O VULTO

   Num corredor mergulhado em meia luz o silêncio era sepulcral, na parede quadros de aparências bizarras. Lá na frente, a cerca de uns seis a oito metros, a porta de entrada estava fechada, ali dava pra ver na sala principal parte do antigo sofá coberto com uma capa amarronzada, um tanto desbotada. O antigo relógio de parede mostrava seu pêndulo naquele lá e cá a contar o tempo para, de hora em hora, emitir o seu som característico, que muitas vezes assustava. Entre o local onde eu me encontrava, próximo da área de refeições e a sala principal, contava-se quatro portas de quartos que estavam fechadas, duas de cada lado do corredor. Ninguém nesse antigo imóvel, apenas eu e morrendo de medo, afinal não sabia porque estava ali. E precisava sair dali o mais rápido possível antes que a noite caísse. Em passos lentos iniciei a caminhada rumo a porta de entrada que esperava estar destrancada, era apenas rodar a maçaneta e ganhar a rua. Parei ao ouvir um rangido, uma das portas do quarto se abria lentamente emitindo aquele som característico seu. Nesse exato momento as temidas badaladas, eram seis horas da noite, o que me assustou. O rangido demorou cerca de um minuto, o suficiente para descontrolar meus nervos que já estavam a flor da pele. Queria gritar, mas me fiz de forte, apenas ouvindo as batidas aceleradas do coração. A luz do corredor tornou-se bem mais fraca e quase não dava mais para ver a bendita porta de entrada por onde eu deveria sair, correndo se fosse possível, se as pernas deixassem, é claro.

   Viajei no tempo e me lembrei que há anos eu ali estivera, ainda quando menino, minha mente parecia me alertar que nessa antiga casa de herdeiros meu avô materno havia falecido e toda a familia se preparava para o funeral. Ele sempre foi uma figura muito querida e eu gostava muito dele. Me deu uma vontade de chorar danada, até senti algumas lágrimas escorrendo pela face. Minha avó chorava junto com minha mãe, os outros demonstravam aparência triste. Todos saíram rumo ao cemitério que ficava nas imediações, no cortejo familiares e amigos para se despedirem do nosso ente querido. Eu não pude ir, era apenas uma criança, ali fiquei aguardando o retorno de todos, chorando não pela morte do meu avô, pois não compreendia ainda essas coisas, mas por ter ficado só, ao lado de uma pessoa que se encarregou de tomar conta de mim. Chorei compulsivamente tentando entender de tudo o que estava acontecendo, pois eu vi quase todo mundo chorando.

   Mas voltemos ao cenário inicial, agora estava me lembrando onde eu estava, era a casa dos meus avós, uma enorme casa em estilo antigo, no entanto eu não me lembrava dos detalhes que agora percebia. Tudo era estranho para mim, agora um adulto, como se voltasse ao passado e vivenciasse aquele ambiente, aquela casa, que nem sei se ainda existe. O rangido da porta cessou no instante em que visualizei um vulto saindo do quarto. Fiquei estático, sem nenhuma reação, o medo me paralisou completamente, nem gritar eu conseguia. O vulto era de um homem que não dava para identificar, ele saiu calmamente e se dirigiu para a porta, rodou a maçaneta e ganhou a rua, fez o que eu tentava fazer e não conseguia. Mais calmo respirei fundo e despertei desse sonho.

Moacir Rodrigues
Enviado por Moacir Rodrigues em 28/03/2022
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