Nós e eu - Oitava parte

Uma luz invadiu o local, erradicando toda escuridão dali, Lucy foi expurgada da fazenda, lançada para longe.

Miguel se ergueu, revitalizado:

- Será irreversível. - Dizia enquanto caminhava até a irmã, no chão. - Os danos são irreparáveis Lucífer, você será punido.

Lucy fitava o irmão se aproximando, em volta todos os anjos assistiam a cena:

- Você será marcado. - A voz de Miguel estava estrondosa. - E todos saberão ao olhar para você que você é o pai do abismo.

As asas de Lucy começaram a queimar, as penas antes brancas como o céu ficaram escuras, uma por uma, sua pele marcada por veias roxas que saltavam e pulsavam, sua beleza se extinguia num grito agudo:

- Você será conhecida como Inimigo. - Urrou Miguel, e os anjos que seguiam-no urraram junto dele.

Porém antes que Miguel pudesse fazer qualquer coisa, Yekun tomou a frente da garota caída no chão, deformada:

- Lucy trouxe a luz até nós Miguel, se ela será banida, assim eu serei também.

Miguel estendeu a mão:

- Que assim seja. - Yekun foi expurgado da fazenda, suas asas perderam forças, os cabelos caíram, ele seria conhecido eternamente como o primeiro anjo caído, aquele que tentou defender Lucífer.

- Sua vez irmã. - Disse Miguel para Lucy, que se levantou com esforço, os olhos prateados fitando Miguel.

- Irei te perdoar quanto perceber o erro que está cometendo. - Disse Lucy com voz trêmula, sendo expurgada como Yekun.

A sensação era de queda, como se estivesse acordando de um sonho no susto, Lucy sentiu toda a graça indo embora de si, como Miguel teria aquele poder? Seria ele agora tão relevante quanto o pai ao abrir da cabana?

Lucy viu de longe, centenas de milhares de anjos caindo assim como ela, e sorriu... Ela não estava sozinha.

Foi assim que o Sol, a estrela mais brilhante do céu, estrela da manhã caiu, junto de um terço das estrelas do céu.

...

Lucy abriu os olhos, muito tempo havia se passado desde sua queda, ela havia se separado de seus irmãos que haviam fundado um lugar para eles, chamavam de Sepultura, a casa dos anjos caídos.

Lucy não queria lidera-los, vez ou outra voltava a Sepultura para passar um tempo com os irmãos caídos, eles veneram Lucy, aquela que havia trazido a luz e a escuridão para todos.

Porém Lucy não se preocupava mais com a luz, passava seus dias no Abismo do universo, o lugar onde havia encontrado a escuridão, dormia entre as sombras, no único lugar do universo onde a criação de seu pai não havia chegado e lá havia aprendido a amar.

Lucy amava aquele lugar com toda sua existência, era acolhida pelas sombras e lá de tudo nascia, música, criatividade e imaginação, a escuridão deu lugar a uma mente ativa, Lucy confabulava sobre todo tipo de coisa lá enquanto dormia, lá onde a noite era eterna e nada lhe perturbava.

E por mais que ela soubesse que aquilo não duraria para sempre, se impressionou com a velocidade que acabara.

Certa vez abriu os olhos e percebeu que a escuridão não era mais a única coisa que residia o local, um pedaço de pedra pequeno pairava no meio do lugar, se alimentando de poeira, girava rápido e acumulava volume e massa, volume e massa estes que em pouco tempo haviam dobrado de tamanho, cometas passavam e era atraídos para o meio da escuridão por esta pedra, colisões de partículas faziam a massa crescer, Lucy assistia aquilo curiosa, era a primeira vez que presenciava algo sendo criado.

Em pouco tempo aquela massa tinha o tamanho de uma fazenda, como a que ela havia nascido, mas diferente de sua casa a escuridão ainda pairava ali e uma tempestade havia começado.

