- A ILHA DO TESOURO - Iolandinha Pinheiro

 
Vivo em uma minúscula ilha encravada na costa setentrional da Austrália. Não sei como vim parar aqui, lembro vagamente de um bote, devo ter naufragado. Sem pais ou lembranças, fui adotado pela população que me resgatou. Poucos dividem comigo este espaço limitado. O solo, predominantemente pedregoso, e a chuva persistente afastam desta terra os menos afoitos, e obrigam que a pesca seja a única atividade viável. Os vegetais e as frutas que conseguimos cultivar servem tão somente para a nosso próprio consumo.

Uma parte do terreno da ilha fica abaixo do nível do mar, de tal modo que só não morremos afogados devido a um paredão rochoso que segura a força do mar funcionando como uma represa natural.

Para conseguir fazer a pesca com redes, nossos barcos são lançados de um pequeno píer construído em uma faixa elevada estreita e arenosa, no lado oposto ao que as ondas quebram.

Não bastassem tantas dificuldades, em uma determinada época do ano os ventos aumentam de tal forma que o cume das ondas chega a subir além da barreira de pedras, relâmpagos, que iluminam toda a praia, aterrorizam os animais e as crianças. Durante estes eventos, estocamos comida e água e nos trancamos com nossos animais, esperando que a ressaca marinha acabe, enquanto a água avança em caudaloso bloco, ameaçando as nossas frágeis casas com a força sobrenatural das vagas.

Divido a pequena casa com meu fiel amigo Louis, meu cachorro, e algumas famílias de caprinos que nos garantem o leite e o queijo.

No último agosto aconteceu um fato peculiar. Era manhã, e apesar da tempestade, podíamos ter uma boa visão do que estava ao redor da casa, Louis estava mais inquieto do que de costume. Latia e arranhava a madeira da porta tentando sair. Em um dado momento, o barulho do vento cessou e não víamos mais a crista das ondas se lançando penhasco acima. Abri a janela e o cheiro de água lavada entrou pela casa como um convite para que saíssemos.

Louis correu como uma flecha, desceu sem medo até um base de rochas e cheirava por todos os lados como se procurasse alguma coisa específica, e se jogou no mar. Desci rapidamente e quando já estava muito perto do cachorro, escorreguei em uma pedra coberta de uma gosma verde, bati a cabeça no chão e meu corpo rolou para a água.
Não sei quanto tempo fiquei ali, sem conseguir mover pernas e braços. Achei que iria morrer. O fundo do mar, mexido pela dispersão de água causada pelo meu mergulho, trazia à suspensão inúmeras partículas que normalmente descansavam na areia.

Conchas, pedras coloridas e pequenos peixes flutuavam em torno de mim. Fiquei ali entre maravilhado e sentindo o desespero de ver a vida se esvair, junto com toda a minha reserva de ar nos pulmões. Em algum momento daquela situação percebi um vulto se aproximando,  logo depois uma linda jovem também submersa olhava com curiosidade e gritava algo incompreensível para alguém.

Os longos cabelos ruivos dançavam sobre o rosto, e os fios fustigavam os grandes olhos de um verde tão claro que não parecia deste mundo. Não conseguia parar de mirá-la enquanto o ar ia se extinguindo sopro a sopro do meu jovem pulmão.

De longe vi um ser aquático se aproximar velozmente em direção a mim, mas antes que eu pudesse impedir, seus longos tentáculos envolveram o meu tórax e me apertaram com força. Meu peito doía imensamente, eu tentava escapar daquele abraço mortal, mas a minha garganta cheia de água não me deixava soltar som algum.


Acordei vomitando água salgada em fortes jatos, enquanto um homem apertava meu peito e limpava o meu rosto.

-Robert?
Estava cercado de pessoas que me olhavam com atenção.

- Pensamos que havia morrido. Estava ficando azul.
- Mas eu escorreguei do rochedo, onde está a ilha?
- Ilha? Filho, você está delirando, logo vai voltar ao normal.

Então me lembrei de quem eu era e onde realmente estava. Sr. Flint, o capitão do navio Steven & Son, chegou com meu cachorrinho nas mãos.

-Também o resgatamos. Use a coleira no Louis e ele não pulará mais no mar.

Assim que me senti completamente recuperado, fui até a popa do navio onde encontrei a jovem Sirena Silver observando a pequena ilha que se tornava cada vez menor e perdida no meio do oceano.

- Gostaria de ter descido ali.

-Ali onde?

-Naquela pequena ilha rochosa ali atrás.

Ela afastou os longos cabelos ruivos do rosto e respondeu.

- Não há nenhuma ilha ali, garoto. Há dias estamos no meio do mar sem ver nenhum sinal de terra.