Na terra dos gigantes

A vida de Galena foi cravejada de dificuldades desde que se entendia por gente. A pobreza rondou a existência de sua família. A época em que se passou esta história foi uma das mais difíceis nas terras da Mesopotâmia. O país vivia em luta constante contra os seus vizinhos, o que fez com que a economia entrasse em decadência causando longos períodos de sofrimento para o seu povo. Tão pobre e carente vivia Galena que o próprio homem com que se casara não suportou a pressão e abandonou-a e, para piorar sua situação, grávida de cinco meses, desaparecendo para nunca mais ser visto.

Semanas mais tarde lhe morre a mãe, a única com quem podia contar nos momentos difíceis, deixando-a completamente só e sem uma opção de vida. Em função disso, acabou por tomar uma decisão em relação ao filho que tinha no ventre: teria a criança, mas não ficaria com ela. Queria para o filho um futuro promissor, o que era impossível se tentasse criá-lo. Também, se o entregasse a alguém, poderia se arrepender mais tarde, o que a faria sofrer ainda mais. O que faria então? Passou semanas pensando sobre o assunto.

Como solução, preparou-o para uma longa viagem. Pode parecer uma loucura sem precedentes o que decidira fazer Galena, mas tal era sua fé de que os deuses o protegeriam, não lhe deixando que nada de mal lhe acontecesse, que ela executou o seu plano plena da certeza de que tudo daria certo. Esperou que o neném completasse quatro meses de vida. Colocou-o em um cesto com água e algumas mamadeiras. Providenciou uma canoa de quatro metros de comprimento, fechada e muito bem protegida. Colocou ali o cesto com a criança e deixou que a correnteza se encarregasse do resto.

Seguindo o lento e suave leito do rio Jordão, Jamber, aquecido pelo conjunto de mantas de sua cesta, não fazia ideia do futuro que o esperava em terras distantes. Passadas algumas horas de uma viagem tranquila e sem contratempos a embarcação ganhou o mar aberto, cujas águas, naquela altura, mostravam-se revoltas e turbulentas. Mas nenhum mal sobreveio a Jamber e, como por milagre, a embarcação se sobrepôs ao mau tempo e às tempestades. Agora, um mar tranquilo era a sua recepção.

A sorte de Jamber, no entanto, começou a mudar a partir do momento em que foi encontrado. O capitão do navio de bandeira espanhola ordenou a aproximação ao estranhar o inusitado da cena. Era certamente um barco à deriva e sem nenhuma tripulação. Jamber foi resgatado e levado à bordo para surpresa de todos. Dias depois um ataque de piratas dizima por completo a população do navio, mas Jamber tem sua vida poupada e é entregue à tribo dos pigmeus da ilha de Samoa como pagamento de uma dívida dos piratas para com eles.

Segundo crença da tribo, uma criança branca ainda sem dentes e sem fala afastaria a maldição que pesa sobre todos os pigmeus da ilha. A ira do deus de pedra não podia mais ser contida de outra forma como o era pelas danças e pelas oferendas. A terra estava seca, os animais vinham morrendo e se não fosse feito o sacrifício do menino branco todos seriam exterminados pela chuva de fogo que desceria dos céus.

A tribo dos Najaras, a oeste da ilha de Samoa, possuía, por sua vez, os temíveis caras-pretas, centenas de guerreiros gigantes, todos ostentando a altura mínima de 2 metros e meio de altura. Jamber foi preparado para o seu sacrifício. Vestiram-no apropriadamente. Porém, algo aconteceu exatamente na hora de acenderem a fogueira sobre a qual estava Jamber. Uma chuva torrencial arriou sobre o terreno, alagando tudo ao redor, tornando impossível fazer qualquer espécie de fogo e o sacrifício teve de ser adiado. O tempo permaneceu inalterável por todo aquele dia. Ao cair da noite guerreiros Najaras penetraram sorrateiramente nos domínios dos pigmeus e sequestraram Jamber.

O que perdiam os pigmeus em tamanho para a tribo dos Najaras ganhavam em quantidade. Eram milhares contra pouco mais de quinhentos ou oitocentos da outra tribo. Mas os Najaras possuíam o deus elefante branco venerado pela tribo como o seu maior protetor. Jamber seria para eles o próximo deus anunciado pelo grande elefante após a morte deste. Alguns pigmeus foram mortos pelas flechas certeiras e envenenadas dos Najaras na noite do sequestro de Jamber. E isto acendeu a ira do chefe da tribo que declarou guerra aos Najaras.

