Echoes - Capítulo 3

Uma das primeiras memórias que tenho é um relógio.

Não um de pulso, aqueles de parede, redondo grande e branco.

Lembro que olhava para ele sem entender muito bem... Dizem que uma memória é reforçada por um sentimento, eu lembro bem o sentimento que aquele relógio me trazia.

Medo... Sim, parece bobagem mas isso é realmente uma memória vívida pra mim, eu tinha medo do relógio.

Primeiro por que não entendia o que eram aqueles símbolos, hoje sei que são apenas números... Será?

Mas não era por isso que eu tinha medo do relógio, era o barulho que ele fazia.

Tic... Tac... A noite inteira.

O medo com compreensão virou ódio, depois de entender o que era aquele tic tac eu passei a sentir apenas raiva dele, ininterrupto.

Agora os símbolos que eu não compreendia, agora entendo o que eles significam.

A morte se aproxima...

Capítulo 3 - Relógio.

O relógio marcava 00h00 exatamente.

Com a água da chuva caindo no meu rosto olhei para o lado, não era meu doppelganger.

Era alguém que eu realmente não esperava ali:

- Professor Paulo? - Perguntei enrugando a testa.

O velho estava encharcado, com um sobre tudo marrom, suas luvas brancas e um chapéu ele sorriu pra mim enquanto enrugava a testa também:

- Preciso falar com você. - Disse.

Eu sem entender disse:

- Vamos entrar e conversamos. - Fiz menção com a mão para entrarmos, estava caindo uma tempestade onde estávamos.

Ele balançou a cabeça negativamente e sorriu novamente com a cara enrugada:

- Não tem necessidade de entrarmos, eu em breve preciso ir pois amanha tenho tarefas importantes. - Disse se aproximando um pouco para gritar menos, o som da chuva abafava parcialmente sua voz. - Só preciso de perguntar uma coisa.

Balancei a cabeça:

- Pode perguntar...

Ele passou a mão direita sobre a face, mandando a água pra baixo e disse:

- O que você quis dizer com "Essa questão não tem uma resposta." no T.C.E? - Perguntou enfim o que eu esperava que perguntasse.

Professor Paulo era extremamente paciente e dedicado ao trabalho e aos alunos, ele não deixaria passar impune aquela resposta, eu sabia disso:

- Ora... Eu não sou a pessoa que preciso pensar nessa reposta professor. - Disse sincero.

Ele enrugou mais ainda o rosto, como se mordesse um limão:

- Quero dizer... Eu não seria a pessoa que faria essa escolha, não cabe a mim, eu não quero ser essa pessoa... Eu não mudaria o que aconteceu por mais terrível que fosse... Não mataria ele, não re-educaria, eu não faria nada... Eu... Eu não conseguiria. - Disse abaixando a cabeça, meus pés estavam realmente encharcados.

Pude ouvir ele suspirar alto:

- Vivemos em um mundo de protagonistas... - Disse ele rindo pra si, quando olhei para seu rosto novamente estava diferente, como se não entendesse algo, como se alguém tivesse batido em seu carro de repente e fugido...

- O que quer dizer com isso? - Perguntei.

Admito que naquele momento a chuva passava despercebido:

- Um mundo de protagonistas Tom... Em quase vinte anos ninguém deu tal resposta, todos tem uma posição, ou mesmo se não tem inventa, cria... No mínimo se desculpa por não ter uma resposta... Você foi diferente de todos eles... Você não é um protagonista. - Disse me olhando sério. - Talvez seja isso que você tem de especial.

Um dia alguém me falou: "Em um mundo onde todos almejam ser diferentes, alguém simples se destaca."

- Bom... Eu não sei o que dizer... - Disse sem graça.

- Tom... É irônico logo você se apresentar dessa forma a mim, uma pergunta tola que necessita de uma resposta simples, em vinte anos apenas você chegou nessa resposta simples. - Disse me fitando com curiosidade.

- Irônico? - Perguntei, o que seria irônico? Como se eu tivesse me contradito em minha forma de ser e minha forma de responder?

Ele sorriu... Sorriu como se tivesse triste:

- Deixa pra lá... Preciso te mostrar uma coisa. - Disse.