Lucy se lembrou de quando era uma criança e do lado de fora da cabana uma tempestade durou muito tempo, seria o mesmo tipo de tempestade?

"A tempestade vai limpar tudo e vai acabar com a escuridão."

Lucy ficou ali parada, no meio de uma tempestade que misturava terra com trovões, tufões de fogo faziam montanhas gigantes, chuva interminável enxia oceanos inteiros e de repente, como por acaso, do solo morto surgia grama e da grama as árvores.

O céu que outrora berrava se acalmava e nuvens lindas eram formadas, uma luz tomou conta de tudo, purificando o ar.

O céu e a terra se distanciaram, e aquela massa sem forma estava cada vez mais parecida com a fazenda.

Lucy percebeu que alguém caminhava pela grama, descalço, se perguntou quem além dele estaria na face do abismo.

Caminhou calmamente até o homem:

- Olá... - Disse educada.

O homem olhou para ela e sorriu, o sorriso mais sincero que Lucy havia visto até então:

- Não achei que teria alguém aqui. - Disse o homem, sua aparência lembrava a de João antes de ser um anjo, porém mais velho, os cabelos grisalhos e rugas de expressão lhe davam um ar bondoso.

- Digo o mesmo... Fiz do abismo minha casa há algum tempo, não imaginei que alguém estaria nesse lugar sem forma... - Disse Lucy, sabia que deveria estar assustando o velho que por algum motivo não mencionara sua aparência horrível.

- Bom, não tão sem forma assim pra ser honesto com você. - E riu para Lucy, que contribuiu a risada.

O homem olhou para o céu azul e a grama verde:

- Ainda faltam algumas coisas... Bom, antes de continuar irei fazer uma proposta contigo. - Disse o homem pensativo.

Lucy se arrepiou ao pensar na possibilidade daquele homem ser quem ela pensava ser:

- Proposta? - Perguntou.

- Normalmente eu extinguo as trevas dos lugares que estão sendo criados... Mas vejo que aqui ela tem certo padrão, imagino que você tenha feito isso. - Disse o homem colocando a mão no chão.

Lucy não precisava encostar a mão no solo para sentir as trevas no centro da massa que estava imensa:

- Sim, eu decifrei o abismo... - Disse sendo honesta.

Ele sorriu novamente:

- Um trato, não vou extinguir as trevas daqui, vamos separar as coisas. - Disse o homem. - Separemos a luz das trevas, damos períodos para elas reinarem aqui.

Lucy franziu a testa, seria aquele seu pai?

- Você tem o poder de fazer isso? - Perguntou Lucy.

O homem riu, uma risada gostosa:

- Acho que isso é um sim. - Disse ainda rindo.

Lucy consentiu com a cabeça.

O homem encostou as mãos no solo, e uma luz forte jorrou por todo o local, Lucy sentiu um poder grandioso, que se expandiu para o céu, iluminando-o e foi além, para o universo, criando uma bola de fogo imensa próxima a massa onde estavam:

- Bom, chamarei de dia! - Disse rindo. - Você já sabe, sua vez agora.

Lucy entendeu, o homem criaria uma fazenda onde não houvesse apenas manhã, onde também existisse aquilo que ela havia decifrado, conhecido e dominado.

Lucy repetiu os movimentos do homem velho, colocando as mãos no chão, deixou todo seu poder fluir na terra, se espalhando como uma doença por todo o lugar, atingindo o céu, deixando todas as estrelas visíveis, lá em cima, do outro lado, uma bola prateada como seus olhos surgiu:

- Isso se chamará noite. - Disse Lucy.

O velho ficou olhando para o céu durante alguns minutos:

- É lindo Lucífer... Tão lindo quanto minhas criações... - Disse o homem velho sorrindo para ela. - Agora durma e me deixe terminar o trabalho.

Pedro Kakaz
Enviado por Pedro Kakaz em 07/06/2016
Código do texto: T5660307
Classificação de conteúdo: seguro