos? Quer...

- Não – gritou Sady – Não é nada disso. - Seu superior ficou espantado com a alteração de voz do rapaz.

- O que você quer saber então?

- Quero saber sobre meus prêmios. Eu quero muita comida boa, folga nos treinamentos e algumas mulheres.

- Você terá tudo isso.

- Eu quero tudo agora, antes de eu cumprir a missão.

- Assim é impossível. Você vai receber tudo no paraíso.

- E se não houver Paraíso? E se eu for para o inferno?

- Não existe inferno para os soldados do nosso deus.

- Eu quero tudo agora e quero ficar pelo menos um ano com tudo isso antes de fazer qualquer missão.

- Você esta louco?

- Se não for assim eu não quero mais morrer à-toa. Ou por uma causa boba que nem é minha, estou saindo fora. - o rapaz se levantou e caminhou até a porta. Todos ficaram assustados com a maneira com que ele falou com seu superior. O comandante das operações dos homens-bomba sacou a pistola e ia atirar nas costas de Sady no exato momento que ele se virou e disse:

- Estão vendo. Eu era importante porque ia morrer, mas como eu não sirvo mais ele ia atirar em mim pelas costas. Se for tão bom morrer assim, morra então você. O comandante fez mira. Sady abriu a camisa e mostrou os explosivos sobre o peito.

- Atira. Vai. Mostre para todos nós o Paraíso.

O pistoleiro olhou friamente para o homem-bomba.

- Você está mesmo louco! Ousa me desafiar?

- Estou sim. Respondeu o rapaz levantando na mão o detonador.

- Atira ou eu detono a carga. Escolhe.

- O capitão empunhando a pistola olhou para todos os presentes sem saber como agir. Se ele atirasse poderia detonar a bomba e todos morreriam. Porém ele poderia deixar que Sady saísse livre e depois assassiná-lo quando não estivesse com a bomba.

- Não há paraíso, só o inferno antes ou depois. No entanto nós deveríamos receber o soldo e os prêmios, antes das missões, e não uma promessa de recebê-los depois. Quem irá pagá-las depois?

- Alá.

- Alá, já me pagou. Deu-me a vida, forças para trabalhar e uma família. Não posso me arriscar a perder tudo isso por uma promessa.

- Você esta sendo tolo.

- Saiam todos. - ordenou Sady. - Eu quero só ele.

Os soldados, passando pela porta de saída, começaram a correr para longe. Quando estavam a uns cem metros ouviram uma explosão. Caíram ao chão com o impacto. Olhando para traz viram uma chuva de pedaços da construção e uma densa poeira sobre o local onde era o abrigo.

Foram encontrados pedaços de corpos humanos, farrapos e pedaços de pedras impregnadas com sangue e pó.

Uma pistola foi encontrada aos frangalhos, mas não se sabe se fora detonado algum projétil. Quanto ao detonador não foi encontrada nenhuma parte dele.

Alguns soldados dizem que o capitão apertou o gatilho e causou a explosão, já que ele era muito pertinaz.

Há outros que dizem que Sady explodiu tudo para tentar acabar com estes suicídios absurdos por uma causa que ele achava que não era dele.

Mas alguém jurou que viu um homem sair pelos fundos do casarão logo depois que os soldados esvaziaram o prédio e que ele possivelmente tinha em suas mãos uma peça cilíndrica que poderia ser o detonador. Esta mesma pessoa o reconheceu como sendo o soldado Sady. Seria mesmo ele? Ou seria apenas um boato, para que nascesse um herói.

...

Segundos depois da explosão, em algum lugar, dois homens acordaram de um transe. Estavam deitados sobre uma mesa fria em um cômodo com paredes brancas e foram recebidos por um ser com roupas brancas.

- Eu sou o anjo Sarim. Eu vim para mostrar onde vocês vão ficar. E o que devem fazer...

Valdecir Ravazi
Enviado por Valdecir Ravazi em 19/08/2015
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