Eu antes de responder vacilei, vacilei pois lembrei que Lívia estava lá dentro, curtindo o show, me esperando.

Ele percebeu meu vacilo:

- Não vou tomar seu tempo. - Disse sarcástico.

Não entendi:

- Onde vamos? - Perguntei quando percebi que virava as costas para andar.

- Logo ali.

Andamos até um beco próximo, admito que exitaria se fosse qualquer um, mas aquele homem era brilhante demais e nada que eu fizesse impediria ele de realizar o que quisesse realizar:

- O prêmio do T.C.E não é uma bolsa de estudos, não são viagens, muito menos diplomas. - Disse se virando para mim no beco, estávamos relativamente perto do bar ainda.

Franzi a testa:

- Pera... Você quer dizer que... - Comecei, mas ele me interrompeu.

- Quem respondesse corretamente a questão teria seu perfil avaliado por mim, caso fosse aceito em todos os critérios, o que é o caso, ganharia isso. - Ele arregaçou a manga direita e deixou a mostra seu relógio marrom, de perto percebi que não se tratava de um relógio convencional.

Ele desamarrou do braço o relógio e mostrou a mim:

- Isto. - Disse.

O prêmio para o teste tão criterioso e famoso do professor Paulo Luiz de Fonseca era... Um relógio?

"Pera", pensei. "Não parece um relógio comum."

Pensei isso pois era antiquado demais, como um relógio de bolso do passado, porém de madeira, eu nunca tinha visto um relógio de madeira, mais importante que isso, o ponteiro estava quebrado, por fora o vidro estava com uma rachadura precisa e por dentro ele estava... Estava confuso, passava alguns segundos normalmente e avançava muitos de repente, recuava e logo depois andava um pouco mais devagar, parou e avançou de novo, os ponteiros do minuto se comportou da mesma maneira. Por fora era redondo e como eu disse de madeira, com círculos em volta em plaquetas que se ligavam ao relógio, a pulseira parecia ter sido remendada a ele e não natural daquele relógio.

Ele percebeu que eu fitava o relógio, e perguntei:

- Um relógio... Brigado professor. - Quando estendi a mão para toca-lo o professor Paulo puxou uma das alavancas de círculo para baixo, o relógio acendeu e apagou rapidamente de uma cor azulada.

Arregalei os olhos:

- Ok...? - Franzi a testa e olhei o relógio, logo depois encarei o professor, só depois percebi que ele estava com a mão esquerda encostada no meu ombro o tempo inteiro.

- Olhe em volta Tom. - Disse seco.

Meu coração acelerou repentinamente quando percebi, ao movimento do relógio do professor era como se... Como se a chuva tivesse cessado de repente... Mais do que isso, a chuva não havia apenas cessado, ela estava... Estava...

- A chuva está parada no ar? - Senti um formigamento violento nas pernas, vacilei e quase caí.

Fitei o professor que ria de forma sincera, senti minha visão ficar turva um segundo:

- Professor o que está acontecendo? - Perguntei recuando um pouco, a chuva ainda estava toda parada no mesmo lugar.

Era possível identificar onde estava cada gota, imóvel e brilhante no ar, olhei em volta e percebi que a música havia parado também, do outro lado da rua, meio distante um casal que estava fumando embaixo de um toldo estavam completamente parados, com a boca aberta e o cigarro sem diminuir, tudo estava imóvel. Inclusive a fumaça do cigarro:

- Não é óbvio? - Perguntou.

Inspirei e soltei o ar repetidas vezes, fazendo meu coração acalmar antes de falar aquilo que estava prestes a dizer:

- O tempo... O tempo parou? - Olhei sério para o professor, que riu.

- Sim! - Disse empolgado.

Inspirei e soltei o ar novamente:

- O que está acontecendo? - Perguntei de olhos fechados.

- Por anos eu procurei alguém, analisei pessoas, fichei muitas delas, acompanhei seus passos dia após dia, apliquei o teste e ninguém nunca se mostrou apto a receber isso. - Disse sério. - Isso Tom é uma maquina do tempo.

Pedro Kakaz
Enviado por Pedro Kakaz em 29/08/2016
Reeditado em 30/08/2016
Código do texto: T5744130
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