A noite que estive em Albehellion

Da janela de meu carro eu contemplava o horizonte. Àquela hora, o dia e a noite já se misturavam em um céu de matiz azul acinzentado. Ao meu lado minha esposa comentava, olhando para o nada, como a lua havia chegado àquele estado de destruição. Como, por algum motivo que não me recordo, nosso satélite natural havia sido partido em pedaços e agora, alguns anos após o ocorrido, estava fadado a cair sobre nossas cabeças, levando a extinção do resto de nosso planeta.

Dirigindo por aquela estrada vazia em direção a lugar nenhum, eu prestava mais atenção nos pedaços de corpos lunares que entravam em nossa atmosfera; como vagalumes colossais voando em um céu sem nuvens, sem estrelas. O brilho do maior dos pedaços fazia-me recordar dos tempos áureos que, ainda enquanto namorados, passava horas com minha esposa deitado em algum gramado olhando para cima, contando estrelas, espiando as crateras que formavam desenhos na superfície daquela esfera branca que flutuava no firmamento.

Estranhamente as pessoas a nossa volta não se importavam com o fim do mundo, com o apocalipse, acho que um estranho costume se apossou de nossas mentes quando finalmente percebemos nossa insignificância. O ar leve das madrugadas era um convite a passeios despreocupados, uma vez que os deveres do cotidiano deixaram de ser um incomodo. É engraçado como apenas no ultimo momento, apenas quando chegamos ao beco sem saída, à beira do precipício, entendemos o significado de palavras como amor, vida. Não havia medo em lugar algum, não havia desesperança, não havia caos como a maioria dos profetas prega com relação ao “juízo final”. Em contrapartida a melancolia que rondava nossas cabeças era inevitável, como se uma neblina invisível cercada de angustia entrasse por nossas narinas e preenchesse nossos pulmões.

Encontramos um velho amigo, e como de costume demos uma desculpa para não estender muito sua companhia. Mais tarde, pensando sobre o ocorrido, eu me culpei com pesar por não ter escutado o que ele tinha a me dizer; ele só queria atenção, ter alguém com quem passar seus últimos momentos, ter alguém que o escutasse, que risse com ele. E nós, como belos humanos que ainda somos, negamos a ele esse ultimo ato de compaixão.

Você que lê esta carta desconexa pode pensar imediatamente na palavra “pena”, eu não vejo dessa forma. Não vejo por que negar alguém de estar com quem ama, com quem se sente bem. Não vejo o porquê de negar o singelo ato de perguntar “como você está?”, de querer saber do seu dia, do que tem feito e, despreocupadamente, deixar as horas correr pela ampulheta e ignorar o barulho da chuva que começava ao longe...

E assim despertei desse sonho, atordoado e cansado dos momentos que tive em outro mundo, outro lugar, outra vida. As portas de Albehellion se fecharam as minhas costas, e lá abandonei aquele velho amigo sozinho, esquecido, mas a culpa ainda me acompanhou por todo meu dia...

Sat
Enviado por Sat em 21/08/2015
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