Nesta guerra em que Jamber tinha sido atado ao lombo do grande elefante branco para proteção dos guerreiros, mais da metade dos pigmeus de Samoa foi eliminada; ocorreu um verdadeiro massacre, o que provou para a tribo dos Najaras que Jamber era mesmo enviado pelo deus grande elefante branco. Pigmeus eram mortos e massacrados aos montes; pouquíssimos guerreiros gigantes pereceram na luta e isto fez aumentar ainda mais a confiança da tribo.

Jamber foi crescendo em meio a verdadeiros rituais de veneração e respeito. Após a morte do grande elefante branco foi coroado rei dos Najaras. Até a idade de doze anos foi fácil para Jamber aceitar e se submeter aos rituais de veneração em sua homenagem, mas isto começou a mudar com o tempo e à medida que ele ia se tornando adolescente. Havia conhecido Crineia que lhe fora apresentada quando ainda criança e agora já tinha a idade de treze anos. Para os componentes da tribo um deus não possui desejos carnais, logo seria inconcebível que Jamber viesse a se apaixonar.

Mas foi exatamente o que aconteceu. A última guerra contra os pigmeus havia sido desastrosa. Jamber definitivamente não era o mesmo e dessa vez a derrota veio para os Najaras. A metade da tribo fora dizimada e a fé em Jamber como um deus poderoso caiu por terra. Aos dezesseis anos, antes que o pior lhe acontecesse, o garoto, não um deus, mas um humano e apaixonado, pois era assim que se reconhecia, fugiu no meio da noite com sua bem amada Crineia para nunca mais ser encontrado pelos Najaras que, sem a proteção de um deus, acabaram se dizimando.

Jamber e Crineia cresceram e se multiplicaram formando uma nova e poderosa tribo, a dos Tuareses. A quase totalidade dos componentes desta tribo puxou a genética de Crineia e eram de enorme estatura. Jamber no meio deles era um anão de verdade. Era engraçado vê-lo ao lado dos filhos mais velhos e constatar a enorme diferença em estatura. Jamber, agora aos trinta e oito anos de idade, era pai de não menos do que doze filhos no total, sendo quatro deles mulheres. Janaíde, a mais velha e a mais bonita de todos era invejada pelas irmãs e, não mais aguentando os conflitos, abandona tudo e foge. Jamber sofre muito com isto.

Para complicar mais ainda a vida do pequeno Jamber, todos os filhos, ao saírem em busca de companheiras, encontraram-nas; mas, por não serem muito unidos foram cada um para o seu lado e quando voltaram para rever o pai traziam um companheiro ou companheira de tribos totalmente distintas, o que serviu para gerar confusão ainda maior. Gostos, tradições, costumes e habilidades diferentes foram motivo de brigas e discussões.

Uma das noras engraçou-se para o lado de Jamber e, por ser a mais bonita de todas e muito meiga, ele acabou não resistindo, isto enfureceu Saluti, o filho marido; magoado e ressentido ele abandonou tudo e voltou para o mundo. Ela deu à luz um menino que, por não crescer como os outros, por ser do pequenino Jamber, foi desprezado. Largou para trás a tribo, carregando o seu filho, sem recursos, sem pai e sem chances de um futuro decente. O grande coração de Crineia perdoou o marido; enterraram para sempre o caso para que não mais interferisse na felicidade dos dois.

Esta história termina da forma que começou. Ou seja, Samira, a esposa abandonada, não vendo saída para a criação do menino, colocou-o nas águas do Rio Jordão, tal como fizera Galena, a mãe de Jamber. Não se sabe de sua sorte; se sobreviveu e cresceu como o pai ou se acabou perecendo de encontro às forças da natureza. Tendo, porém, nas veias, o sangue de Jamber e de Galena, não é de se descartar a sua sobrevivência, criação e a de uma prole, quem sabe mais pacífica e feliz.

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 07/10/2023
Código do texto: T7903490
Classificação de conteúdo: seguro